quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

XI

Londres!
Uma das mais bonitas cidades que alguma vez conheci…
E lá está ela, inigualável, com a mesma beleza e charme e com o mesmo frio, aquele frio tremendo capaz de regelar qualquer parte do corpo. E ainda só está a começar o Outono, o que é extremamente preocupante.
Sasha, estava sentada no meu colo, a aquecer-me as pernas cobertas com umas leggings. Tinha seguido o conselho de Mikki, que me aconselhou a levar uma roupa prática e minimamente quente para ultrapassar o frio que sempre se fazia sentir na capital inglesa. Tirei do recanto do meu closet as minhas velhas UGG, compradas quando tinha quinze anos em Sydney e umas quantas camisolas de malha mais quente, assim como uns cachecóis, que certamente me ajudariam. Fiz jus ao seu conselho e vesti-me prática e descontraída, como eu há muito tempo não me lembrava. 
Acariciei o pêlo sedoso de Sasha enquanto passávamos pelas típicas ruas de Londres, até virarmos no cruzamento para Nothing Hill, onde o meu pai tinha uma acolhedora casa de férias, sítio onde iríamos ficar enquanto permanecêssemos lá. E não podia ter sido em melhor altura… Eu e o John na mesma casa, sozinhos, depois dos últimos acontecimentos… Havia de ser bonito!
O amável senhor do táxi contratado particularmente pelo meu pai parou em frente à casa onde iríamos ficar. Lembrava-me vagamente dela dos tempos de infância, quando os meus pais ainda estavam juntos, mas seria um imenso desafio voltar a reconhecer cada recanto dela. John disponilizou-se a levar as malas para dentro e então peguei em Sasha, meio combalida pela extensa viagem do aeroporto até ali e apressei-me a entrar dentro de casa, soltando-a assim que pisamos o chão de madeira. Acendi a luz e observei com muita atenção o que estava à minha frente, assomando-me à memória aquilo que já conhecia. As paredes da casa eram de tijolo, em combinação com a cobertura de fora. Era uma casa muito fria mas a minha preocupação estancou quando me lembrei da grande lareira da sala, que dava para aquecer todas as divisões da casa.
Penetrei ainda mais no interior, acendendo todas as luzes para que a casa se iluminasse e não parecesse tão rígida e austera

- Como faço com as malas? – John fechou a porta atrás de si e pousou as malas no chão, despindo o casaco e pendurando-o no cabide de madeira.

- Só há um quarto… - Encolhi os ombros, um pouco embaraçada com essa constatação. Um de nós teria de ficar na sala, o que vendo bem, até não era mau pensado devido ao frio que se fazia sentir.

- Ok – Ele pegou nas minhas duas malas Louis Vuitton e dirigiu-se ao quarto, que ficava logo em frente – Eu fico na sala, sem problemas.

Limitei-me a anuir, sem qualquer tipo de discussão possível e encaminhei-me até à dispensa, onde sabia haver um armário que guardava todo o tipo de coisas: loiças, toalhas, almofadas, cobertores e alguma lenha. Remexi em todos os sítios, procurando algum vestígio de lenha que pudesse acender a lareira nem que fosse por dez minutos, apenas para aquecer aquela gélida casa mas nem sinal. Havia apenas um cobertor polar, que tirei imediatamente para fora, mas o facto de não haver mais nenhum alertou-me pois sabia que na minha cama não estava nenhum.

- John… - Chamei-o, projectando a voz para que ele me pudesse ouvir.

- Aconteceu alguma coisa? – Ele chegou junto de mim num piscar de olhos.

- Só encontrei este cobertor… - Passei-lhe o cobertor para as mãos – Podes ficar com ele. Eu vou ao supermercado mais próximo ver se encontro algum. Também não há lenha! – Fechei a porta do armário e saí daquele compartimento minúsculo, seguida por ele.

- Estás doida? Fica com o cobertor! – Ele dirigiu-se até ao quarto e colocou o cobertor em cima da cama – Basta arranjar lenha e eu fico bem na sala apenas com um lençol.

- John… - Voltei a pegar no cobertor e tentei passar-lho para as mãos mas ele recusou-se a aceitá-lo – Mesmo que encontremos lenha a lareira não fica acesa toda a noite.

- Não sejas teimosa! – Ele virou-me costas, pegando nas chaves de casa que tinha deixado em cima da mesa do hall de entrada e saiu – Vou ao supermercado! – Disse, já do lado de fora, antes de fechar a porta.

Confesso que no momento que ouvi a porta fechar-se senti-me furiosa. Mas tinha decidido ignorar tudo o que tivesse a ver com ele e trata-lo com o máximo de profissionalismo que conseguia. O meu pai tinha-me confiado aquela casa para os dois pois sabia (ou assim julgava) que eu era suficientemente profissional para não me envolver com o meu segurança. Não que ele me tivesse dito mas eu conhecia-o. Pena que ele não me conhecesse assim tão bem!
Fui até ao meu quarto, que apenas tinha uma cama de casal e uns quantos quadros espalhados nas paredes de tijolo. Não sabia o que eram mas significavam muito para o meu pai e fiquei a admira-los durante uns instantes, até ganhar coragem de desfazer as minhas malas.

Minutos mais tarde
- Hey, Maria!

Ouvi a porta fechar-se e rodei a cabeça pois não me queria levantar do sofá.

- No supermercado mais próximo não há nem cobertores, nem lenha… - Ele voltou a despir o casaco e pendurou-o no bengaleiro, vindo sentar-se ao meu lado no sofá, com Sasha no meio de nós – Só no centro é que encontramos isso!

- Ok, então chamamos um táxi e vamos ao centro! – Tentei alcançar o telemóvel para ligar para a central de táxis mas ele impediu-me, interceptando-me o braço.

- Estão umas dezenas de fotógrafos lá fora… Não vamos sair agora!

Oh não! Fotógrafos agora era tudo o que menos precisava.
Pousei o telemóvel novamente em cima da mesa de centro e fitei-o, procurando no seu olhar alguma solução. É claro que os fotógrafos sabiam que estávamos juntos na mesma casa pois o meu pai tinha emitido um comunicado de madrugada mas não se pode esperar muito das suas mentes maliciosas e perversas. Bastava uma foto de nós dois juntos para voltar a vir à ribalta uma possível relação. E nós não queríamos ter de lidar com isso outra vez.

- O que podemos fazer é ligar à Meg e pedir um carro – Sabia que não era a melhor solução pois eles continuariam a ver-nos juntos mas de carro é sempre mais fácil despista-los do que de táxi. Isto se eles não ficassem a semana inteira do lado de fora da casa, à espera da nossa saída.

- E eles trazem-nos o carro?

- Acredito que sim… E é sempre mais fácil para nos deslocarmos. Não estou a pensar ficar estes quatro dias fechada em casa – Encolhi as pernas e puxei-as para mim, tentando aquecer-me um pouco mais.

John recostou-se no sofá, abrindo os braços e apoiando-os nas almofadas do sofá, um para cada lado, atrás da cabeça. Tão típico de homem…

- Sim… Ainda para mais não temos televisão! – Ele lançou um suspiro resignado mas ao mesmo tempo divertido e eu não conseguir conter o riso. Era um facto! Tinha-me esquecido que não tínhamos televisão.

- Alguma coisa se há-de arranjar…

Recostei-me um pouco mais no sofá, acabando por me deitar de lado, toda encolhida. A viagem tinha sido cansativa e a fadiga começava a apoderar-se de mim. Olhei para John antes de fechar os olhos e adormeci sabendo que não tardava muito até ele fazer o mesmo.
**

- Sasha, não!!! … O teu comer… Já te disse para não…

A minha audição começou a ficar cada vez mais apurada à medida que começava a acordar. John já não estava do meu lado, nem Sasha e pelo som da voz dele consegui perceber que se encontravam na cozinha. Ele continuava a balbuciar com ela alguma coisa sobre comer e às vezes esboçava-lhe alguns elogios, chamando-a “linda”, “fofinha” e outras coisas que não consegui perceber. A voz dele cessou quando o seu telemóvel começou a tocar e ouvi os passos dele aproximarem-se de mim. Por instinto, fechei os olhos e ao senti-lo mesmo à minha frente fingi que continuava a dormir. Sentia os olhos dele pregados em mim como que analisando a veracidade do meu sono e depois de alguns segundos, ele voltou para trás e dirigiu-se à cozinha, abrindo uma janela e falando para o lado de fora, tornando-se mais difícil perceber o que dizia.
Não queria de forma nenhuma invadir a sua privacidade mas assomaram à minha cabeça alguns telefonemas suspeitos que era costume ele receber. Lembrava-me perfeitamente de o ter apanhado em Paris a falar ao telemóvel, quase que sussurrando e, quando percebeu a minha presença ele alterou completamente o seu tom de voz, argumentando estar a falar com a sua mãe. A forma como ele agia sempre que lhe ligavam também era suspeita e baseando-me nisso, decidi levantar-me, sub-repticiamente e, o mais escondida que pude, aproximei-me da cozinha, até conseguir ouvir a sua voz mais nitidamente e garantindo-me de que Sasha não notaria a minha presença.

- Eu estou a tentar! – Ele parecia estar a tentar desculpar-se por alguma coisa pois o seu tom de voz denotava uma quota-parte de pânico – Isto não tem sido fácil – Por uns momentos, ele parou de falar e, embora não o estivesse a ver tive a sensação de que ele tinha olhado para trás, apesar do seu ângulo de visão não lhe permitir ver o sofá – Oiça, eu agora não posso falar, ela está a dormir e pode acordar a qualquer momento. Ligo-lhe mais tarde.

Ele desligou o telemóvel e fechou a janela.
Ela?! Ele tinha-se referido a mim como “ela” a quem quer que seja que ele estivesse a falar pelo que, partindo do princípio, essa pessoa já me conhecia ou, pelo menos, já conhecia o meu nome. Mas quem seria? Havia tantas coisas que não sabia sobre ele que não conseguia encaixar as peças do puzzle pois não havia forma de saber onde pertenciam. Não sabia de onde vinha, com quem morava, se tem ou não família… As coisas mais importantes que procuramos saber sobre uma pessoa, eu não sabia sobre ele. Não que não tivesse curiosidade em sabê-lo, porque tinha, apenas não tinha surgido oportunidade de as investigar mais a fundo ou até mesmo de lhe perguntar sobre elas. Só sabia que ele tinha feito parte do exército mas que desistiu e sabia também que pretendia constituir família cedo e, quem sabe morar em Paris. Agora o que não podia saber era se tudo isso é verdade! Em contrapartida, sabia que o meu pai era muito rigoroso nas selecções que fazia e sabia que ele tinha de ter bons requisitos para ter sido admitido. O resto, era uma incógnita!
Ouvi os seus passos aproximarem-se mais do sítio em que me encontrava e só tive tempo de virar costas e fingir que estava a dirigir-me para o quarto mas ele acabou por me alcançar. 

- Maria… - Voltei-me para trás, fingindo-me muito surpreendida por o ver – Estás acordada há muito tempo?

- Não, acordei mesmo agora! – Eu era a pior pessoa do Mundo a mentir mas até considerava que me tinha saído bem – Ia só à casa de banho.

- Ok… Olha! – Voltei a virar-me para trás depois de já ter recomeçado o meu caminho – Encomendei umas pizzas e o teu pai ligou também…

- Ai sim? – Mostrei-me curiosa mas estava numa pilha de nervos por quase ter sido desmascarada e não fui capaz de ter qualquer outra reacção.

- Não queres saber o que ele queria? – Ele riu-se, apercebendo-se da minha distracção – Amanhã à noite há uma gala num sítio qualquer em Picadilly Circus. Foste convidada quando souberam que estavas cá. Hoje à noite chegam as roupas que a Olivia escolheu e o carro que o teu pai alugou para nós.

Limitei-me a anuir.

- E os fotógrafos? – Perguntei, apontando para a janela.

- Restam alguns…

Anuí e voltei a virar costas mas em vez de entrar na casa de banho, dirigi-me ao quarto, fechando a porta atrás de mim, para me certificar de que não era ouvida. Tal como John tinha feito, abri a janela e liguei para Meg, pondo a cabeça de fora para que a minha voz fluísse apenas para a rua.

- Meg? – Olhei para trás para me atestar de que estava segura – Meg preciso de um grande favor teu!

- Passou-se alguma coisa?

- Não, não é nada de especial Meg. Só te queria pedir se era possível… - Eu tinha tanta a mania da perseguição que tive de voltar a olhar para trás para ter a certeza se poderia continuar – Eu queria pedir-te que me mandasses a ficha pessoal do John.

Do outro lado fez-se silêncio. Levei a mão à cabeça, sabendo que era completamente errado o que estava a fazer mas tinha de tirar as minhas teimas, custasse o que custasse.

- A ficha pessoal do John, o teu segurança? – Ela pareceu-me muito surpreendida e completamente atrapalhada por um pedido tão imprevisto da minha parte – Maria… Não sei se posso fazer isso!

- Meg, claro que podes! Ouve… - Baixei um pouco o meu tom de voz – Sabes onde estão os ficheiros do Hugh, eu tenho a certeza que a ficha dele está para lá. É só enviares juntamente com as roupas e assim que eu chegar devolvo logo a ficha no sítio. Ninguém vai saber – Ela hesitou e percebi que ela estava reticente em relação ao “roubo” da ficha – Prometo, Meg!

- Ok, Maria! – Regozijei-me por dentro mas não dei mostras disso – Vou já tratar disso.

- Boa! Fico a dever-te uma…

Ela não disse nada mas sabia que ela ficava a contar com isso. Eu sabia que não era correcto o que estava prestes a fazer mas eu não o fazia se não achasse extremamente necessário. Às tantas, já nem sabia com quem estava a dividir a minha casa e isso podia ser considerado um grande problema. No entanto, tentei esquecer tudo isso para voltar para junto dele com o máximo de tranquilidade possível, para que ele não desconfiasse de nada. Saí do quarto e deparei-me com Sasha no corredor, de rabo a abanar, quase que morrendo por um passeio.

- Oh não! John! – Sabendo que havia fotógrafos lá fora, não queria correr o risco de ser perturbada e John era a única opção para levar Sasha num passeio.

- O que se passa? – Ele apareceu vindo da cozinha e percebeu imediatamente o que se passava – A Sasha! – Ele revirou os olhos, mostrando-se um pouco aborrecido com a situação mas ele sabia que aquele era o seu dever (ou parte dele).

Pegou na trela de Sasha, vestiu o seu casaco e saíram ambos, dispostos a enfrentar o frio londrino.
**

Tínhamos ficado a ver um filme. John tinha trazido o seu portátil e tinha gravado uma pequena colecção de filmes relativamente recentes para quando não tivesse nada que fazer. A verdade é que isso tinha dado um grande jeito, caso contrário teríamos ficado a tarde toda a olhar um para o outro, o que iria tornar-se bastante constrangedor.
Ainda discutimos sobre qual havíamos de ver: ele queria um de acção e eu estava mais a fim de um de comédia romântica, daqueles para chorar mas que acabam sempre bem. A verdade foi que acabamos por fazer uma junção dos dois, sem a parte da comédia e estávamos a ver “007 Quantum of Solace”.  O filme até estava a ser minimamente interessante mas a verdade é que não conseguia deixar de pensar no nosso beijo, aquele beijo que teimava não me deixar em paz, mesmo depois de eu ter decidido elimina-lo completamente da minha vida. Ao que parecia, John tinha feito isso e agora estava ali, sentado ao meu lado, descalço, com as pernas em cima do sofá e com os braços estendidos ao comprido, apenas com uma parte do corpo tapada, como se nada fosse e como se nós sempre tivéssemos tido uma relação amigável e pacifica e, sobretudo, estável. E ao olhar para ele, pensando nisso, tudo o que me apeteceu foi rir, rir não por gozo mas sim por inveja, inveja de ele ter essa capacidade de esquecer as coisas e continuar como se nunca nada tivesse acontecido.

- O que é que achas deste actor?

Ele perguntou-me o que achava de Daniel Craig, o mais recente James Bond, num dos momentos em que ele apareceu no ecrã, sempre com a mesma classe e charme que o caracterizavam.

- Acho que ele é bom actor e tem charme! – Ele olhou para mim e sorriu, como se tivesse ficado muito agradado com a minha resposta – O que é que foi isso? – Não consegui conter o riso.
- Tem charme, não tem? – Ele falava de Daniel como se o idolatrasse e como se idolatrasse o seu charme desmedido, que era absolutamente inegável.

- Tem! – Voltei a rir-me, apercebendo-me da excitação patente na sua voz quando ele falava dele. Fazia-me lembrar eu, quando era mais nova, a entrar em êxtase quando o Orlando Bloom aparecia na televisão – Talvez devesses olhar mais para ele… - Falei em jeito de insinuação e provocação para ver se ele entendia a minha dica.

- Nunca. Nem mesmo que tente… - Desta vez foi a vez de ele soltar uma gargalhada de resignação mas eu não fui capaz de corresponder. Não fui capaz pois percebi naquele instante a falta de ou baixa auto-estima que ele tinha e isso sensibilizou-me. Tocou-me sobretudo o facto de ele não ter noção do charme que emana dele e de toda aquela sensualidade à volta dele. Certamente eu não sou a única pessoa que acha isso, aliás, eu considero mesmo que deve haver um grupo bem constituído de raparigas que um dia já suspiraram por ele. E dentro desse grupo, provavelmente, houve alguém que o marcou de forma menos positiva…

- Certamente tens espelhos em casa… - Lancei a boca para o ar enquanto tentava encontrar outra posição no sofá.

Para minha surpresa, ele colocou o filme em pausa e virou-se para mim, apoiando a cabeça na sua mão, mais elevada, pois ele tinha o braço apoiado em toda a extensão que lhe era possível das almofadas do sofá.

- O que é que queres dizer com isso?

Naquele momento petrifiquei pois ele estava a fazer aqueles olhos… Aqueles olhos por os quais eu me derretia completamente. “Concentra-te, Maria, concentra-te!”, ordenei a mim própria, para não cair na tentação de sequer pensar em coisas menos apropriadas.

- John, por favor… - Desviei o olhar do dele e fingi acariciar Sasha, que dormia do meu lado – Tu tens mesmo baixa auto-estima, não tens? – Assim que proferi a derradeira pergunta, tão subitamente que até a mim me surpreendeu, olhei para ele, para constatar a sua reacção.

Ao inicio, ele sorriu, num misto de timidez e surpresa. Depois, ele assumiu uma postura mais dura, mais séria e dirigiu-se a mim decidido, quase sem pensar duas vezes naquilo que estava prestes a dizer.

- Demonstrei baixa auto-estima quando tomei iniciativa de te beijar?

Aquela pergunta em resposta à minha pergunta deixou-me inquieta e fui obrigada a levantar ambos os pés para disfarçar isso – era os efeitos que o meu corpo denotava assim que começava a ficar nervosa. Toquei-lhe com um pé no ombro em sinal de brincadeira pois não queria de maneira nenhuma que aquela conversa do beijo fosse levada a sério novamente e ele acabou por participar comigo na brincadeira que eu tinha acabado de criar. Primeiro riu-se, parecendo indiferente à minha investida mas depois, inesperadamente, puxou-me ambas as pernas pelos pés, fazendo-me deslizar pelo sofá e fazendo com que Sasha acordasse de rompante, saltando por cima de mim em direcção ao chão. Tentei defender-me, batendo as pernas para que ele as largasse mas ele mostrou ser detentor de uma força que eu desconhecia e não consegui livrar-me dele. Fazendo força, consegui levantar-me recorrendo à força abdominal e acabei por puxar-lhe os cabelos e envolver a sua cabeça no meio dos meus braços, num engalfinhado de braços e pernas, de risos e gritos de vez em quando, especialmente quando ele tentava fazer-me cócegas nos pés, onde eu mais as sentia. Acabei por gritar e render-me quando percebi que não tinha forças para lhe ganhar naquela “luta” e deitei-me no sofá, com as pernas por cima do tronco dele, esbaforida e completamente exausta. E ele, como sempre fazia quando achava graça a qualquer coisa, começou a rir-se desalmadamente com a cabeça caída, apoiada nas costas do sofá.

Horas mais tarde
O relógio marcava as 21h00 e o carro, assim como as roupas e a ficha de John, já tinham chegado. Meg tinha posto a ficha no meio dos vestidos enviados por Olivia que eu mesma fui buscar para que John não desse por nada. Guardei a ficha dentro do armário do quarto pois era muito arriscado começar a lê-la com John ainda de pé e dei uma vista de olhos nos vestidos que Olivia mandou, que preenchiam completamente os meus requisitos: eram sóbrios e apresentavam traços românticos, como eu gostava. Apenas um saía dos padrões que eu normalmente considerava mas não deixava de ser bonito e talvez fosse o mais adequado, pois era o único de manga comprida. 

- Posso? – John espreitou do lado de fora e eu fiz-lhe sinal para que entrasse.

Tínhamos jantado o resto das pizzas e ele tinha ficado na cozinha a arrumar as coisas enquanto eu organizava as minhas coisas no quarto.
Ele deparou-se com os vestidos dispostos em cima da cama e ficou a analisa-los, atentamente, deixando-me curiosa em relação ao que ele ia dizer.

- Já sabes qual vais usar? – Ele passou a mão pelo vestido verde coberto de pequenos brilhantes. Curiosamente, aquele era o tal vestido de manga comprida – Este ia ficar-te muito bem. Quer dizer, todos iam ficar-te bem mas este ia delinear mais o teu corpo.

Não pude deixar de me sentir agradada com os seus comentários e surpreendeu-me o facto de ele ter alguns conhecimentos sobre moda básica.

- Achas que devo levar este? – Apanhei o vestido e expu-lo à frente do meu corpo, para que ele obtivesse uma primeira impressão, mesmo sem ele estar vestido.

- Sim, devias… Mas claro, tu é que sabes.

- Se tu o dizes, então eu vou leva-lo… Pendurei o vestido na porta para que não ficasse amarrotado – Eu vou só arrumar estes no armário e depois vou deitar-me.

Ele anuiu e preparava-se para sair mas eu interceptei-o.

- John… - Ele estancou, voltando-me para trás e encarando-me – Não faz sentido estares a dormir no sofá apenas com um lençol. Está frio!

Ele encolheu os ombros tentando mostrar-se despreocupado mas eu sabia que ele não estava.

- E que tal se… - Apontei visualmente para a cama, para não ter de fazer aquela pergunta que poderia ser mal interpretada.

- Queres que eu durma na mesma cama que tu?

Encolhi os ombros, completamente encavacada.

- É só uma sugestão – E comecei a ficar nervosa pois já não conseguia parar quieta e acabei por ir duas vezes ao armário, olhar lá para dentro e voltar para trás sem fazer nada – Esquece, que parvoíce…

Ele fechou a porta, entrando para o lado de dentro e encostou-se a ela, cruzando os braços. Parecia extremamente divertido a fitar-me em pleno desespero por arranjar uma desculpa.

- Esquece, a sério! – Desta vez, fui até ao armário e guardei o vestido, fechando-o. Sem mais nada para fazer, tudo o que encontrei para me manter entretida foi desfazer a cama, o mais calmamente que consegui – Era só porque assim juntávamos os cobertores e passávamos menos frio… Só isso.

- Não acredito que me estás a propor uma coisa dessas… - Ele não conseguiu suster o riso e isso deixou-me um pouco chateada, pois apenas tinha proposto o que achei melhor, com vista a que nenhum dos dois passasse frio sem necessidade disso.

Acabei de desfazer a cama mas nem fui capaz de lhe dirigir mais a palavra. Peguei no meu estojo de higiene e dirigi-me à casa de banho, com toda a minha vergonha estampada na cara e um desejo imenso de me esconder debaixo dos meus lençóis, depois de a minha sugestão ter sido tão mal interpretada. Sei que ele tinha ficado a rir-se mas tentei ignorar isso ao máximo, afinal, não queria dar a minha parte fraca. Abri a torneira com água gelada e lavei a cara, na esperança de que as minhas bochechas vermelhas de vergonha desaparecessem em contacto com a água fria. Lavei os dentes, bem mais devagar do que era costume e penteei o cabelo, para que não acordasse com ele todo emaranhado e impossível de escovar. Vesti o meu pijama de inverno e saí em direcção à cama, onde me deparei com John, deitado do lado esquerdo, com uma camisola larga de manga comprida, tapado com o lençol e o cobertor, virado de barriga para cima.

- Ai é que nem penses… - Cheguei-me perto dele e destapei-o, deixando-o de pernas ao relento pois ele estava apenas de boxers – Agora não ficas aqui!

- Mas estás a passar-te ou quê? – Ele voltou a puxar o cobertor para si, apesar da minha insistência em puxa-lo para o lado contrário – Eu ri-me mas não foi porque achei uma má ideia…

- Não, John, eu não te quero aqui! – Voltei a puxar-lhe o lençol e isso enfureceu-o, pois ele envolveu as minhas pernas com o seu braço e puxou-me para cama, fazendo-me cair em cima dele por não ter conseguido encontrar equilíbrio.

- Deita-te e cala-te um bocado, ok? – Ele afastou as minhas pernas de cima do seu tronco e voltou a acomodar-se, virando-se para o lado contrário da minha figura, como que me ignorando.

- Eu não acredito nisto! – Arranjei a minha almofada e coloquei-a ao alto, para poder assentar as minhas costas quando me sentasse. Sentei-me por cima do lençol e tapei-me apenas com o cobertor pois não queria, de forma nenhuma, manter contacto físico com ele, mesmo que fosse sem intenção – Deves ter a mania tu… - Cruzei os braços e fixei o olhar na parede, completamente surpreendida com a sua atitude. Mas ele pensava que mandava ali?!

Ele voltou-se para mim, com um sorriso de divertimento a delinear-lhe os lábios.

- Maria, não sejas tão criança… - Ele puxou o meu braço para baixo, fazendo força para que me deitasse.

- Epá, larga-me! – Afastei o meu braço com brusquidão e acabei por me deitar, virando-me para o lado contrário onde ele se encontrava e coloquei-me mesmo à berma da cama, o mais longe possível do seu corpo.

O cobertor era quente mas o ar húmido da casa fazia com que sentisse algum frio, principalmente nos pés. Tentei concentrar-me em alguma coisa que me fizesse adormecer rapidamente mas a respiração ofegante de John perturbou o silêncio que se tinha instalado no quarto. Calculei que ele tivesse a fazer aquilo para me irritar mas ao virar um pouco a cabeça percebi que era possível que ele já tivesse adormecido. E a sua cara angelical trouxe à minha memória a primeira vez que adormecemos lado a lado, em Paris, quando eu percebi que havia em mim qualquer coisa em relação a ele que não conseguia explicar mas que indiciava um sentimento que eu sempre tentei renegar com todas as minhas forças. Era impossível não se gostar dele, até mesmo quando ele era insuportável.
Acordei a meio da noite com frio nos braços, que estavam descobertos devido às voltas que já tinha dado. Voltei a tapar-me até ao pescoço e ao olhar para o lado constatei uma cama vazia. Levantei a cabeça, olhando para todos os lados à procura de um sinal de John, mas nem vê-lo. Levantei-me aos poucos até me sentar na cama, de pernas cruzadas, ganhando coragem para por os meus pés no chão frio e ir à sua procura. Mas tal não foi preciso. Ele acabou por surgir, de camisola de manga comprida e boxers, de canecas fumegantes em ambas as mãos e um saco de água quente.

- Olha o que descobri! – Ele atirou o saco de água quente para cima da cama e pousou uma caneca em cima da mesa-de-cabeceira, passando a outra para a minha mão – Fiz uma caneca de chá para ti.

Aqueci as minhas mãos em redor da caneca e assoprei, para que o chá arrefecesse um pouco.

- Onde descobriste o saco de água quente? – Ele pegou no saco e colocou-o debaixo dos lençóis, perto dos meus pés.

- Dentro de uma gaveta. Aqueci a água no microondas… Tu tens estado cheia de frio nos pés.

- Pois tenho! – Esbocei um sorriso de constatação – Como sabes?

- Olha – Ele bebeu um trago de chá – Não tens parado quieta a noite toda e tens estado sempre com os pés debaixo dos meus – Ao dizer isto, ele esboçou um sorriso – Acabaste por te deitar por dentro dos lençóis.

- Tenho? Desculpa, não dei por nada – Também não consegui suster um sorriso envergonhado.

- Não há problema – Ele piscou-me o olho e depois de beber quase de uma assentada só o seu chá, pousou a caneca em cima da mesa-de-cabeceira e deitou-se, preparando-se para voltar a dormir.

Eu ainda fiquei sentada durante mais um pouco, a saborear o meu chá. Tinha ficado surpreendida com a acção de John e completamente derretida pela sua preocupação com o meu bem-estar. Quando acabei de beber o meu chá, pousei-o na minha mesa-de-cabeceira e voltei a deitar-me, desta vez já sem qualquer tipo de preocupação relacionada com o contacto físico. Deitei-me toda encolhida, quase com os joelhos no peito e virada para o lado de John, que por sua vez estava de costas. Com o saco ali, perto de nós, senti um calor cada vez a acumular-se mais e isso tranquilizou-me.
Ainda não tinha conseguido adormecer, quando John se virou para mim e ficamos frente-a-frente, apesar de ele estar de olhos fechados. Fiquei a admirar cada traço do seu rosto, que eu já conhecia muito bem e não consegui conter um sorriso, que podia denotar toda a paixão que sentia.

- Podes por os pés debaixo das minhas pernas, se quiseres… - Ele abriu os olhos, quebrando por completo o meu momento de admiração.

- Não, estou bem assim! – Ele voltou a fechar os olhos mas eu estava sem sono e tinha de falar para me poder entreter – O que é que achas que o meu pai iria pensar disto?

Ele riu-se baixinho e isso fez-me sorrir. O sorriso dele era tão contagiante.

- Espero, sinceramente, que ele nunca venha a saber! Aliás, há muitas coisas que ele não deve saber.

- Como sabes que eu não lhe vou contar? – Ao dizer isto, ele abriu os olhos, parecendo sobressaltado com essa possível hipótese.

- Para quem quase implorou para que eu viesse…

Não o deixei continuar pois sabia onde aquilo nos iria levar. Claramente ele não distinguia quando eu estava a brincar de quando eu estava a falar a sério. Tentei virar-me de costas para ele, mas ele não deixou pois envolveu-me a cabeça no meio dos seus braços e puxou-me para si, quase como obrigando-me a pousar a cabeça por baixo do seu queixo, muito perto do seu pescoço perfumado. Não resisti pois não havia nada mais que quisesse que aquilo. Havia coisas que era capaz de evitar e de esquecer mas a nossa química e o beijo que trocamos, eram coisas impossíveis de esquecer ou de deixar passar sem um esclarecimento. E embora tivesse plena consciência das coisas que ele tinha dito e do arrependimento que mostrou, continuava a acreditar que ele realmente não sentia isso. Recusava-me sequer a pensar que isso pudesse ser verdade.
Ele afagou-me os cabelos compridos com a mão direita, enquanto a mão esquerda estava pousada no meu braço. Os seus toques eram tão doces e tão subtis que acabei por adormecer num ápice com a plena satisfação daquele momento.

Olá a todos! Aqui vos deixo um capítulo adiantado! Os comentários que tenho recebido cada vez me incentivam mais a continuar. Muito obrigado à Ana e à Bianca :)
Maria * 

sábado, 18 de fevereiro de 2012

X


Nessa noite, voltámos juntos para o prédio mas não trocamos uma única palavra durante toda a viagem. Ele, talvez, por que estivesse arrependido… Eu, porque ainda não tinha tido tempo para digerir o que se tinha passado. Aquele beijo ecoava na minha cabeça assim como um turbilhão de sentimentos e emoções que se tinham misturado a partir desse momento. Não sabia o que havia de lhe dizer, não sabia por onde começar e como abordar aquele tema. Afinal, ele era meu segurança e nada daquilo deveria ter acontecido pois vai completamente contra as normas profissionais estabelecidas e, se um caso daqueles viesse a público, seria o escândalo total, para não falar de como o meu pai iria ficar devastado. Era muito mau, em qualquer dos sentidos, enfrentar aquela situação: o melhor seria se ela nunca tivesse acontecido. O problema no meio de tudo é que aquilo que a minha cabeça me diz é o oposto daquilo que o meu coração sente.
**

- Maria!

Liam chamou-me da cozinha e só tive tempo de calçar os loubotin nude e descer, completamente desprovida de maquilhagem. 
- Onde é que pensas que vais assim? – Ele franziu o sobrolho assim que me viu descer as escadas, envergando um vestido branco com apliques rendados e os meus tão estimados Christian Loubotin nude.

- Liam, por favor… - Revirei os olhos, tentando evitar um sermão sobre roupas adequadas que, ora ele ora o meu pai, teimavam em dar-me apesar de eu considerar que, para a minha idade, até me vestia demasiado bem. Só que, às vezes, é preciso arriscar e principalmente, quando nos sentimos bonitas – Já tens tudo pronto?

Ele pegou nas suas malas, devidamente encostadas à parede junto à porta de saída.

- Mais que pronto. Até já fui passear a Sasha, vê lá tu – Assim que ouviu o seu nome, a princesa Sasha saltou da sua caminha e dirigiu-se até nós, abanando o rabo felpudo em todos os sentidos.

- Acho muito bem! – Lancei-lhe um sorriso de brincadeira e peguei na minha mala Chanel creme que estava pendurada no bengaleiro – Vamos?

Ele abriu a porta, cedendo-me a passagem e saindo logo atrás de mim, carregando as duas malas que tinha trazido.  

- E o John? - Carreguei no botão para chamar o elevador e desanimei ao perceber que ele estava no piso -0, ou seja, ainda tinha de subir catorze pisos até chegar a nós.

- Não sei, deve estar em casa… - Encolhi os ombros, tentando mostrar-me desinteressada. Mas a verdade é que também estava desejosa de o ver, estava muito curiosa para saber qual a sua reacção.

- É um bom miúdo ele… - Ele fitou-me, como que me dando um conselho sincero mas indirecto.

- Ok… Falando de outra coisa, assim que chegares, por favor, avisa-me! E diz à mãe que já tenho saudades dela.

- Não te preocupes com nada! – Ele pegou nas suas malas e encaminhou-se para dentro do elevador, assim que ele abriu as suas portas.

A viagem até ao aeroporto foi feita sem percalços e quase sem trânsito (o que era de estranhar em plena manhã!). Não entrei pois não queria ser interpelada por alguém que me fizesse perguntas sobre a noite passada e despedi-me de Liam ainda dentro do carro. Custava-me muito ficar sem ele, ainda para mais sem saber quando o voltaria a ver. E agora sem o meu pai, a semana ia revelar-se extremamente difícil.

- Porta-te com juízo, princesa! – Ele deu-me um beijo leve na testa, como fazia muitas vezes e, sabendo como detestava qualquer tipo de despedidas, foi-se embora mas não sem antes esboçar um sorriso e um “até já”.
**

- Posso, Meg?

Espreitei pela brecha da porta, depois de ter batido duas vezes à porta do seu escritório.

- Ai Maria, claro, claro! – Ela levantou-se prontamente, dirigindo-se a mim e cumprimentando-me – Senta-te! – Ela apontou para o cadeirão disponível à frente da sua secretária.

- Então, o que é que querias falar comigo? – Sentei-me no cadeirão indicado e cruzei as pernas, esperando uma resposta.

- Recebi uma chamada do Ellie Saab, em pessoa – Ela sorriu, entusiasmada – Ele quer que faças parte do seu desfile amanhã à noite!

A forma eufórica como ela me deu a notícia, sem dúvida que animou o meu dia, depois daquela despedida complicada.

- Isso é óptimo!

- É, não é? – Ela levantou-se, circundou a secretária e dirigiu-se a mim com uma dúzia de papéis e uma caneta – Estão aí as indicações todas que eu imprimi! – Ela passava as folhas à medida que me explicava em que consistia, num ritmo frenético, de pura excitação. Pude ver, a partir daí, como era dedicada e interessada no seu trabalho. Certamente, uma boa escolha para um futuro próximo, quando o meu pai percebesse que aquele trabalho não era para ele – É às 22h, neste edifício. Conheces? – Anuí, assim que percebi do que se tratava – Ainda bem! Agora só tens de assinar aqui em baixo… O teu pai mandou-me fazer isso de todas as vezes que lhe apresentasse uma proposta. Ele quer certificar-se de que tu tens conhecimento.

Peguei na caneta e escrevi uma breve rubrica, entregando os papéis de volta a Meg, que os colocou numa pasta em cima da secretária. Claro que este procedimento de assinar as propostas era ridículo mas era mesmo típico do meu pai, que não confiava em ninguém excepto nele próprio.

- Tenho de dar uma resposta ao Sr. Ellie até à meia noite de hoje… - Ela olhou-me, expectante.

- Diz já que sim, Meg! É imperdível! - Aquela proposta de Ellie tinha-me deixado entusiasmadíssima, apesar de eu não o mostrar muito pois estava extremamente habituada a controlar as minhas emoções. Nunca trabalhei com ele mas sempre considerei as suas peças umas das mais adequadas ao estilo que tentava impor a mim própria: sóbrias e românticas. E já as tinha vestido em várias ocasiões.

Ela atabalhoou-se toda, no meio de toda aquela papelada, até chegar ao telefone e marcar o número. Aproveitei o compasso de espera para tentar sacar alguma informação sobre o paradeiro de John.

- Viste o John hoje, Meg?

Ela afastou o telefone da boca e tapou-o com a mão, para que nada se ouvisse caso a chamada fosse atendida de repente.

- Ainda de manhã esteve aqui. E perguntou por ti. Já tentaste em casa dele?

“Perguntou por mim?”, regozijei-me por dentro ao aperceber-me de que ele também andava à minha procura. 

- Não, ainda não. Mas vou passar por lá – Levantei-me, sustentando a mala na dobra do meu pulso – Muito obrigada, Meg! – Esbocei-lhe um sorriso de agradecimento e deixei-a sozinha, a tratar do seu monte de papelada.
**

Acabei por refugiar-me em casa, depois de me deparar com umas dezenas de jornalistas às portas do meu prédio, implorando por alguma declaração. Ao que parecia, as fotos da festa de Jon já tinham saído na imprensa mas isso não me preocupava. O que mais me preocupava era o facto de, eventualmente, alguma foto comprometedora na companhia de John pudesse vir à ribalta. Apesar de ter quase a certeza que aquele momento aconteceu no mais puro sigilo, nunca podemos desvalorizar os olhos e os ouvidos de um lugar. Eles estão por todo o lado…
Não tive coragem de subir até sua casa pois não sabia realmente o que lhe dizer. Não sabia onde aquilo nos levava mas sabia, perfeitamente, os nossos limites. Não podíamos, de maneira nenhuma, levar o que quer que seja que aquilo tenha sido para a frente pois isso era completamente inaceitável no meio em que vivíamos. Não só podia comprometer seriamente a minha carreira como, de certeza, iria acabar com a dele. Mas no meu íntimo, não via qualquer mal se aquele beijo se desenvolvesse para algo mais. Não deveria haver nenhum tipo de amor condicionado em nenhuma parte do Mundo. O amor, por si só, deveria ser considerado uma dádiva, pois permite a alguém olhar outra para além das suas imperfeições. E não há nada mais bonito do que isso.
Descalcei os meus Loubotin assim que entrei em casa e precipitei-me para o sofá, onde me aconcheguei, pronta para ver televisão. Mais tarde tinha treino com Garrett e queria descansar, pois sabia que iria ser muito puxado.
“You have a message!”
O meu telemóvel vibrou em cima da pequena mesinha central da sala. Estiquei o braço, de forma a alcança-lo e abri-o, deparando-me com uma mensagem de John.

De: John
“Maria, precisamos de falar. Encontra-me depois do jantar no Empire State Building. Não faltes, por favor.
John”

- No Empire State Building? – Olhei para Sasha, um pouco desconfiada. O Empire State era um sítio tão romântico, onde os casais iam para terem uma vista panorâmica de toda a cidade. Porque haveria ele de querer ir lá?

Não me debrucei mais sobre o assunto. Não queria alimentar falsas esperanças, como tal, o melhor a fazer era mesmo não pensar nisso. Ao menos até chegar a hora.
Voltei a pousar o telemóvel na mesinha de centro mas antes de ter tempo de me encostar novamente, ele começou a tocar. Hesitei, pensando tratar-se de John mas assim que consegui olhar para o ecrã, notei que se tratava do meu pai.

- Pai! – Mostrei-me o mais entusiasmada que consegui e a verdade é que estava mesmo entusiasmada, tendo em conta que ela não costumava ligar-me.

- Maria, está tudo bem? – Ia responder mas ele nem sequer me deu tempo – Filha, só queria falar contigo porque acabei de receber um telefonema da Anne Wintour e ela quer-te imediatamente num avião para Londres. Ela quer que sejas a capa da Vogue do mês de Novembro.

Ele não pareceu entusiasmado pois ele, claramente, não sabia o quão importante era fazer uma capa da Vogue. O problema é que parecia haver alguns contratempos.

- Mas pai… Quer dizer, isso é óptimo, mas e a Sasha?

- Maria acabo de te dar uma novidade destas e tu estás preocupada com a Sasha? A Sasha pode ir contigo, eu certifiquei-me que sim.

- Não é só a Sasha… - Nesse momento lembrei-me de John e do encontro no cimo do Empire State mas como é óbvio, isso não poderia jamais servir de impedimento – Recebi um convite do Ellie Saab para desfilar para ele amanhã. E já disse à Meg para aceitar.

- Já tratei das coisas com a Meg e felizmente ela ainda não tinha ligado para ele aquando da minha chamada. E, já agora, quando pretendias contar-me sobre isso? – Nesse momento, não consegui conter um sorriso ao perceber que ele estava muito a par das coisas, o que eu desconhecia. Talvez mantivesse um contacto diário com Meg, que o informava sobre as novidades. 

- Pai e porque é que essa sessão não pode ser em Nova Iorque? Estou exausta! Pensei que tinha uns dias para descansar… - Ele ia começar o típico sermão mas decidi antecipar-me antes que ele começasse – E quando é que tenho de ir? É que eu não estava nada à espera disso.

- Hoje de madrugada. Cancela o treino com o Garrett! Não tive tempo de lhe ligar. Prepara tudo o que tens a preparar – Anuí, mesmo sabendo que ele não estava lá para ver – Ah e outra coisa filha! Tentei entrar em contacto com o John mas não consegui. Por favor, quando estiveres com ele, avisa-o. E antes que comeces a meter objecções, digo-te já que é obrigatório a ida dele, ok?

Sabia que as minhas queixas não iam adiantar de nada e limitei-me apenas a acordar o que ele tinha estabelecido. Sabia que a viagem com John iria tornar-se ainda mais difícil depois do que se tinha passado e que continuava por esclarecer mas, mesmo assim, queria que ele fosse. Fiquei hesitante no que toca ao encontro no Empire State mas reflecti e cheguei à conclusão que o melhor para ambos era mesmo a discussão desse assunto para que não houvesse represálias de nenhum dos lados. Como tal, a minha ida lá mantinha-se de pé.
**

O cimo do Empire State Building! Lá estava eu, a admirar a paisagem com vista para toda a cidade de Nova Iorque e também para as estrelas, muitas mais comparadas com aquelas que eram visíveis lá de baixo. E como é bom admirar as estrelas…
Aproveitei o tempo ameno para não exagerar no conjunto, pois não queria, de forma alguma, que aquilo parecesse um encontro formal. Vesti uns calções brancos com umas collants pretas e uma camisa preta simples, colmatada com um casaco Chanel rosa claro oferecido no meu aniversário pelo meu pai e uns sapatos pretos fechados, deixados em casa por Olivia. 
Olhando para mim e para as pessoas que estavam lá a apreciar a mesma paisagem, até me achei demasiado informal para a situação.
O relógio marcava as 21h20, uma hora bastante acessível para quem jantasse a horas decentes e, por isso, considerei estranho que John não estivesse lá. A verdade é que mais dez minutos à espera dele iriam ser um completo martírio para mim que só por estar ali, já me sentia nervosa e à beira de um ataque de nervos. Respirei fundo, indagando porque razão ele tinha aquele efeito em mim.
Uma mão nas minhas costas sobressaltou-me, obrigando-me a uma contracção de susto. Olhei para trás e deparei-me com John, também ele extremamente informal, de t-shirt, casaco de fecho e calças de ganga. Ele acabou por plantar-se ao meu lado, também ele perdido na paisagem da cidade, antes que algum gesto de cumprimento pudesse surgir e tornar-se demasiado constrangedor.

- Bonita noite, ahn? – Ele parecia estar a apreciar cada segundo daquela visão.

- É, tens razão – Apoiei os meus cotovelos no parapeito do muro e senti o vento embater nas minhas faces. Aquele era, realmente, um sítio mágico – Antes de mais… - A minha iniciação de conversa fê-lo encarar-me – Quero só dizer-te que nesta madrugada temos de viajar. Vamos a Londres. Exigências do meu pai, sabes?

Ele abanou a cabeça, hesitante, o que me deixou surpreendida. Mas mais do que isso, deixou-me contaminada de medo. 

- Maria… - Ele voltou-se para mim, encarando-me olhos nos olhos – Eu vou demitir-me!

- O QUÊ? – A minha voz saiu um pouco mais alta do que pretendia, o que fez com que as pessoas mais próximas olhassem para mim, incomodadas. A verdade é que aquela informação tinha chegado tão rápido ao meu entendimento que a minha única reacção só podia ser de espanto e de confusão. A demissão não estava nem nos meus piores pesadelos.

- Shhh – Ele fez-me um gesto para que me acalmasse – Tem de ser Maria! Depois do que aconteceu ontem não posso continuar nesta posição.

- Mas qual posição? – O meu nervosismo acabou por notar-se no meu gesticular, que só tinha tendência a piorar – John, tu não podes fazer isso!

- Maria, se eu não o fizer, o que será de nós? É completamente errado mantermos uma relação tendo em conta a condição profissional que temos! – A forma como ele me olhava denotava a sua determinação e decisão enquanto falava – Não me vou arriscar a esse ponto. Ouve, o que se passou ontem foi imprudente e arriscado. Nunca deveria ter acontecido! – Um tom de martírio assumiu o controlo da sua voz, o que me magoou. Como poderia ele estar arrependido? Eu nunca tinha sentido um beijo tão sincero como aquele! Não havia maneira de poder estar arrependida – Tenta compreender…

Afastei-me dele e comecei a deambular pela pequena extensão que me era permitida. Precisava de me abster daquela situação de ruptura para que não acabasse por me ferir ainda mais, o que resultaria num choro compulsivo, muito característico da minha parte.
Sentia os olhos dele pregados em mim, a analisar cada passo que dava e cada expressão que fazia. Mas a verdade é que me sentia totalmente intransponível naquele momento. Não sabia o que havia de fazer ou o que dizer que o demovesse daquela ideia ridícula de se demitir. Só sabia que um imenso sentimento de culpa se estava a apoderar de mim.

- Maria… - Ele chamou-me sem nunca sair do mesmo sítio.

Inspirei fundo e voltei para junto dele, preparando-me para disparar em todas as direcções.

- Tu não podes fazer isto, John! Por favor, não faças isto, não por minha causa… - À medida que umas lágrimas começavam a assomar aos meus olhos, um intenso gesticular tomou conta de mim – Ouve, não quero que isto pareça desesperado mas a verdade é que não imagino mais ninguém no teu lugar. Não imagino, nem quero.

Ele riu-se, cepticamente, como se eu tivesse acabado de dizer uma barbaridade. Envolveu as minhas mãos nas suas, obrigando-me a parar de gesticular tanto.

- Eu já fiz tantas coisas nada profissionais desde que trabalho contigo… Não percebo como podes dizer isso!

Eu sabia que ele já tinha feito muitas coisas que não ficavam bem no seu trabalho mas eu estava sempre disposta a dar-lhe mais uma oportunidade. Isto porque eu acreditava na sua dedicação e no seu empenho. Claro que nas circunstâncias do que se passou na noite passada, eu acreditava em muito mais que isso mas percebi que teria de deixar as minhas expectativas de lado e concentrar-me no que realmente queria, que era a sua permanência. Uma coisa era certa, eu já me tinha habituado à sua presença invulgar e inconstante e, de certa forma, era sempre uma grande curiosidade saber o que me esperava no dia seguinte.

- Tu tens razão – Soltei as minhas mãos das suas ao interiorizar que aquele era um sítio demasiado público e que podia haver ali pessoas indesejáveis – O que aconteceu foi uma parvoíce… - Ao dizer isto, todo o meu corpo se retraiu mas decidi continuar – Devemos deixar isso de lado, fazer as malas e ir!

Ele olhou-me, procurando uma brecha de falsidade no meu discurso. Mas mantive-me firme, disposta a levar aquilo para a frente. Contando que ele ficasse…

- É mesmo assim? – Ele anuiu, parecendo-me convencido – A sério, Maria, eu não sei o que me deu. Eu nunca fiz nada parecido na minha vida. Acredita que estou muito arrependido!

Ausch. “Acredita que estou muito arrependido”? Senti-me uma miniatura no momento em que ele mostrou arrependido pelo melhor beijo da minha vida. Baixei a cabeça, tentando concentrar-me em coisas positivas para não desatar a chorar. 

- É, tens razão – Esbocei o sorriso mais falso que me foi possível – Devemos ir, não? Ainda tens a mala para fazer.

Ele anuiu e eu acabei por seguir à sua frente, sem deixar que ele proferisse nem mais uma palavra. Sentia-me uma lástima. Na minha cabeça nada encaixava, tudo estava baralhado, misturado, ou seja, uma autêntica confusão. Tinha ido para lá com uma expectativa bem diferente, pensei que íamos falar e quem sabe assumir que aquilo tinha sido muito bom (pelo menos foi para mim!) e que tinha sido o culminar de uma tensão e de uma atracção que há muito tempo estava a ser reprimida. Mas não! Ele tinha ido lá com o intuito de se demitir, ou seja, com o intuito de fugir ao que aconteceu e nunca mais voltar a tocar no assunto. E isso significava que as coisas para ele não tinham tido a mesma importância que para mim.
Como tal, era tempo de nem relembrar que aquilo aconteceu. Apenas ignorar e voltar à velha rotina em que não nos entendíamos de maneira nenhuma.

Aqui vos deixo mais um capítulo. Apenas quero pedir desculpa pelo tempo que demorei a publica-lo.
O próximo capítulo já está a ser escrito e pretendo postá-lo o quanto antes. 
Obrigado a todos que seguem a minha história.
Maria *