sexta-feira, 23 de março de 2012

XIII

Olhei para ele, baixando o olhar de seguida, ao perceber que não tinha por onde escapar.

- Maria? – Ele agarrou o papel com tanta força que acabou por amarrota-lo – Explica-me o que é isto!

- É a tua ficha… - Disse, baixinho, quase num murmúrio.

-E o que é que tu estás a fazer com a minha ficha?

- Estava a ver… - Ao ver que ele continuava a amarrota-la e temendo que alguma folha se rasgasse, aproximei-me e tentei tirar-lhas das mãos, mas em vão – Dá-me isso, John, vais acabar por estraga-las!

- Quem te deu isto? – Ele colocou a ficha atrás das costas, para que eu não conseguisse chegar até ela.

- John isso não interessa. Dá-me a ficha, por favor! – Voltei a investir de forma a conseguir tê-las novamente em minha posse mas ele agarrou-me pelo ombro de tal maneira que nem consegui dar um único passo em frente que fosse.

- Tu não vais sair daqui enquanto não me explicares isto!

Inspirei fundo, ganhando coragem para começar a falar sobre o assunto. A verdade é que sabia que tinha agido mal e sentia-me envergonhada por isso. Não havia mais nada que pudesse falar.

- Fui buscar a tua ficha porque estava desconfiada.

Ele olhou-me, estupefacto com a minha revelação.

- Desconfiada? De mim? – Ele riu-se com menosprezo – O que é que eu fiz que motivasse essa desconfiança? 

- Coisas… - Não me queria alongar muito sobre o assunto pois não queria motivar represálias da sua parte, apesar de saber que as iria ter de uma forma ou de outra – Agora, por favor, dá-me isso!

- Isto é invasão de privacidade, sabias? – Ele lançou as folhas para cima da cama, perdendo-se algumas pelo caminho, que se espalharam pelo chão.

Olhei para ele, incrédula com a sua atitude.

- Eu tenho mãos, ok? Percebo que estejas chateado John… - Agachei-me um pouco de forma a conseguir apanhar algumas folhas – E eu sei que não devia ter feito isto!

- Então porque é que o fizeste? – Ele voltou a rir-se outra vez da mesma forma, como se se recusasse a acreditar que eu alguma vez tinha desconfiado dele.

- Porque não te conheço! – Juntei o amontoado de folhas que tinha recolhido do chão e juntei-as àquelas que estavam em cima da cama – Porque acho muitas das tuas atitudes estranhas e porque tu nunca falas comigo sobre nada, nem ninguém.

- Ah então é tudo uma questão de conhecimento, é isso? Quer dizer, tu vais buscar a minha ficha pessoal confidencial – Acentuou a palavra confidencial, fazendo-me estremecer – sem o meu conhecimento e começas a vasculha-la à procura de mais informações sobre mim? Isto é inacreditável, Maria! Eu passo vinte e quatro sobre vinte e quatro horas contigo e tu nunca me perguntaste nada…

- Nunca te perguntei nada porque tu és uma pessoa inconstante que tanto gosta de falar como gosta de agir como se estivesses sozinho… - Coloquei as folhas dentro da pasta de onde as tinha tirado e voltei a coloca-las dentro do armário. Ele podia ficar chateado comigo mas, ao menos, as fichas estavam intactas.

- E encontraste aí alguma coisa que te esclarecesse?

- Fiquei a saber algumas coisas interessantes, sim – Ajeitei o meu vestido e olhei-me ao espelho para me certificar de que a minha maquilhagem estava incólume.

Ele soltou um riso abafado, abanando a cabeça.

- Tu tens mesmo que idade? Eu juro que nunca vi ninguém agir assim.

- E tu, tens que idade? – Olhei para ele, determinada a fazer-lhe pressão e a apreender qualquer atitude que pudesse denunciar que ele estava a mentir.

- Eu já te disse. Tenho 21 anos!

- Vinte e um e mais uns quantos, não?

Ele pareceu-me confuso, como se não estivesse a perceber a minha conversa.

- Na tua ficha diz que tu tens vinte e cinco anos! Estranho, não achas? – Observei-o a correr para o armário e retirar de lá a ficha, dando-lhe uma vista de olhos – Depois de ver isso, como querias que não estivesse desconfiada?

- Só pode haver um erro – Ele manteve-se sereno enquanto voltava a colocar a ficha na pasta – Eu tenho vinte e um anos.

- É um pouco estranho a tua empresa ter-se enganado na inscrição da tua ficha, não achas? Normalmente essas coisas são vistas e revistas vezes sem conta. E se tu tivesses vinte e um anos como dizes, o meu pai nunca te teria contratado…

- Porque sou demasiado novo? – Ele riu-se mas desta vez não consegui descodificar porque o fazia – É uma questão de me dares a ficha que eu tentarei emendá-la. Aliás, posso já entrar em contacto com a minha agência.

- Não, John – Peguei na pasta e voltei a coloca-la dentro do armário – Eu realmente não estou com paciência para pensar nestes assuntos agora. Eu tenho uma gala à qual tenho de ir!

Saí do quarto, esperando ser seguida por ele, que me iria escoltar, mas ele demorou a sair.

- Estou à tua espera! – Gritei, do lado da porta, preparando-me para abri-la.

- A chave está em cima da mesa! – Ele apareceu à porta do quarto, em tronco nu, proporcionando-me uma visão fantástica – Eu não vou, estou cansado e prefiro ir ver um filme e depois ir dormir!

“O quê?”. Fitei-o durante uns instantes, mostrando todo o meu cepticismo em relação àquela situação. Percebia que ele estivesse chateado, tinha todo o direito de o estar mas eu também já me tinha mostrado arrependida e disposta a não tocar mais no assunto. Uma coisa era os nossos problemas pessoais, outra completamente diferente era a nossa relação profissional. E, pelos vistos, nós não sabíamos conjugar estes dois factores.

- Tu não podes fazer isto!

Ele revirou os olhos, voltando a entrar no quarto.

- Tu também não podias ter acesso à minha ficha, pois não? – Ouvi o som do colchão e percebi que ele tinha acabado de se deitar – Aposto que o teu pai não ia gostar de saber que a Meg te anda a fornecer estas informações.

Após esta chantagem, fiquei completamente chocada. Já não sabia se havia de exigir-lhe que me acompanhasse, se devia ir ou se simplesmente me devia deixar ficar. Já não sabia no que nos estávamos a tornar. Não sabia que tipo de relação tínhamos, não sabia quem ele era e já quase nem me reconhecia a mim própria, alguém com tantas teorias e tantas criações misteriosas que tinha acabado por invadir a privacidade de alguém, mesmo sabendo que isso é a coisa mais detestável que pode existir. Peguei na chave, pensando duas vezes se aquilo seria a coisa certa a fazer e saí, com os olhos postos no chão e o coração num estado lastimável.
**

Nessa manhã acordei no sofá, onde me tinha deitado na noite anterior, com duas camadas de roupa e um roupão por cima para que não tivesse frio, mas em vão, pois a minha noite foi feita de um sono descontínuo e irregular. A noite tinha sido bem passada, dentro dos possíveis, mas acabei por chegar relativamente cedo a casa (eram 2h da manhã). No entanto, nem sequer me dirigi ao meu quarto, onde sabia que John dormia, acompanhado de Sasha.
Olhei em volta, procurando algum sinal de John ou de Sasha, mas a casa estava silenciosa. Espreguicei-me, esticando as costas que começavam a dar sinal de cansaço fruto das posições em que dormia, e levantei-me, pé ante pé, para que não acordasse a pessoa mais indesejável naquela altura. Fui até à janela, onde me deparei com um dia solarengo e aparentemente ameno e dirigi-me até ao quarto, já com um conjunto escolhido à pressa dobrado nos meus braços. A porta estava escancarada e John parecia dormir profundamente, o que me tranquilizou para que passasse para a casa de banho o mais serenamente possível. Tomei um duche quente, relaxado e depois de fazer todos os procedimentos de cuidados do corpo que me eram normais, vesti a roupa que tinha escolhido e penteei o cabelo, com a ideia de deixa-lo secar-se ao natural. Voltei à sala e tirei de dentro da mala uma mala bordô, onde coloquei as minhas coisas essenciais, incluindo algum dinheiro que me permitisse tomar um bom pequeno-almoço.
Saí de casa sem olhar para trás e dirigi-me até ao carro, arrastando as minhas sabrinas Chanel pretas pelo chão ladrilhado. 
Dirigi-me até ao centro de Londres e parei junto a uma pastelaria chamada London Boulevard. Nunca tinha lá estado mas pareceu-me apresentável. Entrei e deparei-me com um espaço largo, com paredes de azulejo coloridas, em tons claros e sobretudo femininos (amarelos, rosas, vermelhos). O balcão era todo de vidro, que dava para visualizar todas as iguarias e todos os doces, o que me deixou imediatamente de água na boca. As mesas eram quadradas e os bancos eram contínuos e almofadados, também eles em vários tons, o que contrastava na perfeição com o chão preto de mármore. Estavam algumas pessoas sentadas, que pareceram não notar a minha presença, ou se notaram não o demonstraram, continuando a tomar o seu pequeno-almoço calmamente e sem alvoroço. Sentei-me numa mesa ao perceber que havia serviço de mesa e esperei que alguém me viesse atender, enquanto tirava o telemóvel para fora e começava a escrever uma mensagem para Mikki, com quem já não falava há algum tempo. 

- Bom dia! – Um rapaz alto, que envergava um avental preto, chegou junto de mim com um bloco de notas na mão e um sotaque inglês incrivelmente sexy – Em que posso ajuda-la?

Vasculhei o menu à pressa e acabei por me decidir por um galão e uma torrada acompanhada de um saquinho de macarrons.

- É para já!

Ele ausentou-se, esboçando um sorriso cordial. Não pude deixar de reparar na sua beleza: era moreno, de olhos escuros, com a barba por aparar e vestia-se de forma tipicamente inglesa, tal Robert Pattinson, que estava na moda. Mikki iria desmanchar-se se estivesse ali, ela que adorava ingleses e, sobretudo, adorava Londres. Ao lembrar-me disto, não pude evitar esboçar um sorriso, que tanto tinha de divertimento como de saudade. Enviei-lhe uma mensagem rápida, apenas com um “Bom dia! Estou em Londres, num café e o empregado de mesa é tão giro. E adivinha? Tem sotaque inglês serrado! Ihih. Xoxo”.
Ele não tardou a chegar. Trazia tudo numa bandeja, devidamente organizada e pousou as coisas em cima da mesa com a maior delicadeza que lhe foi possível. Os ingleses eram conhecidos por serem verdadeiros gentlemen e eu precisava tanto disso!

- Vai desejar mais alguma coisa?

Abanei a cabeça mas assim que pousei o olhar nos macarrons, mudei de ideias.

- Traga-me mais uma caixa de macarrons, por favor. Para levar!

Ele anuiu, novamente bastante simpático.
Não pude deixar de pensar em John naquele momento, pois sabia que ele também era admirador de uns bons macarrons. Não consegui evitar sentir-me mal comigo própria ao perceber que, para onde quer eu fosse, ele seria sempre um elemento presente no meu pensamento. E isso, claramente, não é um bom sinal.
Coloquei duas saquetas de açúcar no meu galão e mexi, dando-lhe depois um leve trago, pois ainda estava um pouco quente. A torrada estava barrada com manteiga de alto a baixo e eu gostava disso: gostava de torradas, tostas, de pão em geral que tivesse muita manteiga. Dei uma trinca na torrada, deliciando-me. Estava, realmente muito bom.

“A drop in the ocean, a change in the weather…”

O telemóvel começou a vibrar e a tocar em cima da mesa, sobressaltando-me. Olhei para o visor e deparei-me com o nome de John. Hesitei um pouco, tentando mostrar-me forte mas acabei por atender porque, acima de tudo, não queria preocupa-lo.

- Maria! Onde é que estás? – Ele pareceu-me furioso e isso fez-me sorrir por dentro.

- Estou a tomar o pequeno-almoço…

- Onde?

- Olha, em Londres! – Tive de pôr a mão à frente da boca para não me desmanchar a rir. Sabia, mesmo não estando com ele, que ele estava exasperado.

- Deixa-te de brincadeiras! Estás onde? Porque é que saíste sem mim?

- Da mesma forma que não vieste comigo ontem, pensei que não tinhas mais de andar atrás de mim enquanto estiver por aqui – Dei mais uma dentada na torrada – Isto é seguro, não te preocupes.

- Diz-me já onde é que estás, senão vou ver-me obrigado a ligar para o teu pai – Ele tentou a sua última cartada: a chantagem psicológica. Sabia que ele estava desesperado para fazer aquilo mas também sabia que, no que toca a chantagens, ele pode ser considerado perigoso.

- Estou no centro de Londres, numa pastelaria chamada London Boulevard…

Do outro lado só ouvi um “piiiii” agudo. Sabia que ia ouvir quando ele chegasse perto de mim mas isso também não me preocupava. John não é meu pai, não é meu irmão e nem sequer é meu amigo, por isso, não havia nada a temer em relação a ele. A nossa ligação estava por um fio, por uma unha negra… Mas o mais curioso é que sempre esteve assim. E não havia nada que a pudesse melhorar, enquanto não aprendêssemos a lidar um com o outro.

- Aqui estão os seus macarrons… - O rapaz voltou a aproximar-se de mim, com um saco de papel fechado que levava lá dentro os macarrons – Já agora… - Ele parou à minha frente, cruzando as mãos atrás das costas e esboçando um sorriso envergonhado – A minha colega ali – Apontou para uma rapariga loira que servia os cafés – Ela é uma grande admiradora sua mas está com vergonha de vir aqui – E desta vez, ele riu-se, como se aquilo fosse a maior estupidez de sempre – Ela pediu-me para lhe pedir um autografo.

Olhei para a rapariga e depois para ele, que encolheu os ombros, como que se sacrificando por uma coisa de mulheres.

- Pode chama-la aqui! Eu não faço mal…

Ele riu-se e eu acabei por me juntar a ele.

- Laura! – A rapariga olhou para ele e colocou as mãos à frente da cara, embaraçada – Chega aqui!

Aproveitei o compasso de espera para beber mais um trago do meu galão e dar mais uma dentada na minha torrada.

- Nick, não acredito que fizeste isto! – Ela deu uma leve palmada no peito do rapaz e encolheu-se toda, sem nunca me encarar. 

- Então, a senhora disse que não havia problema…

- Ai, não me chamem senhora – Gargalhei timidamente – Eu sou da vossa idade, se calhar até mais nova.

A rapariga continuava nervosa, evitando a todo o custo manter contacto visual e pelo tom avermelhado que as suas bochechas começavam a ganhar pude perceber que estava demasiado envergonhada.

- Podes sentar-te aqui Laura? – Apontei para o banco à minha frente.

Ela olhou para Nick e, ao perceber que não haveria qualquer problema, sentou-se, ainda muito tímida e envergonhada.

- Moras aqui nesta zona? – Tentei iniciar uma conversa informal para que ela não se sentisse mal na minha presença.

- Não, eu sou de Portugal… - Ao perceber que estava na presença de uma compatriota, arregalei os olhos.

- Bem, então nem vale a pena estarmos a falar assim… - Mudei rapidamente o meu discurso, começando a falar em português, que me era bem mais familiar – Que giro! És de que sítio mesmo?

- Lisboa! – Subitamente, ela adoptou uma postura mais confortável perante mim – Quando soube que estavas em Londres, estava mesmo com esperança de te encontrar… - Ela riu-se, como se aquilo fosse um absurdo – Sabes como são as coisas…

- Não te preocupes! Também sou a fã número um do James Franco e nunca o encontrei, apesar de bem tentar fazer isso…

A gargalhada foi geral. A nossa conversa começou a evoluir e, de repente, já sabia que ela estava em Londres a estudar e que trabalhava na pastelaria para conseguir o dinheiro necessário para pagar as propinas da universidade. Sabia que tinha deixado o namorado em Portugal mas que, até agora, a relação à distância estava a funcionar pois, e tal como ela disse “Quando se gosta, cuida-se, nada mais importa”.

- Bem, não fazes ideia de como admiro as pessoas que são capazes de fazer funcionar uma relação assim… Acredita que é algo que eu nunca iria conseguir.

- Também não precisas, vocês passam o dia todo juntos…

Hesitei. “Vocês passam o dia todo juntos?”? Olhei para ela, confusa, esperando que a minha cara interrogativa fosse o suficiente para que ela explicasse o que tinha acabado de dizer.

- Tu e o John, o teu segurança…

- Oh não… - Abanei imediatamente a cabeça, assim que percebi qual era o assunto – Nós não temos nada, a sério. Apenas boatos!

- Mas há sites e revistas que dão a vossa relação como certa… - Ela parecia bastante segura de si e daquilo que estava a dizer, deixando-me ainda mais à toa. Sem Meg por perto, eu vivia isolada da comunicação social.

- Que sites?

Peguei no meu telemóvel, à espera que ela me dissesse o nome das páginas que espalhavam aquela informação enganosa.

- Tantos… Hollywoodlife.com, JustJared!

Há medida que ela ia dizendo aqueles nomes, activei o meu sistema de pesquisa. Encontrei automaticamente o Hollywoodlife.com, um site de fofocas e entretinimento, que continha as últimas informações sobre as estrelas de Hollywood. Fui passando as páginas, ignorando por completo as últimas notícias, até dar com uma foto minha ao lado de John, a passear Sasha. No título dizia “Spotted! Maria Adams dating her bodyguard?”. Pensei em abrir o corpo da notícia para saber o que se dizia por lá, mas acabei por recuar, pois John entrou rompante na pastelaria, tornando impossível não reparar na sua recente presença.

- Nós temos mesmo de falar! – Ele falou baixo, assim que se aproximou da mesa. Mas só depois de ter dito isto é que ele reparou na presença de uma outra pessoa.

Guardei o telemóvel no bolso das calças, esboçando um sorriso cordial a Laura, que se levantou, dando-nos alguma privacidade.

- Podes explicar-me porque é que saíste sem dizer nada? – Ele sentou-se, debruçando-se sobre a mesa, de forma a não dar nas vistas.

- John, a minha cabeça está uma bagunça… - Levei a mão à testa, tal era o meu desespero por tanto acumular de informações falsas e difamadoras – Não estou com disposição para entrar numa discussão contigo.

- O que é que se passa?

- Nós precisamos mesmo de falar, mas não aqui, não agora! – Notei que as pessoas à nossa volta estavam especialmente interessadas na nossa conversa.

Passei-lhe o saco com os macarrons para as mãos e peguei na minha mala, deixando uma quantia elevada de libras em cima da mesa, libras que pagariam o pequeno-almoço e que dariam uma óptima gorjeta. Acenei a Laura e a Nick que nos observavam do lado de dentro do balcão e saí atrás de John, em direcção ao carro, que, felizmente estava estacionado mesmo à saída. Sentei-me no banco e coloquei o cinto de segurança, esperando que começássemos a andar para que eu pudesse começar a falar.

- Parece que estás enjoada! Queres que abra o vidro? – John iniciou o caminho, seguindo extremamente cauteloso.

- Estou bem! – Fui brusca e repentina e pela expressão dele, que eu pude notar pelo canto do olho, ele não parecia estar particularmente paciente.

Andou mais uns metros com o carro mas acabou por para-lo à berma de um passeio numa rua estreita, aparentemente deserta.

- Estás mal disposta?

Ele virou-se de lado no assento e olhou-me com aqueles olhos profundamente azuis.

- Precisas de alguma coisa?

Levei as mãos à cabeça, pois não sabia por onde começar. Desde que ele tinha entrado na minha vida que tudo estava virado do avesso, que agia sem pensar, que sentia culpa e remorsos a todos os minutos e que me sentia angustiada pela nossa relação não ter pernas para andar… Não tinha porque, talvez, a confusão e dúvida fossem mútuas. Ou porque as circunstâncias em que nos encontrávamos não eram as melhores. Mas, alargando o meu pensamento ao íntimo do meu ser, deveria haver algum mérito por lutarmos por algo embora as condições fossem extremamente desfavoráveis. É aí que se o ser humano se supera, arriscando, agindo sem programação, sem planos. O pior de tudo é que a minha cabeça é tão decidida que, daqui a uns momentos, já estará determinada a fazer algo completamente diferente. Essa é a minha essência.

- Não, não preciso de nada, apenas de descansar…

- Dormiste mal? – Embora ele tenha tentado disfarçar, percebi que ele escondia um sorriso um tanto ou quanto divertido.

- O sofá não é propriamente a melhor cama do mundo…

- Hoje trocamos. Até porque o teu pai me ligou e deixou bem claro que precisas de descansar para a sessão fotográfica – Ele voltou a virar-se de frente para o volante e colocou novamente o cinto de segurança, disposto a reiniciar o caminho até Nothing Hill.

- Estás muito simpático hoje… - Como sempre, John contribuía ainda mais para aumentar a minha confusão pois as suas mudanças de humor eram mesmo motivo de dores de cabeça.

- É! Eu percebi que não tenho agido da melhor forma. Nós estamos confusos e estamos a agir de forma estranha um com o outro – Ele olhou para mim durante instantes, talvez para ver qual era a minha reacção – Devíamos começar do zero.

Naquele momento senti-me bastante aliviada por saber que partilhávamos da mesma opinião. Nós precisávamos de começar tudo de novo, como se nunca nada tivesse acontecido. Só assim poderíamos ter uma relação que correspondesse aos parâmetros do que é considerado “normal”.
**

Estávamos a jantar. John tinha cozinhado uns bifes de peru com massa e eu estava completamente deliciada com os seus dotes culinários.

- Queria levar-te a um sítio…

Pousei os talheres com cuidado e olhei-o, curiosa. Seria um convite para sair?

- É mesmo? Onde?

- A um sítio aqui perto. Surrey, conheces?

- Já ouvi falar mas nunca lá fui. Tens família lá?

O jantar decorria com normalidade, num clima ameno e acolhedor, o que não era nada comum.

- Tenho – Ele esboçou um sorriso contagiante, como eu nunca tinha visto nele – A minha avó.

- A sério? – Também eu não fui capaz de segurar um sorriso – Já podias ter dito.

Combinámos que, depois de jantar, íamos visitar a avó de John a Surrey. Aquela revelação deixou-me surpreendida mas significou muito para mim que ele o tivesse dito pois significava que começa a abrir-se mais em relação às suas relações familiares.
Quando acabei de jantar, fui mudar de roupa, vestir algo um pouco mais quente pois a noite começava a arrefecer. Aproveitei que esta em solo desconhecido, onde as pessoas praticamente não me perturbavam e vesti uma roupa descontraída, daquelas que eu certamente usaria caso não fosse uma figura pública e não tivesse de seguir os padrões rigorosos da moda, como a minha profissão obrigava. Vesti umas calças de ganga pretas de corte recto, daquelas que marcavam ainda mais as minhas pernas finas e uma camisa de ganga clara, para fazer o contraste. Calcei as botas castanhas rasas que tinha trazido e fui buscar uma mala que condissesse com os sapatos, apesar de essa tendência já estar fora de moda, no entanto, nunca era errado relembrar. Deixei o meu cabelo ondulado ao natural, com o volume que eu tanto gostava e coloquei apenas um gloss transparente pois os meus lábios eram naturalmente secos.
Quando saí em direcção à cozinha, já John estava pronto, com Sasha atrelada a seu lado.  
O caminho para Surrey foi feito em silêncio, com o rádio ligado e num clima de descontracção. John estava particularmente calmo e feliz e isso agradou-me pois percebi que esta noite seria uma noite em que não teríamos de nos enfrentar, pelo menos não no mau sentido. 

Uma hora mais tarde
Estacionámos o carro numa rua estreita, rodeada de arvoredo, com meia dúzia de casas, se calhar nem isso. Surrey era uma província calma, no mais puro contacto com a natureza e onde as pessoas eram afáveis e sociáveis, perdidas ali no meio mas vivendo a vida com tranquilidade e sem reservas. De certa forma, fazia-me lembrar os livros de Jane Austen, que tanto transmitiam a vida rural inglesa.
John vestiu o seu casaco de cabedal preto e apressou-se a sair do carro, levando Sasha atrás de si. Acabei por me juntar a eles, apreciando a brisa fresca que corria por ali e que agitava as árvores de forma suave. A casa da avó de John era uma das últimas, no final da rua, uma casa pequena, feita de pedra, com um pequeno quintal virado para a estrada. As luzes estavam acesas e, da chaminé, emanava um fumo preto, o que seria sinal de que ela estaria a preparar algo. John pegou em Sasha ao colo e bateu uma, duas, três vezes, até a senhora abrir a porta. Era uma senhora baixa, robusta, de cabelos brancos e de óculos, daquelas típicas avozinhas que todos imaginam.

- Oh, o meu John! – Ele abriu os braços, sem nunca descuidar Sasha e abraçou a senhora, tendo de dobrar-se um pouco para ficar da sua altura.

- Avó, trouxe uma pessoa que queria que conhecesse…

Ele afastou-se um pouco, dando espaço para que a senhora me pudesse ver.

- É a Maria.

Aproximei-me dela, dando-lhe dois beijos na face e esboçando um sorriso afectuoso.

- Prazer em conhecê-la!

- Oh querida, o prazer é todo meu! – A senhora retribuiu-me um sorriso amoroso, antes de se voltar a dirigir a John – Filho, finalmente apresentas uma namorada! E que linda que ela é!  

Queridos leitores, aqui vos deixo mais um capítulo, muito atrasado e feito à pressa mas com a escola e tudo o resto torna-se difícil conciliar as coisas. O próximo capítulo já está a ser preparado e espero conseguir que haja (finalmente!) um entendimento entre eles! Quero agradecer todo o apoio e toda a divulgação que têm feito, vocês têm sido o meu incentivo para continuar! Obrigado!
Maria * 

sábado, 17 de março de 2012

Comunicado


Queridos leitores, 
Apenas quero informar que não sei quando postarei um novo capítulo pois está tudo muito atrasado! Mas espero que não seja este tempo de espera que vos remova de continuarem a seguir a minha história. De qualquer maneira, tentarei postar um novo capítulo no final deste fim de semana. 
Beijinhos para todos!
Maria *

sábado, 3 de março de 2012

XII


Quando os primeiros raios de sol embateram na minha cara, despertei do meu sono profundo, que tinha sido contínuo, sem nenhuma interrupção, desde que acordei a meio da noite e adormeci nos braços de John. Ele estava virado para o lado contrário, de barriga para baixo e respirava leve e discretamente, quase imperceptível. Não queria acorda-lo pois queria que ele descansasse o suficiente para não acordar de mau humor e fingir que nada do que aconteceu durante a noite se tinha passado. Esse era o típico dele mas a sua tipicidade era algo com o qual eu não queria lidar, não num dia em que me sentia tão bem.
Levantei-me, tentando fazer o menos de barulho possível e dirigi-me à cozinha onde olhei pela janela à procura de algum fotógrafo que ainda estivesse por perto. Felizmente, não me deparei com nenhum e isso alegrou-me, embora o frio ainda mais intenso do que no dia anterior, tivesse retirado um pouco da minha boa disposição. Fui até à casa de banho, tomei um duche rápido e voltei a vestir um conjunto prático mas mais elaborado do que o do dia anterior. Vesti uns skinny jeans, umas botas estilo cavaleiro já um pouco velhas, uma camisola de alças básica e, por cima, um casaco de malha grossa com padrão de inverno, extremamente adequado para usar em Londres. 
Penteei o cabelo mas decidi deixar seca-lo ao natural e limitei-me apenas a passar um creme hidratante na cara pois não era adepta de maquilhagens e sempre que surgia oportunidade gostava de deixar a minha pele respirar ao máximo. Voltei a entrar no quarto, desta vez para colocar as minhas coisas básicas dentro da minha mala mas o latido desesperado de Sasha por ir à rua acabou por despertar John, que acordou alarmado.

- O que é que se passa? – Ele sentou-se imediatamente na cama, esfregando os olhos.

- Desculpa, John… - Coloquei a mala ao ombro – Vou levar a Sasha a passear e depois vou ao supermercado comprar o que é preciso. Queres alguma coisa?

- Nem pensar que vais sozinha! – Ele levantou-se, ajeitando os boxers e dirigiu-se à casa de banho – Eu vou contigo, dá-me só dois minutos.

Anuí e dirigi-me à sala, sentando-me no sofá com Sasha do meu lado, completamente eufórica com sua ida à rua. Não foi preciso esperar nem dois minutos para John aparecer, devidamente vestido, com uns jeans, uma camisa branca e um casaco azul-escuro com capuz, aquele que ele quase sempre usava. Como era óbvio, os homens não têm nem metade dos cuidados que nós temos. Basta-lhes vestirem qualquer coisa e estão prontos para sair. Às vezes, quem me dera ser assim - ou poder ser assim.

- Vamos? – Levantei-me, prendendo Sasha pela trela e ele seguiu atrás de mim, apagando as luzes e fechando a porta.

Passeámos Sasha juntos durante cerca de cinco minutos, à volta do quarteirão, tentando passar despercebidos. Foi o tempo necessário para ela fazer todas as suas necessidades e ainda farejar um pouco. Entramos no carro e seguimos caminho para o supermercado do centro, onde sabíamos haver cobertores, lenha e todo o tipo de alimentos que precisássemos para o resto dos dias que iríamos ficar em Londres.
A viagem foi rápida, feita sem qualquer tipo de percalço e, ao chegar, estacionámos no parque de estacionamento do grande armazém, esperando que não fossemos apanhados por algum curioso, ou pior ainda, por algum fotógrafo. Saímos do carro de óculos de sol postos e deixamos Sasha no carro, com os vidros um pouco abertos para que entrasse algum ar. Assim que entrámos no estabelecimento deparamo-nos logo com uma imensidão de secções e olhamos um para o outro, pois nenhum de nós estava habituado a fazer compras em sítios tão grandes e com tanta variedade de produtos. Decidimos começar pela secção das frutas, onde recolhemos algumas maçãs, um ananás e uma caixa de morangos. Seguimos para a secção do talho, onde John pediu a carne que ele achava suficiente para o resto dos dias (eu não percebia nada acerca do assunto) e enquanto ele fazia isso, afastei-me um pouco para procurar algum condimento, que devia estar em alguma secção ali próxima.

- Oh não mamã, é a Maria Adams da Seventeen!

Uma menina, que deveria ter os seus dez, onze anos, aproximou-se de mim, arrastando a mãe consigo. Pela sua conversa, claramente tinha comprado a revista da Seventeen de há dois meses atrás, a qual eu tinha feito capa. A menina loira, pálida e completamente amorosa, chegou perto de mim, com um sorriso enternecedor nos lábios.

- Maria, podes dar-me um autógrafo?

A menina parecia envergonhada e ao olhar para a sua mãe, pude reparar que a senhora estava igualmente embaraçada com a atitude imprevisível da criança.

- Claro, linda! – Esbocei um sorriso sincero pois realmente gostava quando era interpelada por crianças. Elas eram sempre tão puras e afectuosas, que dava gosto travar contacto com elas – Arranjas-me um papel?

- Mamã, mamã! – A menina deu uma cotovelada na mãe, que pelos vistos, não fazia ideia de quem eu era – Tira o teu bloco da mala.

A mãe começou a vasculhar na sua mala, visivelmente apressada e isso foi o tempo necessário para que John aparecesse, já com o carrinho abastecido com a carne e o peixe que acordámos em comprar.

- Então? – Ele chegou perto de mim, enquanto a menina ajudava a mãe a descobrir o bloco de notas.

- A menina reconheceu-me – Apontei para a criança – Quer um autógrafo.

Ele sorriu, divertido com a situação.
Quando a menina e a mãe finalmente descobriram o bloco, ela dirigiu-se a mim, passando-o para as minhas mãos. Agachei-me um pouco, de forma a ficar da mesma altura dela.

- Como te chamas?

- Eve! – Os olhos dela brilharam ao pronunciar o seu lindo nome.

- Eve? Que nome tão bonito! – Peguei na caneta e escrevi-lhe uma breve frase, assinando o meu nome em seguida – Toma! – Passei-lhe o bloco para as mãos sob o olhar atento de John e da mãe da menina.

- Oh obrigada Maria – Sem qualquer aviso prévio, a menina precipitou-se nos meus braços, envolvendo o meu pescoço e fazendo-me retribuir aquele gesto carinhoso. Afaguei-lhe os leves cabelos loiros com ternura, ao mesmo tempo que encarava a mãe da menina, que parecia bastante enternecida, como se eu tivesse acabado de realizar uma fantasia, um sonho.

Assim que a menina me largou, correu até à sua mãe e abraçou-lhe as pernas, encostando a sua cabeça nas coxas dela. A senhora procurou desculpar-se por o incómodo e depois de mostrar a minha despreocupação em relação ao assunto, elas continuaram o seu caminho, desaparecendo no final da secção.
John olhou para mim, contraindo os lábios para que não desatasse a rir.

- O que é? – Franzi o sobrolho, à espera de uma resposta.

- Nada, nada! – Ele empurrou o carrinho, obrigando-me a seguir atrás dele – Foste tão querida!

- Ai John… - Abanei a cabeça, fazendo-lhe sinal para que ele não fosse por aquele caminho de provocação e gozo – Pela tua informação, eu adoro crianças.

- Eu também! – Os nossos olhares cruzaram-se e pude ver que ele estava a ser sincero – Eu achei mesmo que foste uma querida.

Limitei-me a anuir pois não sabia como prolongar aquela conversa, apesar de me interessar. Parámos na secção das coisas da casa, onde encontrámos alguns cobertores quentes e também umas quantas esponjas para o banho e depois seguimos para a parte dos exteriores, onde compramos umas quantas saquetas de lenha, acompanhadas de combustíveis de lume para a fazer fluir mais facilmente. Dirigimo-nos à caixa quando achámos que já tínhamos tudo o que era necessário e foi no caminho para o carro que nos deparamos com o nosso pior pesadelo.

- Maria!

Quatro fotógrafos esperavam perto do meu carro e quando nos viram sair juntos do supermercado, dirigiram-se a passos largos para nos alcançarem. John colocou-se automaticamente à minha frente, criando como um escudo de protecção para que eles não se pudessem aproximar de mim.

- Maria, será possível prestar-nos umas declarações?

Os homens começaram a disparar os seus flashes, obrigando-me a baixar a cabeça para que não apanhassem uma boa fotografia.

- Ela não está disponível para prestar declarações – Ele colocou os braços como forma de intercepção, para que eles não se pudessem chegar perto de mim – E por favor, parem de tirar fotografias!

- Vocês estão juntos? – Um segundo homem, que até então se tinha mantido calado, disparou aquela pergunta, apanhando-nos desprevenidos.

John apressou o passo, carregando os sacos com os seus braços musculados que não paravam de se mexer e assim que chegámos ao carro, abriu-me a porta para que entrasse, colocando os sacos aos meus pés e dando a volta ao carro, enfrentando a imensidão de flashes e entrando para o lugar do condutor. Colocou os óculos de sol e ligou a ignição, na esperança de que eles se afastassem do caminho do carro. Ao ver que eles continuavam entretidos a tirar as suas fotografias, John apitou não uma, nem duas, mas uma grande quantidade de vezes, antes de perder a paciência e arrancar com o carro, por pouco não passando por cima deles.

- Meu Deus, isto é de doidos!

- Eu já estou tão habituada que já nem ligo – Também eu pus os óculos de sol, à medida que ajeitava os sacos no chão.

- Não sei como aguentas com isto! – Ele continuou a reclamar, sem nunca tirar os olhos da estrada.

- John, faz parte da profissão… E já somos namorados outra vez! – Disse isso sem pensar, sem qualquer tipo de maldade ou de desafio e, acompanhando, soltei um riso divertido, ao pensar no assunto.

- Achas piada a isso? – Pela primeira vez desde que tínhamos entrado no carro, ele tirou os olhos da estrada e encarou-me – O teu pai não vai achar piada nenhuma!

- John… O meu pai não controla a minha vida! E acho piada sim. Acho piada porque isso nunca vai ser verdade, é uma brincadeira. Não sei porque levas estas coisas tão a sério!

- Se calhar porque essas coisas não são para se brincar… - O seu tom de voz subiu consideravelmente, o que activou o meu sistema de alarme de discussões.

- Se calhar devias pegar nas tuas coisas e ir para um hotel! Aliás, se não queres ser visto comigo, nem ser abordado com perguntas desse tipo, nem sequer devias exercer a tua profissão! Nem sei porque é que o meu pai te escolheu – Agora que tinha percebido que a conversa tinha azedado, era impossível para mim não explodir, como tal, tive de dizer tudo o que sentia naquele momento, mesmo que isso não correspondesse à verdade.

Ele fez uma travagem brusca num semáforo vermelho, deixando-me um tanto ou quanto assustada, pois não estava nada à espera.

- Tu deves mesmo precisar de atenção a toda a hora, não é? – Ele encarou-me, enquanto esperávamos pela mudança da cor do sinal – O teu problema para começares com essas coisas de criança irritante é porque não deves ter tido atenção suficiente… Não sei, de um namorado talvez. Isto se já tiveste algum!

O semáforo mudou de cor e ele arrancou imediatamente. O seu último comentário deixou-me inerte e sem qualquer tipo de reacção. Ao que parecia, ele sabia como acertar em cheio nos meus pontos fracos e deitar-me abaixo por completo. Ao longo de toda a minha carreira me tinha empenhado em manter a minha postura firme, intransponível para combater todas as invejas, todos os gozos, todas as críticas e julgamentos mas John deixava-me indefesa, fraca, sem capacidade de resposta, apenas com o coração mirrado e uma tristeza que aumentava gradualmente e que acabaria por se apoderar de mim e da minha frágil capacidade de resistência às suas investidas bem sucedidas de me atingirem. Abri o vidro, apesar do frio e meti a minha cabeça de fora, para que todo aquele vento e todo aquele ar secasse qualquer vestígio molhado que pudesse eclodir dos meus olhos.
**

Ao chegarmos, precipitei-me para o quarto e lancei-me para cima da cama, enterrando a minha cabeça na almofada, na noite anterior utilizada por John. Não conseguia tirar da minha cabeça as palavras dele, ditas com o único propósito de me afectarem mas consegui manter-me forte e reprimir as minhas lágrimas. Sasha seguiu atrás de mim e subiu para cima da cama, aninhando-se ao meu lado e lambendo-me o braço, como que pressentido que algo estava mal. Passei o meu braço por cima do seu corpo felpudo e acariciei-a, lembrando-me do quanto ela significava para mim.

- Oh linda… Só tu é que me compreendes!

Ela deu-me uma lambidela na boca, fazendo-me sorrir.

- Quem será este homem, ahn? – Sussurrei, procurando uma resposta no meu íntimo. 

E foi então que assomou à minha memória, a ficha pessoal que tinha mandado Meg “roubar” no dia anterior dos ficheiros de Hugh e enviar-me juntamente com o carro e os vestidos. Levantei-me automaticamente e corri ao armário, onde tinha guardado a ficha, disposta a vasculhá-la naquele exacto momento.

- Posso?

A voz de John fez-me recuar e pousei a ficha no sítio, tentando manter-me o mais dissimulada que consegui.

- Nunca te ensinaram a bater? – Fechei a porta do armário e voltei para o conforto da cama.

- Precisamos de falar! – Ele sentou-se à beira da cama, procurando a todo o custo manter contacto visual comigo.

- John, não temos nada para falar! – Para evitar olha-lo, concentrei-me em Sasha e comecei a fazer-lhe festas novamente – Já dissemos tudo o que tínhamos a dizer um ao outro.

- Tu tiras-me do sério, sabes? – Ele apoiou o braço na sua perna e apoiou o seu queixo na sua mão, virando a cabeça para mim – E às vezes digo coisas que não quero. 

Anuí, sem conseguir encará-lo.

- Tudo bem! – Esbocei um sorriso penoso – Nós nunca nos demos bem, por isso…

- Sim, mas não é isso… Não devia ter tocado em assuntos pessoais, muito menos daquela forma. Desculpa! Não vai voltar a acontecer.

Voltei a anuir, ainda sem encará-lo mas sabia que tudo o que ele estava a dizer era sentido.

- Depois daquele beijo já não dá para sermos profissionais… - Ele quebrou o silêncio e falou de olhos postos na parede, como que desabafando – Achas que não custa passar o dia inteiro contigo e ter de agir como se nunca tivesse acontecido nada?

A sua confissão fez-me olhá-lo, surpreendida com o rumo que a nossa conversa estava a tomar.

- Não fui eu que te beijei… - Os seus olhos azuis estavam lívidos e denotavam uma certa carga de lamurio e de culpa.

- Eu não disse o contrário… - Ele esfregou a cara, dando tempo para puder processar as palavras – Só acho que não há condições para continuarmos a trabalhar juntos!

- Por favor John, não me vais voltar a falar de demissão, pois não?

- Achas que isto vai resultar? – Ele levantou-se da cama bruscamente, assumindo uma posição austera à minha frente. Aquela situação demonstrou um John bem mais inseguro e confuso do que aquilo que eu pensava – Agora sempre que falamos levamos as coisas para o lado pessoal! Até já dormimos juntos! – Ele olhou para a cama e esboçou um sorriso de escárnio, o que deu para notar a sua insatisfação em relação ao seu trabalho.

Levantei-me também e assumi uma posição ao lado dele, pois estava a sufocar-me ver que ele não estava bem com aquela situação, nem estava a saber lidar bem com ela.

- John, as coisas podem ser bem mais simples do que aquilo que tu pensas! – Na minha cabeça, tentei engendrar uma solução, uma alternativa que pudesse discutir com ele para que tudo ficasse bem e para que ele não se sentisse atormentado com nada – Aquele beijo não significou nada, nem a noite em que dormimos juntos! – Contorci-me por dentro por estar a dizer tamanha mentira, mas por vezes uma mentira era a coisa certa a fazer para solucionar ou, pelo menos, tentar apaziguar as coisas – Nós só temos de fazer um esforço por não chocarmos tanto! Temos de aprender a conviver um com o outro…

Ele olhou-me e abanou a cabeça, afastando-se um pouco de mim.

- Eu vou já ligar ao teu pai!

Ele dirigiu-se à porta mas consegui puxa-lo por um braço e intercepta-lo, antes que ele cometesse o grande erro de se demitir. Corri para a porta e fechei-a, metendo-me no caminho entre ele e a saída.

- Estás parvo? – Agora já não conseguia manter-me serena. Tive de adoptar uma postura mais séria para que John percebesse que aquilo era grave – Pára com isso! Falas de mim e chamas-me criança e olha agora! A criança está a saber lidar bem melhor com a situação do que tu… Não sejas cobarde e não fujas das coisas! Criámos esta situação e agora é nosso dever resolve-la! Eu não quero que tu te vás embora – E ao dizer esta última frase, não consegui evitar abrir os olhos em sinal de decisão e de determinação.

- E porque é que não queres? – Ele vagueou durante uns instantes para trás e para a frente mas acabou por sentar-se novamente à berma da cama.

- Porque, apesar de tudo, eu… - Hesitei pois não sabia o que dizer ou como o dizer. Eu queria dizer-lhe como me sentia mas isso só ia confundi-lo ainda mais e só ia piorar as coisas, para não falar de que ia relançar a chama daquele beijo assombrado que devia ser eliminado de vez das nossas vidas – Confio em ti!

- Só isso? – Os seus olhos azuis lívidos voltaram a penetrar nos meus com tal intensidade que me vi completamente encurralada.

- Só! – Desta vez fui eu que tentei abrir a porta para sair e poupar-me a perguntas constrangedoras, mas John puxou-me por um braço e obrigou-me a sentar-me bem ao lado dele, na cama onde Sasha dormia profundamente.

- Tu não estás a falar verdade! – Tentei evitar contacto visual mas John puxou o meu queixo para cima cuidadosamente e fui coagida a olha-lo.

- Nunca fui tão verdadeira… - Mesmo nos olhos dele, não me coibi de lhe mentir, contando que isso fosse para o nosso bem, ou mesmo para o meu interesse.

John sorriu e os meus olhos acabaram por me trair, quando dei por mim a percorrer cada recanto do seu rosto até chegar à boca, onde admirei o contorno dos seus lábios, imaginando se algum dia voltaria a senti-los. Na minha barriga, um remoinho de borboletas tomou conta do meu corpo e à medida que sentia a respiração dele mais próxima e o seu hálito a menta fresca cada vez mais perto, tudo o que queria era que o meu desejo se concretizasse, tão rápido que nem me desse tempo para respirar. 

- Olha para mim e volta a dizer-me isso.

Voltei a olha-lo, desta vez num outro tipo de clima, mais tenso e mais revelador – mais perigoso, por sinal – e não consegui dize-lo. Não consegui pois sabia que estava a mentir com todos os dentes que tinha na boca e por sentir, dentro de mim, que nós estávamos tão perto…

- Diz-me que não tens sentimentos por mim e eu nunca mais volto a tocar neste assunto.

Aquela chantagem psicológica arrasou-me, pois tinha sido apanhada de surpresa com o seu timing. Estávamos ali, a escassos centímetros um do outro e ele estava constantemente a pôr-me numa posição delicada, numa posição que me poderia comprometer caso aquilo não desse em nada.

- É melhor não irmos por aí… - Falei pausadamente, voltando a pousar os meus olhos na sua boca – Ambos sabemos que não é correcto.

- Não é correcto sentir-me atraído por ti? – A sua pergunta atingiu o meu coração que nem uma bomba. Olhei-o, enternecida, com toda a esperança estampada no meu rosto, esperança de que, finalmente, parássemos de fugir do que sentíamos devido às normas e regras pelas quais nos regíamos. Ele pegou numa mecha do meu cabelo rebelde e colocou-a atrás da minha orelha, antes de se voltar a dirigir a mim – Eu não aguento mais isto!

E, de repente, caí em mim. Caí em mim e percebi que estávamos a cometer um erro grosseiro, um erro que nos iria perseguir para o resto das nossas vidas. Não era correcto um segurança pessoal sentir-se atraído pela pessoa que protegia. Não era correcto haver qualquer tipo de contacto físico entre as partes pois tudo o que deveria ser mantido era uma relação estritamente profissional. Não era correcto para nós nem para as pessoas à nossa volta, desobedecermos a uma princípio que desde sempre nos deveria ter sido incutido. Eu sou um poço de contradições, os meus sentimentos e emoções são um poço de misturas confusas e intermináveis e o facto de eu pensar demais faz com que nunca consiga chegar a um consenso comigo própria. Isto porque a minha cabeça diz uma coisa e o meu coração quer outra completamente diferente mas como, desde sempre, fui obrigada a reprimir as minhas emoções e os meus sentimentos, a minha cabeça é o chefe de todo o meu ser. E a minha cabeça não achava isto correcto.

- Não, John! – Pousei a minha mão no seu peito de forma a afasta-lo e completei esse afastamento levanto-me e mantendo-me distante – Isto não está certo!

Ele olhou para mim, confuso.

- Não está certo?

- Não John, não está certo porque nós não nos podemos apaixonar! É errado! – Encolhi os ombros e deixei cair os meus braços sobre as ancas – Tu és meu segurança… E embora sejas incrivelmente lindo… – E ao dizer isto, não fui capaz de deixar escapar um sorriso tímido – Eu mal te conheço! Eu não sei nada sobre ti. Desde que nos conhecemos tu não me deste quaisquer tipos de pistas sobre quem tu és. Tudo o que vejo quando olho para ti é uma pessoa misteriosa que parece ter mais a esconder do que aquilo que aparenta. E eu não deveria sentir-me assim na tua presença, ainda para mais estando a gostar cada vez mais de ti… - Parei um pouco para recuperar o fôlego, sem nunca tirar os olhos dele - Desde que nos beijamos que não consigo parar de pensar em ti… Mas é errado! E eu não quero sentir-me mal comigo própria.

Ele ficou a fitar-me, inexpressivo, durante uns instantes, como que assimilando as palavras duras e sentidas que tinha acabado de proferir. O meu coração batia descompassado mas eu ainda não tinha caído em mim e percebido que talvez aquela não tivesse sido a melhor abordagem.
**

Tomei um duche relaxante, que serviu para pensar em tudo o que se estava a passar à minha volta. Não tinha falado com John desde a nossa conversa no quarto e estava a tentar evitá-lo a todo o custo. Isto porque não queria encará-lo e sobretudo porque não queria sentir os remorsos e o arrependimento que advinham da minha mentira. Afinal, pior do que mentir aos outros, é mentir a nós próprios.
Estiquei o cabelo o melhor que pude, tendo em conta que queria ir minimamente apresentável para a gala, maquilhei-me levemente, com tons sóbrios e claros e depois apliquei creme hidratante em todo o corpo pois a minha pele é extremamente seca e um único dia sem aplicação de creme gordo significa o seu rachar e descamar. Abri a porta em direcção ao quarto, certificando-me de que John não estava por perto, e apressei-me a vestir o vestido verde com pequenas lantejoulas que era do meu agrado, mas sobretudo, que era do agrado de John. Calcei os meus sapatos pretos compensados favoritos, da marca Yves Saint Laurent e coloquei os meus pertences indispensáveis na pequena mala de mão que Olivia tinha mandado. 

Ao retirar a mala de dentro do guarda-roupa, os papéis que continham as informações pessoais de John espalharam-se pelo chão, despertando em mim a vontade adormecida de lhes dar uma vista de olhos e confirmar aquele burburinho de desconfiança que tinha em mim desde a última chamada que ele tinha feito e que por interesse eu tinha ouvido. Olhei para o despertador que jazia em cima da mesa-de-cabeceira e deparei-me com um cenário favorável para iniciar a minha pesquisa: faltava cerca de cinquenta minutos para estar em Picadilly Circus, que era relativamente perto do sítio onde nos encontrávamos. Amontoei as folhas que tinham caído e sentei-me no sofá, num misto de medo de ser apanhada e de adrenalina por estar a tentar esconder tudo aquilo. Comecei a lê-las, expectante com o que iria descobrir, mas à primeira vista tudo parecia combinar. O nome não apresentava nada de errado, nem as qualificações, nem mesmo a data de nascimento… Lembrava-me de, em Paris, ele me ter dito a sua idade. Vinte e um anos. Voltei a olhar novamente para a data de nascimento e foi aí que me sobressaltei. A data de nascimento presente no papel apresentava um John com mais três anos de idade que aquilo que ele tinha afirmado ter! Apresentava um John com vinte e quatro anos e não com vinte e um, como ele tinha dito. Não era motivo de grande choque mas acabou por o ser para mim, que não esperava encontrar discrepâncias na sua ficha em relação àquilo que conhecia dele. Então que idade teria ele? Abstrai-me um pouco desse assunto e continuei a vasculhar a ficha, lendo com muita atenção cada requerimento. Fiquei a saber que ele não tem pai e que a única pessoa conhecida na sua família é a mãe, Violet Donovan, actualmente a residir em paradeiro desconhecido. Fiquei a saber, igualmente, que ele concluiu o secundário com notas de excelência na área das Ciências Tecnológicas. E cada requerimento que li a mais, mais vontade tinha de continuar a ler. Pensava em como era bom e satisfatório ficar a conhecer mais sobre ele, nem que fosse pela leitura de um simples papel com a categoria de confidencial.

- Temos de ir… - Ele entrou de repente, sobressaltando-me e obrigando-me a esconder os papéis atrás das costas, num acto impensado pois não calculei que aquela atitude era o que dava mais nas vistas no meio de tudo.

- O que é que tens aí? – Ele estancou, olhando para mim com ar inquiridor.

- Nada! – Tentei relaxar, colocando os papéis novamente à minha frente – Apenas uns papéis que a Meg me enviou.

- Ai sim? – Ele aproximou-se, ficando a uma distância suficientemente pequena para conseguir ler o que lá dizia.

- Sim! – Levantei-me, com o coração a mil, na iminência de ser descoberta.

- Maria! – Ele puxou-me pelo braço, obrigando-me a virar-me para ele e encara-lo – Isso é o que eu penso que é?

Abanei a cabeça, tentando engendrar um plano à pressão que me livrasse daquela situação.

- São só uns papéis…

- Sobre o quê, então? – O seu olhar fez uma pressão brutal sobre o meu, obrigando-me a baixar a cabeça para não ter de olha-lo nos olhos.

- Sobre a sessão de amanhã!

O seu braço circundou a minha cintura e apanhou os papéis que escondia atrás das minhas costas. Podia reagir e lutar contra a sua intromissão, mas isso agravaria a minha situação, por si só irremediavelmente errada. Ele percorreu as folhas com um olhar magoado, sem tentar esconder o seu incómodo e os seus maxilares contraíram-se em sinal de fúria. Sem conseguir fitar-me, ele falou pausadamente, tentando a todo o custo controlar a raiva que estava prestes a rebentar.

- O que é isto? 

Primeiro de tudo, quero pedir desculpa pelo tempo que demorei a postar e quero também avisar os meus leitores de que não sei quando poderei postar um novo capítulo, pois ainda não comecei a escrevê-lo. 
Depois quero agradecer pelos comentários que me têm deixado e que me têm incentivado muito a continuar. Quero também dizer que qualquer comentário de crítica construtiva é bem vindo assim como o é qualquer hipótese de divulgação do blog.
Muito obrigado por tudo.
Maria *