domingo, 29 de abril de 2012

Comunicado!


Queridas leitoras

É com muita pena que informo que não terei condições para continuar com a minha fic. Isto porque vivo sozinha, estou na universidade e trabalho e, infelizmente, numa realidade que é cada vez mais comum no nosso país, o dinheiro começa a escassear, pelo que serei obrigada a cancelar a minha conta de Internet em casa, sendo obrigada a apenas poder consulta-la no recinto universitário. Queria agradecer a todos os meus leitores pelo apoio e pelo carinho que têm demonstrado e acreditem que é com muita pena que tenho de fazer isto!

Mas quero também dizer-lhes que fiz uma pequena colaboração com uma grande amiga minha que se irá iniciar nestes caminhos. O nome dela é Inês e a sua história já começou a ser escrita, ela apenas não sabe quando irá posta-la. Segue o género da minha fic, apenas mais adequada à nossa realidade. Já tive oportunidade de ler alguns capítulos e podem ter a certeza que não se irão arrepender. Além disso, ela precisa de leitores e conto com a vossa ajuda, que sempre foram tão queridos comigo, para a incentivarem porque ela tem, realmente, muito jeito.

Obrigado por tudo, em particular à Bianca e à Ana Sousa, que sempre me apoiaram e sempre comentaram e isso foi uma grande motivação.

PS: em princípio, a Inês ficará com a minha conta do blogger mas assim que ela quiser começar a divulgar a sua fic, anunciará aqui. Fiquem atentos!

Um grande beijinho *

domingo, 15 de abril de 2012

XV

06.35.
De volta a Nova Iorque.
Da janela do pequeno jacto privado nada mais se via senão nuvens brancas e um grande sol vermelho a emergir, timidamente. Sasha dormia profundamente, deitada na cadeira a meu lado, refastelada, por ter uma cadeira só para si. Sim, uma cadeira só para si, pois John não tinha vindo comigo. Londres tinha ficado para trás há muito tempo atrás, assim como John. A verdade é que eu estou completamente devastada, apesar de tentar a todo o custo manter-me firme e concentrar-me no que é mais importante para mim: o meu trabalho. Sabia que John seria despedido assim que chegasse a Nova Iorque, isto se ele alguma vez voltasse! O meu pai não iria perdoar que ele tivesse recuado nas suas obrigações daquela maneira e, desta vez, eu achava isso uma decisão coerente, não tanto por ele ter faltado ao seu dever mas sim pelas circunstâncias em que ele fez isso, apesar de o meu pai nunca ir saber os verdadeiros motivos.
Uma leve turbulência acordou Sasha em sobressalto, obrigando-me a aconchega-la para que ela fosse descansada na hora e meia de viagem que ainda tínhamos pela frente. Encostei a cabeça ao vidro do jacto, olhando para fora, sem rumo, sem brilho. Fechei os olhos e, involuntariamente, chegou ao meu pensamento o que tinha acontecido no dia anterior.

No dia anterior
- Ok! – Olhei para ambos, sem saber o que dizer. Karen continuava com a mão no peito, ainda chocada com a presença de John – Já percebi! – Sorri para mim mesma, ao constatar o mais doloroso e evidente dos cenários.

- John? O que é que estás a fazer aqui? – Ela olhou para ele e depois para mim, procurando respostas. Respostas que eu não lhe podia dar.

- Bem… - Encolhi os ombros, ao mesmo tempo que me debruçava e acolhia Sasha no meu colo – Eu vou deixar-vos falar, devem estar a precisar.

Aproximei-me da porta, sem olhar para trás, mas a voz de John fez-me recuar.

- Maria! – Ele aproximou-se de mim, saindo comigo para o lado de fora e encostando a porta – Nós temos mesmo de falar! – Ele levou ambas as mãos à cabeça e puxou os cabelos para trás num misto de pânico e incredulidade – Tu trabalhas com a Karen?

- Como deves calcular, existem muitas Karens neste mundo John. Eu nunca poderia adivinhar que ela era…

Ele pegou em ambas as minhas as minhas mãos e envolveu-as nas suas, com o seu toque mágico, de deixar qualquer um ficar com pele de galinha. Fitou-me profundamente, com os seus olhos nitidamente azuis mas, ao invés daquilo que era de esperar, aquele olhar não me tranquilizou. Demonstrou-me um certo pânico e indecisão, como se ele não soubesse o que fazer nem o que dizer, como se apenas quisesse sair dali e escapar a todas as situações constrangedoras. Eu também queria que aquela Karen não fosse a “sua” Karen, mas isso era algo que não podia pedir, muito menos concretizar.

- Não sei o que fazer, Maria…

Perante esta sua indecisão e confusão, bem latente na sua voz e no seu olhar, os meus olhos começaram a inundar-se gradualmente. Não foi uma coisa que fosse facilmente denunciável e, por isso, consegui conter aquelas lágrimas bem guardadas para que elas não caíssem naquele momento.

- Pois… - Devagar, libertei as minhas mãos do aconchego das suas e esbocei um sorriso de resignação, tentando mostrar-me compreensiva, coisa que não correspondia à verdade – Tens muito tempo para falar com ela, resolver as vossas coisas. Eu, realmente, não sou nada boa nestas coisas – Baixei o olhar pois começava a ficar nervosa – Eu tenho de ir, John, o dever chama – Apontei para o corredor, onde seguiria até chegar à sala da sessão fotográfica.

Ele envolveu a minha face com as suas mãos, obrigando-me a encara-lo, o que não fui capaz de fazer pois fechei automaticamente os olhos. Não podia negar que estava magoada mas também não podia agir como se aquilo fosse um desrespeito para comigo, pois nós não mantínhamos qualquer tipo de relação – apenas uma química infalível que cada vez mais assumia contornos apaixonantes. Ele aproximou a sua boca da minha pois senti a sua respiração a escassos centímetros mas acabou por recuar, ao perceber que aquilo não era a coisa certa a fazer. Ao inverso disso, acabou por aproxima-la da minha testa, dando-me um beijo leve, mas sentido, como se de uma despedida se tratasse.
**

- Bem, Maria, posso dizer que o resultado final ficou acima das expectativas! – Diana, editora fotográfica da revista, mexia no computador à sua frente, sem tirar os olhos do ecrã – A Anne vai ficar muito contente! – Os seus olhos rodavam de um lado para a outro e tudo o que ouvia era os cliques incessantes do rato – O resto já está tudo tratado com o teu pai e as papeladas todas ficaram à responsabilidade da Megan! – Ela olhou para mim, apanhando-me completamente distraída – Está tudo bem?

Anuí, esboçando um sorriso custoso. Endireitei-me na cadeira, ajeitando o minha camisa com riscas a imitar o padrão naval e remexendo na minha mala castanha Fendi. Ela anuiu, não muito convencida e só voltou a falar quando a impressora deu sinal de começar a impressão.

- Ah, aqui está! – Ela esperou que o papel saísse e passou-mo para as mãos, mostrando-me as duas fotografias preteridas por Anne, das quais uma seria a capa depois de uma análise mais pormenorizada.
- Está perfeita! – Quase não olhei com atenção pois a minha cabeça estava noutras paragens, mas mostrei-me muito entusiasmada com o resultado final.

- Bem… - Ela fitou-me, muito pouco convencida com o meu estado de espírito – Então acho que está tudo! – Ela levantou-se, estendendo-me a mão que me apressei a apertar – Aquando da edição entraremos em contacto contigo.

- Muito obrigado! – Esbocei o sorriso mais cordial que consegui naquele momento e lancei-me porta fora, na expectativa de encontrar John à minha espera.

Mas as minhas expectativas saíram goradas. John não estava à minha espera, nem perto do carro que nos levaria de volta para Nothing Hill. Ao invés, à saída do edifício fui interpelada por uma rapariga que me deixou umas chaves, as chaves que constatei serem do carro. Juntamente com a chave, estava uma nota escrita num papel de nota amarelo que dizia “Call you later!”, sem assinatura, mas que eu sabia ser de John. Olhei o papel não uma, mas duas, três, quatro vezes e só depois de interiorizar o que aquilo significava é que me encaminhei para o carro, não sem antes me informar do paradeiro de Sasha, que a rapariga me disse ter sido deixada em casa.
Conduzi todo o caminho a tentar conter a minha fúria, a tentar abstrair-me da situação, tentando mentalizar-me de que ele estaria em casa, normal como sempre, depois de uma conversa esclarecedora e decisiva com a ex-namorada que trabalhava comigo há já algum tempo, sem eu saber de quem se tratava. Assim que cheguei à porta de casa, precipitei-me do carro, tentando não dar nas vistas e abri a porta, acedendo todas as luzes, que estavam desligadas. Uns passinhos dissimulados emitiram um som de proximidade e Sasha espreitou vinda do quarto.

- Ohh, minha linda! – Peguei nela ao colo, aconchegando-a no calor do meu abraço – Onde está o John?

Entrei na cozinha mas nem sinal dele, assim como não havia sinal dele na sala, no quarto e na casa de banho, o que confirmou o pior dos meus medos: ele não estava. Corri até à minha mala e procurei o telemóvel no meio de todos os meus pertences, até o encontrar e me apressar a marcar o número de John, disposta a conversar com ele sem qualquer tipo de desculpas, directa e friamente pois aquela situação estava a consumir-me por dentro.

- Estou? John? – Sabia que tinham atendido, mas do outro lado não surgiu nenhuma voz – John, és tu? Onde estás? Temos de fazer a mala, partimos daqui a duas horas!

Um barulho parecido com o som de uma interferência, atrapalhou a chamada, obrigando-me a afastar o telemóvel dos ouvidos, pois o barulho tornou-se gradualmente ensurdecedor.

- Maria? – Quando ouvi a voz dele, seguida de algum silêncio, pus o telemóvel em alta voz, bem mais aliviada.

- John! – Respirei fundo, tirando de cima de mim um peso enorme – Fogo, pensei que não ias atender! Onde estás? Precisamos de ir.

Ele hesitou do outro lado e o meu coração estancou.

- Maria… Eu não vou…

- Não vais? Como assim? – Comecei a rir-me, talvez por achar aquela situação absurda ou talvez porque queria a todo o custo convencer-me de que tudo aquilo era irreal – Tu tens de ir comigo para Nova Iorque, não podes fazer as coisas assim.

- Eu sei, eu sei… - Do outro lado, nada mais se ouviu senão a sua respiração, como se ele estivesse mergulhado em pensamentos, como se estivesse a escolher as palavras certas para o que ia dizer de seguida – Eu tenho assuntos pendentes aqui, Maria! É uma coisa muito complicada, eu não te posso explicar desta maneira.

- Ahn? – “Assuntos pendentes chamados Karen?”. Contive-me, procurando perceber se o que se estava a passar correspondia àquilo que eu pensava – Isto é tudo por causa da Karen? John tiveram mais que tempo suficiente para conversarem! Tu tens um trabalho, tu não podes deixar as coisas assim – Inconscientemente, o meu tom de voz começou a subir – Tens noção que o meu pai não vai tolerar isto, não tens? Podes ao menos dizer-me o que raio se está a passar?

- MARIA! – Ele interrompeu-me, gritando o meu nome em sinal de exaustão, fazendo-me estremecer com tamanha brutidade – Chega! São assuntos pessoais, não é nada com a Karen… Eu vou falar com o teu pai e explicar-lhe tudo, se ele não quiser compreender, então o problema não é meu!

- Tu és tão…

- Cuidado com o que vais dizer! – Ele parecia-me cada vez mais furioso, mas o facto de ele se estar a mostrar assim ultrapassava-me por completo. Eu era a única que devia estar furiosa, não ele! E, pelos vistos, eu era a única que estava a ficar apaixonada, não ele.

Num acto irreflectido de fúria premi o botão vermelho e desliguei a chamada, apesar de ainda haver muito por dizer. Mas, apesar disso, o mais importante estava dito – John não iria comigo para Nova Iorque e, embora bem tenha tentando desvalorizar o assunto de Karen, estava claro que ele tinha ficado por causa dela, só restava saber o que realmente teria acontecido.
**

- Pai! – Esbocei um sorriso custoso, pois as minhas pálpebras pesavam e tudo o que mais queria era uma boa noite de sono – Como está?

O meu pai sorriu-me ligeiramente, o que era normal, pois ele não era muito dado a demonstrações de afecto e entusiasmo.

- Estou óptimo e tu? – Ele olhou para o relógio, apercebendo-se de que já era tarde em Nova Iorque – Ainda bem que apanhaste este avião de madrugada, assim tens muito tempo para descansar.

Pousei a minha mala em cima do sofá e encostei-me nele, deixando-me cair por completo. Estava exausta.

- É… Bem preciso!

- Pois bem, filha – Ele sentou-se no sofá em frente, preparando-se para começar a disparar. Bem sabia como ele era – Recebi uma chamada da Anne que disse que ficou muito satisfeita com a sessão fotográfica… - Ele sorriu, numa curta demonstração de orgulho – O que me preocupa é que foi-me dito que tu não estarias muito bem e que, inclusive, te viram a chorar no corredor. Passa-se alguma coisa que deva saber?

Ele olhou-me com um olhar inquisidor, deixando-me sem saída.

- Não é nada de especial, pai! – Tentei dar à volta ao assunto, pois não queria de maneira nenhuma que o meu pai soubesse os verdadeiros motivos do meu estado lastimável, para além de que nós nunca tínhamos falado desse tipo de assuntos; o meu pai não era muito dado a conversas pessoais – Uns problemas que já estão resolvidos!

- Tem a ver com o John, não tem?

“Bingo!”
Baixei os olhos, pois não queria encara-lo na altura em que tivesse de mentir. No entanto, eu sabia que ele dotado de uma perspicácia fora do normal e nem sequer tive tempo de abrir a boca para começar a elaborar a minha mentira.

- Não precisas de responder, eu sei tudo o que se passou – Ele recostou-se no sofá, esticando os braços, cada um para seu lado, por todo o comprimento das almofadas.

Foi como se um míssil me tivesse atingido. O meu coração murchou e senti um fio de nervosismo percorrer o meu corpo, deixando-me estática, incólume.

- Não precisas de dizer nada, Maria, eu sabia que não me ias contar nada… - A sua voz começou a assumir contornos de compreensão o que me tranquilizou, de certa forma – Só queria certificar-me de que é tudo verdade.

Anuí, sem nunca o olhar, fingindo estar concentrada nas minhas unhas, cada vez maiores.

- É verdade? – Ele resfolegou – Bem, então assim já temos de conversar!

- Pai! – Levantei-me de um salto, interrompendo-lhe o discurso que sabia estar para breve – Eu não tenho disposição para falar disto consigo! Não se passou nada entre nós nem se vai passar, pode ficar descansado. O John, acima de tudo, era meu segurança e ele falhou nas suas responsabilidades… - Encaminhei-me para as escadas que me levariam ao meu quarto, sem nunca deixar de falar – Está na altura de fazer alguma coisa a respeito disso!

- Eu sabia que não devia tê-lo contratado! – Ele desabafou para si próprio, demonstrando um certo sentimento de culpa por ter contribuído para o culminar daquela situação – Maria… Gostava que viesses aqui quando falo contigo.

Alardeei, mas não lutei contra ele pois sabia que mais tarde ou mais cedo teríamos de ter esta conversa. Voltei a aproximar-me da sala e apoiei-me no sofá, mostrando-me pronta para ouvir.

- O John ligou-me e foi ele que me contou tudo!

- O QUÊ? – Arregalei os olhos, não querendo acreditar naquela revelação.

- MARIA! – Ele levantou a voz, furioso – Porra! Sabes que odeio que me interrompas! – Baixei a cabeça, deixando-o continuar – Ele contou-me que vocês… - Ele hesitou pois sabia que não queria dizer aquela palavra. O certo é que eu também não a queria ouvir – Pronto, não interessa. A verdade é que não esperava isso de ti!

- Mas pai…

Ele bateu com a mão na mesa de centro, fazendo-me estremecer.

- Não me interrompas! – Ele respirou fundo, prosseguindo – Eu não esperava isto de ti! Tu sabes que o que é profissional tem de se manter profissional… Imagina que esta história saía para a imprensa? Podes dizer-me como irias explicar isto? Maria… - Ele recuperou o fôlego e baixou a voz, como se nada mais lhe custasse do que o que ia dizer – Isto podia acabar com a tua carreira! Sabes como são as pessoas neste ramo… Não estou a dizer que é um crime, vocês são jovens, não sabem o que fazem nem as consequências que isso vos poderá trazer mas é uma questão de responsabilidade, de ética profissional, bolas! É muito difícil entender isso?

Sabia que ele tinha razão em tudo aquilo que tinha dito, assim como sabia que ele iria exagerar na projecção das suas palavras. Mas a verdade é que uma coisa não invalida a outra. Mas neste momento, e apesar de se notar a léguas a fúria do meu pai, só conseguia indagar por que motivo John lhe tinha contado.

- Ok pai, eu já percebi! Não sou uma criança… 

- Mas pareces Maria, mas pareces… - Ele levantou-se, ligeiramente mais calmo e pegou no seu casaco, que tinha colocado no braço do sofá – Espero que isto te sirva de lição! E se queres saber fiquei bastante surpreendido com o John por ele me ter contado a verdade… Assim como fiquei desiludido por ele não ter vindo contigo! – Ele aproximou-se da porta, sem voltar a olhar para mim – Ele amanhã vai ao meu gabinete para discutirmos a rescisão do contracto. Tenho muita pena mas é pelo melhor!

A porta fechou-se e o barulho que isso fez ecoou na minha cabeça, assim como toda a bagunça que estava acumulada. Deixei-me cair no sofá, num completo estado de exaustão a todos os níveis e as lágrimas começaram a eclodir, com muita força, não me dando hipótese de conter a minha frustração, desilusão e tristeza. Estava sozinha, não havia problema nenhum em libertar-me por uns momentos, aliviar-me, deixar sair a tensão que há tanto tempo estava acumulada mas que precisava urgentemente de sair. Parecia que John já estava a percorrer outro caminho… Aparentemente, um que não é paralelo ao meu.

No dia seguinte
“A drop in the ocean, a change in the weather…”

- Estou?

Ainda não tinha aberto os olhos mas o meu sono foi interrompido pelo toque do meu telemóvel, que atendi quase por inércia.

- Queridaaaaa! – A voz alegre da minha mãe fez-se ouvir do outro lado, deixando-me com um sorriso nos lábios – Como está a minha filha?

- Estou bem mãe e tu? Já voltaste de férias com o teu namorado misterioso? – Espreguicei-me levemente, começando a preparar-me mentalmente para o novo dia.

- Sim! Já voltei de férias mas iniciei umas novas! Adivinha onde estou? – Uma ventania forte fez alguma interferência com a chamada, dando-me a entender que ela estaria num sítio ventoso.

- Em algum sítio com muito vento!

Ela riu-se, divertida.

- Então olha pela janela, querida!

Aquele comentário despertou-me. Levantei-me lentamente e precipitei-me para a janela, abrindo as persianas de uma vez e contemplando o tempo que fazia lá fora. Os toldos dos cafés lá em baixo abanavam violentamente, mas, à parte disso, não havia mais nada que me desse indícios de estar um tempo ventoso.

- Mãe, tu estás em Nova Iorque? – Inquiri, sem tirar os olhos da janela.

Ela riu-se, como que confirmando o que eu tinha acabado de dizer.

- Cheguei mesmo agora linda! E trouxe o Philipo!

- Philipo? Quem é esse?

- O meu namorado, querida. Ainda não o conheceste!

“Ah o teu namorado vinte anos mais novo, certo?”, Pensei ironicamente, depreciando essa situação. A minha mãe era jovem, pelo menos bastante jovem para uma mulher com dois filhos, mas isso não significava que ela podia andar metida com jovens da idade do meu irmão, como se de uma miúda de dezoito anos se tratasse. Mas é como dizem, quando o espirito é novo, a idade é apenas um número. E ela é uma pessoa muito nova de espírito, pelo que é preciso dar o desconto.

- Hmm… - Torci o nariz ao pensar que iria conhece-lo: isso implicava um relacionamento mais sério do que eu antecipava – Estou ansiosa por conhece-lo, mãe. Apareçam para almoçar, vou encomendar alguma comida. Algum requerimento em particular?

Ela hesitou, talvez porque estivesse a pensar em alguma coisa que queria pedir-me.

- Sim, querida, já agora… Uma garrafa de vinho do Porto e… - Ela voltou a hesitar, apesar de eu já saber o motivo dessa hesitação – Não digas nada ao teu pai, por favor.

- Não digo.

Desliguei o telemóvel, enquanto fazia uma lista mental das coisas que tinha de fazer antes da sua chegada: tinha de encomendar o almoço, pedir à Meg uma garrafa de vinho do Porto – que o meu pai tinha guardada no escritório – telefonar a Garrett para marcarmos um novo horário de pilates e body pump e escolher uma roupa aceitável para receber o novo convidado, sem incluir Olivia, pois seria tudo muito em cima da hora. Ficava feliz que a minha mãe tivesse tomado a iniciativa de me vir visitar mas um pouco apreensiva por conhecer o seu novo namorado, pois eram sempre questões familiares muito complicadas e constrangedoras. Mas o melhor de tudo era que um pouco de azáfama e distração na minha rotina diária iria fazer-me bem, pois manteria a minha cabeça afastada do meu maior problema: John.
**

Já tinha falado com Garrett e com Meg, que iria enviar-me a garrafa o mais rápido possível. O almoço era servido ao domicílio pelo que teria exactamente uma hora para me despachar e aprontar para receber os inesperados convidados.
Sabia que lá fora estava frio, aliás, o vento não deixava margem para dúvidas e para que todos pudéssemos estar à vontade, liguei o aquecimento central, que permitiria que vestisse uma roupa mais leve e agradável. Fui até ao meu armário e depois de vasculhar atentamente, decidi-me por um vestido cor-de-rosa em seda, que eu já tinha há uns bons anos mas que não tinha qualquer memória da última vez que o teria usado. Experimentei-o e constatei que me assentava bem, pelo que decidi usa-lo. Apanhei o meu cabelo num rabo-de-cavalo bem repuxado e comecei a aplicar uma maquilhagem leve quando a campainha tocou. 
Olhei para o relógio, pensando tratar-se da minha mãe mas pareceu-me tudo muito estranho porque ainda não eram horas. E, normalmente, a minha mãe chegava sempre atrasada.
Desci as escadas, ainda descalça e apenas com um risco preto a delinear-me os olhos. Abri a porta, pois não tinha hipótese de verificar quem estaria do outro lado e a minha surpresa foi geral.

- LIAM?

Joguei-me nos seus braços, sem lhe dar tempo de falar. Apenas queria sentir um abraço apertado de alguém que eu sabia que nunca me ia deixar ficar mal, o meu irmão.

- Oh meu Deus, tu estás com tão bom aspecto! – Ao afastar-me dele, fiquei a mira-lo durante uns instantes, antes de lhe dar um leve beijo nos lábios, como era costume – Não esperava que viesses! – Escancarei a porta, para que ele entrasse.

- Honey, eu sou a melhor parte da tua surpresa! – Ele pousou a sua mochila no chão da cozinha, antes de se encaminhar para o sofá – Pedi à mãe para não dizer nada.

- Estou tão contente por te ver! – Fechei a porta e caminhei lentamente até junto de si, aconchegando-me no sofá junto dele – Quanto tempo vais ficar?

- Tempo indefinido… - Ele ligou a televisão, começando o habitual zapping – A verdade maninha é que… - Ele olhou para mim, esboçando um sorriso divertido – Parece que estou numa relação séria com uma pessoa daqui!

Abri a boca, em sinal de incredulidade.

- Não acredito! Estás a gozar, certo? – Franzi a testa, pois aquela notícia era deveras estranha – Tens uma namorada?

- Qual é Maria? A falares assim até parece que nunca tive uma namorada…

Ele parecia bastante ofendido com a minha surpresa, como tal foi-se impossível esconder o meu divertimento em relação ao assunto.

- Quem é ela então? Vamos conhecê-la?

- Nãooo! – Ele olhou para mim, fazendo ar de enjoado – Achas que a vou apresentar à mãe? O namorado dela é mais novo que a minha namorada! – Ele parou a televisão no canal desportivo que ele tanto gostava – Como é que isso é possível?!

O tom sarcástico com que ele proferiu esta pergunta retórica fez-me rir. Mas só depois é que interiorizei a gravidade da situação. Então, o namorado da minha mãe que iria conhecer hoje é mais novo que a namorada do meu irmão… Só de pensar nisso, já percebia o que era ter uma família de gente doida – a começar pela minha mãe.

- Ok, isso é estranho! – Tentei não pensar demasiado no assunto pois não queria tirar conclusões precipitadas – Mas estou tão feliz por ti! Posso dar-te um abraço?

Ele sorriu-me com ternura e abriu-me os braços, dando-me um abraço carinhoso, que acabou por ser interrompido pelo som da campainha… Novamente.

- Deve ser a mãe! – Ele continuou sentado no sofá, sem tirar os olhos da televisão. Claramente, aquela tinha sido a minha deixa.

Fui até à porta, pé-ante-pé e abri-a, com um sorriso nos lábios, convicta de que se tratava da minha mãe e do meu “padrasto” – abanei a cabeça só de pensar nisso.
A porta abriu-se lentamente e ao contrário do que esperava, a pessoa do outro lado, era a última pessoa que eu queria ver naquele momento.
John, claro!
Ele tinha o braço apoiado na ombreira da porta e estava incrivelmente bonito, aliás, como sempre estava. Olhei para ele, não querendo acreditar e num acto irreflexo da minha parte, preparei-me para lhe fechar a porta, sem lhe dizer uma única palavra que fosse. No entanto, a minha tentativa saiu falhada. John colocou o pé na trajectória da porta, não permitindo que a mesma avançasse e não me deixando outra hipótese senão encara-lo. Olhei para Liam, que estava entretido a ver o seu canal preferido e saí para o lado de fora do apartamento, encostando a porta.

- O que é que tu queres? – Encolhi os ombros, dando-lhe a entender que não sabia o que se estava a passar ali.

- Ok, eu sei que deves estar a achar que tenho uma grande cara de pau para aparecer aqui agora – Acenei afirmativamente mas ele não parou – Eu sinto que te devo uma explicação.

- Oh John – Abanei a cabeça – Fica lá com as tuas explicações, eu não preciso de nada teu!

- Maria – Ele agarrou no meu braço, de forma suave, fazendo a minha pele eclodir em pele de galinha.

- Não me toques! – Sacudi o seu toque e afastei-me dele, fazendo a melhor cara de fúria e raiva que consegui, o que não foi difícil tendo em conta o meu estado de espírito – Tu não devias estar aqui, por isso, por favor, dá meia volta e sai!

Ele encarou-me e suspirou mas não se deu por derrotado e continuou a falar.

- Ouve, eu sei que não tive bem…

- Tu nunca estiveste bem John! – A minha voz assumiu outro tom e eu comecei a gesticular fortemente – Chega de desculpas e chega de mentiras! 

- Deixa-me falar, porra! – A voz dele sobrepôs-se à minha e fui obrigada a calar-me – Eu não saio daqui sem falar contigo!

- Maria! – Liam gritou pelo meu nome e a sua voz começou a notar-se cada vez mais perto – Maria… - Ele abriu a porta, deparando-se comigo e com John – Oh! John! – Ele esticou-lhe a mão, dando-lhe um leve aperto e parecia bastante contente por o estar a ver novamente.

- Então, Liam, como estás?

- Estou bem, estou bem! Queres entrar? – Liam voltou a afastar-se em direcção à cozinha, deixando a porta aberta – Aposto que a Maria tem aqui umas cervejas para nós!

Ele olhou para mim, como que me pedindo autorização, autorização essa que não foi concedida. Olhei-o furiosa, não querendo acreditar que ele me ia fazer actuar em frente à minha família, como se nada se passasse.

- Então, John? – Liam voltou a chamar por ele, obrigando-o a entrar.

Fiquei do lado de fora, a olhar para as paredes do prédio, não querendo acreditar no que estava a acontecer. Parecia que John ia estar sempre a esbarrar comigo, em todos os momentos da minha vida, mesmo que eu o quisesse esquecer a todo o custo. Respirei fundo, preparando-me para ser o mais delicada possível e expulsa-lo de casa assim que a primeira oportunidade surgisse. Ele não podia fazer isto comigo!
Fui encontra-los no sofá, de cerveja na mão, a assistir a um jogo de futebol, que eu sabia que John não percebia nada.

- Ah Maria! – Liam chamou-me, obrigando-me a ir ao encontro deles – O John trouxe-nos isto! – Ele levantou uma garrafa de vinho do Porto – Põe no frigorífico!

Ele passou-me a garrafa, que eu fui logo pôr no frigorífico, ficando na cozinha para poder ouvir o que eles estavam a conversar.

- Não acredito que não gostas de futebol, meu! – Ao que parecia, Liam já tinha descoberto – A Maria é doida por futebol! Devias vê-la quando era pequena! Vibrava mesmo com isto.

- Ok, Liam, já chega! – Gritei-lhe da cozinha, pois já sabia o tipo de histórias que ele ia contar: que eu chorava quando o Benfica perdia, que uma vez chorei quando vi o Nuno Gomes num centro comercial e ele não me deu um autógrafo e que na escola as minhas amigas punham-me de parte porque não sabia falar de outra coisa… Tão típico do meu irmão – Olha, Liam, porque é que não vais lá acima pôr as coisas no quarto? A Sasha deve ter ficado presa no meu quarto, vai lá vê-la…

Achei que a dica tinha sido demasiado forte para que ele a percebesse, mas ele manteve-se sentado no sofá, sem me dar ouvidos.

- Liam! – Fui até à sala, para que ele me pudesse ver – Liam, eu preciso de falar com o John, importas-te de sair?

Ele pôs o jogo em pausa, olhando-me, surpreendido. Levantou-se, sem dizer uma única palavra e deu uma leve palmada no ombro de John, segredando-lhe qualquer coisa ao ouvido, que me foi impossível de ouvir. Subiu as escadas sem olhar para trás e dei algum tempo para que ele entrasse no quarto, para que não nos pudesse ouvir.

- Tu tens de sair agora, John! A minha mãe tá a chegar e eu quero estar pronta para recebe-la… - Apontei-lhe o caminho de saída – Não quero que ela te veja!

Ele levantou-se, calmamente, como se nunca se tivesse passado nada e como se aquilo fosse um encontro casual de duas pessoas que nunca tiveram problemas por resolver.

- Eu percebo que não queiras falar comigo…

- Fogo John, tu contaste tudo ao meu pai! – Esbocei um sorriso de incredulidade – Porque é que o fizeste? O que é que tu queres de mim? – Ele deu dois passos em frente, obrigando-me a recuar para me manter o mais afastada possível dele.

- Eu contei-lhe tudo porque senti-me mal com o que se estava a passar! Eu não quero ser teu segurança, Maria… Não depois de tudo o que se passou – A sua voz assumiu uma conotação de culpa e alguma dor, tocando-me por instantes – Mas isso é algo com quem não tens de te preocupar, já me despedi e ficou tudo resolvido comigo e com o teu pai. 

Anuí, tentando não mostrar interesse no que ele dizia para que a conversa não se prolongasse. Mas ao mesmo tempo, tudo o que queria era que ele ficasse ali. John exercia esse poder sobre mim.

- E agora, o que pretendes fazer?

- Não sei! – Ele suspirou com pesar – Talvez voltar para Surrey… Não há nada que me prenda aqui! – Ele encolheu os ombros, mostrando uma quota-parte de desilusão no seu rosto.

- Fazes bem! A tua avó precisa de ti! – Tentei mostrar-me forte e ser o mais fria possível e talvez assim conseguir que as coisas me custassem menos – E a Karen também.

Proclamei esta última frase entre dentes, como que desabafando para comigo própria mas ele acabou por ouvi-la. Voltou a avançar mas estancou ao perceber que eu não queria qualquer contacto com ele.

- Eu não fiquei por causa da Karen, Maria! Acredites ou não, é…

- Por favor, John! Não me atires areia para os olhos! – Circundei o sofá e sentei-me nele pois o nervosismo já começava a tomar conta de mim e eu não queria que o ritmo frenético que os membros iam começar a denotar fosse notado por John – Qualquer coisa que digas não vai servir de nada para mim! Simplesmente era demasiada coincidência!

Ele jogou as mãos à cabeça, começando a entrar em pânico. Notei um desespero que nunca tinha visto nele. Ele respirou fundo e veio sentar-se perto de mim mas a uma distância considerável.

- A minha avó está doente!

Ele proferiu esta afirmação de forma pausada e calma como se já a tivesse estudado na sua cabeça vezes e vezes sem conta.

- Ela está doente… - O nosso olhar cruzou-se e eu notei no seu uma lividez suspeita, como se as lágrimas estivessem prestes a eclodir – O que é que querias que fizesse? Eu estive com ela… Nós estivemos com ela – Ele fez a correcção, acentuando o “nós” – E ela não disse nada! Tive de saber as coisas pela Karen, que eu julguei nunca mais voltar a ver. Eu tive de ir falar com ela Maria, saber como ela está, o que era preciso…

Ao ser-me revelado o que realmente se passou não pude deixar de me sentir envergonhada. Envergonhada porque percebi que tinha agido de forma egoísta e imprudente e porque não o tinha dado hipótese de se explicar.
Sabia o quanto ele estava a lutar por conter aquelas lágrimas. A avó era a única pessoa da família que ele conhecia e com a qual ele tinha laços familiares. Não devia ser fácil saber que alguém que se ama está doente – eu não conseguia imaginar se algum dos meus estivesse nessa situação. Aproximei-me um pouco dele e pousei a minha mãe em cima da sua, procurando conforta-lo.

- Desculpa! – Procurei achar o seu olhar mas ele evitou-o – Eu não fazia ideia, John! Mas está tudo bem com ela? Que tipo de doença é?

Ele abanou a cabeça e uma lágrima oportuna escorreu pela sua face.

- Cancro da mama.

Cancro da mama. Ao processar esta informação, tudo o que consegui expressar foi surpresa mas acima de tudo, muita compaixão. Não sabia o que dizer, sempre tinha achado que nestes momentos não há nada que se possa dizer, apenas se pode agir de forma a ajudar na partilha da dor. John estava sozinho, ele não tinha ninguém que o ajudasse nesta fase e eu sentia-me na obrigação de lhe mostrar o meu apoio e a minha ajuda no que fosse preciso.
Apertei-lhe a mão com força e ele olhou-me, com os olhos carregados de lágrimas que ele estava a tentar conter. Queria abraça-lo, para que ele sentisse que não estava sozinho mas o meu movimento foi interrompido pelo toque da campainha.

- EU VOU! – Liam desceu as escadas quase a correr e chegou à porta num ápice.

Ouvi a voz da minha mãe, num português que me era tão familiar e percebi que já era tarde demais para John sair. Mas também não queria que a minha mãe começasse com os típicos histerismos que ela sempre fazia quando me via acompanhada por uma presença masculina em alguma revista.

- Maria, minha linda! – Ela chegou à sala e abriu os braços assim que me viu. Há algum tempo que não via a minha mãe e pude notar, automaticamente, que ela estava aparentemente mais jovem, talvez tivesse feito alguma operação plástica, ou algo do género. O seu estilo, no entanto, mantinha-se fiel: sempre de saia-tubo e de camisa colocada por dentro, neste caso com uns collants pretos opacos e uns sapatos de salto sem plataforma, como era habitual nela. O cabelo estava ligeiramente mais curto e mais claro e a sua cara estava coberta de maquilhagem. Levantei-me, depois de me certificar de que John estava recomposto e corri até ela, envolvendo-me no seu abraço – Oh querida! Estava com tantas saudades tuas! – Pelo canto do olho, um pouco atrás da minha mãe, reparei num homem muito bem vestido a conversar com Liam e apercebi-me de que aquele era o meu padrasto. Felizmente, a minha mãe tinha um óptimo gosto no que toca a homens e este não tinha sido excepção: captei-lhe algumas parecenças com o actor brasileiro Rodrigo Santoro, apenas com o cabelo mais claro, mas no que toca ao sorriso e ao charme eram bastante idênticos.

- É mãe, também já tinha saudades suas! – Soltei-me do seu abraço, deixando-a olhar em redor.

- Ai! – Ela olhou para John, que se levantou do sofá e aproximou-se dele, dando-lhe um abraço sem aviso prévio, deixando-o sem jeito – Filha, não me tinha contado que tinhas um namorado tão lindo! – Ela apertou-lhe as bochechas, sorrindo efusivamente – É tão lindo, querida!

- Mãe…

- Sou a Lúcia, muito prazer! – Ela pareceu ignorar a minha chamada de atenção e continuou a agir como se John fosse, realmente, meu namorado.

- Mãe… - Fui até junto deles, procurando um espaço intermédio, para que os dois me pudessem ver – Mãe, o John não é meu namorado. É o meu ex-segurança… Nada de mais! Ele apenas veio aqui a casa despedir-se, não foi John? – Olhei para ele, fazendo-lhe sinal para que compactuasse comigo.

- É verdade!

A minha mãe olhou para os dois em simultâneo, bastante desconfiada em relação a nós. Porque é que será que sempre que desmentíamos este facto havia sempre alguém que não ficava minimamente convencido?

- Oh Maria, que indelicadeza filha! Isso nem parece teu! Convida o teu amigo… - Ela olhou para ele, esperando que ele se apresentasse.

- John…

- John! Convida o teu amigo John para ele ficar para almoçar. Já agora quero conhece-lo! – Preparei-me para reclamar, mas ela não deixou – Está calor aqui, não está? – Afastou-se de nós, despindo o casaco enquanto andava e pendurando-o no cabide.

- Desculpa – Ele olhou para mim, demonstrando toda a sua sinceridade – Eu posso ir-me embora, Maria, a sério.

Abanei a cabeça, desvalorizando a situação.

- Agora já aqui estás – Encolhi os ombros e esbocei um sorriso cordial – Prepara-te para conheceres a maluca da minha mãe.

Ele riu-se, envergonhado.

- Ela é simpática.

- Oh John… - Agarrei-lhe pelo braço e puxei-o, para que fossemos para a sala de jantar – Porque ela disse que tu eras lindo? – A minha mão deslizou pelo seu braço, até encaixar na palma da sua mão. Ao perceber que aquilo poderia ser mal encarado, tentei afasta-la sem dar nas vistas, mas John agarrou-a com força, não me dando qualquer hipótese de manobra.
**

11.35pm
“Para: Mikki
De: Maria
Assunto: Hello honey! Guess what? A minha mãe e o meu irmão estão cá em Nova Iorque e acabei de conhecer o novo namorado dela! Não dá para acreditar, mas ele é da idade do meu irmão. E, como a minha mãe não perdoa, lindo de morrer. Enfim… Agora percebo o que é ter uma família de malucos.
Mudando de assunto, acho que me resolvi com o John! Até me sinto aliviada, sabes? Finalmente estou em paz de espírito em relação a ele. É tudo tão estranho! Ele almoçou connosco, a minha mãe adorou-o e parecia que ele estava realmente a gostar de estar aqui. Não achei que isto fosse acontecer com tanta intensidade, mas eu acho que estou mesmo apaixonada por ele :|
Falamos amanhã. Não posso fazer barulho com as teclas, ele deixou-se de dormir aqui no sofá, mesmo ao meu lado.”
________________________________________________________________

Aqui vos deixo mais um capítulo, espero que gostem! Em relação ao próximo, não sei quando terei tempo para o postar mas espero ser o mais breve possível. Quero agradecer todos os comentários de apoio e dizer que fico bastante lisonjeada com o vosso apoio. Queria ter tempo para retribuir mas com a escola e o trabalho torna-se realmente difícil. Obrigado a todos.
Maria * 

domingo, 1 de abril de 2012

XIV


- Então, conta-me mais sobre ti filha!

A avó de John, que eu agora sabia chamar-se Eveline Thompson, tinha-nos servido um chá preto com umas bolachinhas de manteiga, para a acompanhar-nos no chazinho da noite, que ela dizia beber “Every single night!”.

- Hmm – Hesitei durante uns instantes, pois não sabia se John queria que eu contasse quem eu era na verdade e o que fazia.

- Eu trabalho para a Maria, avó!

Como se ele tivesse lido os meus pensamentos, interpelou a nossa conversa, livrando-me de uma situação constrangedora.

- Ai sim? – Eveline olhou para mim por cima dos óculos, enquanto tragava um pouco do seu chá – Mas tu tens alguma empresa?

- Não, avó, ela é modelo! Eu trabalho como segurança…

Eveline hesitou uns instantes, enquanto processava a informação. Certamente, era uma senhora bastante conservadora e a ideia de eu ser modelo não ia propriamente a favor dos seus princípios reservados.

- Ai mas tu não és daquelas que se despe para as revistas, pois não? – Ela olhou-me de alto a baixo mas o olhar sereno de John tranquilizou-me – Ai também deixa-me que te diga, tu pareces um esqueleto andante, nem maminhas tens…

- Avó! – John interrompeu a conversa, apercebendo-se do rumo que aquilo ia tomar – Avó, não diga essas coisas!

- A menina não se importa, pois não? – Ela parecia bastante indignada com o facto de eu ser modelo, por causa da minha fisionomia magra e praticamente sem curvas, o que era perfeitamente compreensível tendo em conta a evolução do conceito de beleza ao longo dos tempos – As verdades são para serem ditas filho, ora essa…

John limitou-se a rir, fazendo-me compreender que aquilo era uma atitude perfeitamente normal da parte da primeira pessoa que eu conhecia da sua família.

- Então mas conta-me, Maria! Como é que se conheceram?

Ela pousou a mão em cima da minha perna, pondo-me mais à vontade. Desta vez sabia que John não me iria salvar pelo que teria de começar por algum lado e explicar tudo da melhor maneira possível.

- O meu pai contratou o John para ser meu segurança – não que eu precise de um! – Fiz este pequeno reparo para que ela não pensasse que eu me achava importante – E conheci-o quando ele se apresentou, há cerca de um mês atrás.

Ambas olhámos para ele, sentado numa poltrona à nossa frente, atento àquilo que conversávamos.

- Finalmente, o meu menino assentou, ahn? – A maneira orgulhosa como ela falava dele transparecia um amor incondicional, típico de avó-neto, que, infelizmente, eu não conhecia – É um amor de pessoa, não é filha?

John pressionou-me com o seu olhar, o que me fez soltar uma pequena gargalhada, por me sentir tão intimidada e pressionada. Sabia, no meu íntimo, que ele era boa pessoa mas não sabia como o dizer ou como o explicar.

- É… - A minha resposta saiu astuciosa, num tom baixo de voz – Apesar de ainda não o conhecer bem…

- Ai querida, nem sabes o que perdes! Obras-primas destas só se conhecem uma vez na vida – Eveline soltou uma gargalhada divertida.

- Avó! Já chega disso, por favor – Ele levantou-se da poltrona, visivelmente incomodado pelos elogios que lhe eram tecidos – É sempre a mesma coisa quando as pessoas vêm cá a casa!

Ele afastou-se, seguindo em direcção à cozinha, com Sasha sempre a seguir-lhe o passo.

- Ai, ai, minha querida – Ela aproximou-se de mim, falando quase num sussurro – Eu sei que vocês disseram que não são namorados mas eu bem vejo pela forma como ele olha para ti! Toma bem conta do meu menino, ele já passou por tanto…

Aquela confissão tocou-me, pela sinceridade desmedida. Acendeu-se em mim uma luz verde, uma réstia de esperança – esperança esse que, realmente, nunca morreu – e na minha cabeça as palavras daquela senhora, plena conhecedora das suas palavras, começaram a remoer-se.  

- Ainda me lembro quando ele era um menino… - Eveline sorriu, orgulhosa, relembrando certamente os tempos de infância do neto – Muito activo! Aqui em Surrey todos o conheciam, ele falava com toda a gente…

- Ele sempre morou consigo? – Queria aproveitar que ele não estava por perto para tentar saber mais coisas sobre John, coisas que, talvez, só aquela senhora tão disponível para falar me poderia dizer.

- Não querida, vivíamos com a minha filha, a mãe do John… - Ela respirou fundo, como o que fosse proferir de seguida lhe massacrasse o coração – Ivy, é o nome dela. – Eveline fez uma pausa no seu discurso, cada vez mais amargurado e depois proferiu numa voz calma e uniforme, como se estivesse a treinar aquela frase há muito, muito tempo – Ela abandonou o John quando ele tinha três anos.

Embora não fizesse parte daquela família, o meu coração mirrou. Não que eu alguma vez tivesse passado por situação semelhante mas não considerava a minha mãe uma mãe presente, pelo menos não uma mãe presente como eu gostava que ela fosse. Mas isso não era, nem de perto, um abandono. Não podia calcular aquilo por que John passou, durante toda a sua infância sem uma mãe – apesar de Eveline me parecer ter desempenhado esse papel na perfeição, ou, pelo menos, ter tentado colmatar o espaço vazio que aquela mãe deixou no crescimento do seu filho, ainda um bebé. E o pai? Eveline não mencionou nada que estivesse relacionado com a presença do pai de John enquanto viveram em Surrey… Apesar de eu querer muito saber o que era feito do pai dele, contive-me, com medo que a resposta contivesse uma amargura daquela plenitude.

- O John nunca me contou nada disso…

- Ele é um rapaz muito reservado, filha. Dá-lhe tempo! – Ela voltou a pousar a sua mão na minha perna, como que me confortando, ao perceber que estava chocada com o que tinha acabado de saber.

Há medida que ia sabendo mais coisas sobre John, o puzzle ia-se formando na minha cabeça. Percebia agora muitos dos seus comportamentos, comportamentos que me tinham magoado mas que eu agora compreendia por que motivo ele os tinha.
Ele voltou para o pé de nós, com uma lata de cerveja na mão, sereno, como eu nunca o tinha visto.

- Vó, estava a estragar-se no frigorífico! – Ele apontou para a lata, bebendo um gole de seguida.

- Ai sim filho, bebe isso! Se não o beberes ninguém o faz… - Depois ela dirigiu-se a mim – Sou a única pessoa aqui em casa, uma velha jarreta não vai andar aí a beber cervejas, não é verdade?

Ela soltou uma gargalhada, que eu me apressei a retribuir.

- Ai filho! – A senhora levantou-se num salto, ao olhar para o relógio de parede que tinha exposto na sala – O Kenay está em casa da vizinha Aurora com o pequeno Ben! Esqueci-me completamente! – Ela calçou os seus chinelos de pelo num apresso e pegou nas chaves de casa, encaminhando-se para a porta – Tenho de ir busca-lo, já se faz tão tarde!

- Eh, avó, nem pensar! – Ele bebeu a cerveja de uma assentada e pousou-a em cima da mesinha de centro, perto das chávenas e da xícara de chá – Está de noite e a casa da vizinha Aurora ainda fica longe… Fique aqui que eu e a Maria vamos lá.

Ele levantou-se e agarrou na minha mãe de forma suave, fazendo-me seguir atrás dele. Eveline nem tentou ripostar, nem eu o faria, pois isso contra John era uma perda de tempo. Sasha queria seguir-nos mas decidi deixa-la em casa, a fazer companhia a Eveline, até nós voltarmos.

- Quem é o Kenay? – Corria um vento desagradável e tentei agasalhar-me, puxando os dois lados da camisa um contra o outro, perto do pescoço.

- O gato da minha avó…

- E o gato da tua avó vai para casa da vizinha? – Fiquei um pouco para trás e John estendeu-me a mão, para que eu a agarrasse e ele me pudesse puxar, de forma a alcança-lo.

- O Ben, o neto da Dnª Aurora, costuma passar por casa da minha avó e leva o gato. É sempre assim!

- E a tua avó deixa? – John estava a andar a um passo bastante apressado, o que tornava bastante difícil para mim conseguir acompanha-lo, sendo, por vezes, necessário agarrar-me ao seu braço, para ganhar balanço e alcança-lo – Gostei da tua avó, ela é muito simpática.

- A minha avó é sempre simpática – Ele olhou para mim e lançou-me um sorriso ternurento – Acredita que ela não vê uma pessoa nova há imenso tempo.

- Deve ser difícil para ela estar sem ti…

Assolou-me um sentimento de pena por Eveline, que passava o ano inteiro ali sozinha, praticamente no meio do nada, já com alguma idade e apenas acompanhado de um gato que nem sequer passava o dia com ela. E, tendo em conta que ela criou John e o educou, devia ser muito complicado para ela ver partir o seu único neto, sem saber quando o voltaria a ver.

- Ela habituou-se com muita facilidade. Além disso, eu venho aqui sempre que posso.

Já tínhamos andado uns bons metros e agora estávamos numa pequena estrada, sem qualquer tipo de habitação por perto. John continuava a acelerar o passo e desta vez, agarrei-me ao seu braço e já não o larguei.

- Sempre que quiseres podes pedir folga e vir visita-la. Eu não me importo, John – Ele não respondeu, mergulhado em pensamentos – Nunca pensaste leva-la para Nova Iorque?

- Claro que pensei, Maria – “Claro que ele já pensou nisso”, pensei, apercebendo-me da impertinência da minha pergunta – Mas já viste a diferença de Nova Iorque para aqui? Este sítio é calmo, pacato e mais importante, respira-se ar puro todos os dias. Não ia levar a minha avó para um sítio como Nova Iorque, ela não merece isso.

- Ela merece estar perto de ti… - Sussurrei, baixando a cabeça. Sabia que o assunto não era da minha conta mas agora que conhecia alguém da família dele, ainda para mais com um papel tão importante na sua vida, custava-me saber que estavam separados daquela forma.

Ele não teceu qualquer comentário. Continuamos a andar, contra o vento, rumo a uma casa que parecia nunca mais aparecer.
Ele parecia-me descontraído, os seus músculos não estavam tensos e ele parecia estar em plena harmonia com este cenário. Não me lembrava de ter visto John assim em nenhuma ocasião desde que o conhecia.
Um carro vermelho, com as luzes máximas ligadas apareceu na curva, a andar a cerca de vinte km/h, sempre aos solavancos, tal era a irregularidade do terreno. Desviamo-nos um pouco da estrada, começando a andar pelo meio das ervas mas ao chegar perto de nós, o carro parou e o vidro desceu.

- Johnny Boy! No way! – Um rapaz loiro de olhos azuis, que fumava um cigarro, espreitou para o lado de fora, soltando uma gargalhada prazerosa. 

- Henry?

Nos lábios de John surgiu um sorriso de orelha a orelha e, sem aviso prévio, ele lançou-se na direcção do carro e apertou efusivamente a mão do rapaz.

- Fogo, puto, há tanto tempo que não te via! Espera um minuto!

Ele terminou de fumar o seu cigarro e largou-o pela janela, deixando ainda uma pequena chama cor-de-laranja a brilhar no chão. Parou o carro, tirando de lá a chave e abriu a porta, chegando perto de John e dando-lhe um abraço fraterno, durante alguns segundos.

- Parece que passou uma eternidade meu!

O rapaz loiro encostou-se ao carro, cruzando os braços e passando a perna direita à frente da perna esquerda. Tinha um ar desleixado, típico britânico: camisa vermelha escura aberta, calças de ganga dobradas em baixo pela altura do tornozelo e uns sapatos Oxford em camurça castanha, já um pouco rotos e estragados. John podia ter raízes britânicas mas não o via a vestir-se assim.

- É, também já não vinhas cá há um tempo – Por cima do ombro de John, o rapaz visualizou-me – Que indelicadeza, Johnny Boy! Nem apresentas a tua amiga…

John olhou para trás, onde eu me mantinha encolhida, tentando mostrar-me alheia a toda a conversa e fez-me sinal para que me juntasse a ele. Dei uns passos em frente e acabei por ficar mesmo a seu lado, de frente para o rapaz.

- Maria, este é o meu melhor amigo de infância, Tristan – Aproximei-me dele, dando-lhe dois beijos ao de leve nas faces, afastando-me em seguida, pois o cheiro a tabaco que emanava da sua boca era insuportável – E Tristan, esta é a Maria, uma amiga…

Tristan soltou uma gargalhada abafada, colocando uma mão à frente da boca para disfarçar.

- Mas espera… - Tristan sorriu, tornando-me perceptível o seu sorriso, um pouco amarelo e sem cuidados, talvez por causa dos seus maus hábitos – Eu conheço-te? – Ele semicerrou os olhos, analisando-me minuciosamente.

- Nã…

- Sim, é quem tu estás a pensar… - John interrompeu-me, percebendo o óbvio.

Tristan soltou uma gargalhada, desta vez nada discreta, que fez eco naquele espaço deserto.

- Tu és a Maria Adams? – Ele parecia incrédulo, ao mesmo tempo que me mirava com atenção – Meu Deus, a Anna tem umas cinquenta revistas lá em casa e tu és capa de, pelo menos… - Ele tentou fazer uma estimativa aproximada, debruçando-se a pensar no assunto – quarenta e cinco?

Ele riu-se e John acompanhou-o na risada. Não sabia se haveria de me juntar a eles, se haveria de ficar envergonhada por estarem a falar de mim daquela maneira comigo presente.

- Eh puto! – Tristan deu uma leve palmada no ombro de John, esboçando um daqueles sorrisos depravados, que se distinguiam ao longe – Andas bem acompanhado!

Este último comentário foi feito directamente para John, que tentou desculpar-se mas foi interrompido pelo amigo, que continuou a falar.

- Então e a Karen?

Fez-se um momento de silêncio pois John estava hesitante na sua resposta. Senti-o ficar tenso, mesmo sem lhe tocar e o seu nervosismo denotou-se pela forma como ele, automaticamente após a pergunta, colocou as mãos nos bolsos do casaco e esboçou um sorriso tímido, quase imperceptível.

- A Karen? Nunca mais a vi!

“Quem é a Karen?”, era tudo o que me apetecia perguntar, apesar de saber que a conversa não era comigo e que era errado intrometer-me.

- Vê lá tu que nem sabia que vocês tinham acabado. Quem me disse foi a Anna, há coisa de dois meses. Então como é que isso aconteceu meu? Eu cheguei a pensar que vocês iam casar!

“Ausch!”.
Um arrepio percorreu-me a espinha e eu senti-me uma miniatura naquele momento. Encolhi os braços, cruzando-os ao peito e baixei a cabeça, não por não estar interessada na conversa mas por aquela afirmação vinda de terceiros me ter afectado em cheio. Sabia que não era dirigida a mim mas acabei por me lesar, mesmo tentando controlar-me. Então John tinha uma pessoa! Depois de uma noite recheada de novidades e depois de um tempo em que tudo parecia correr bem, chegava a pior informação de todas, aquela que eu não queria saber, nem sequer pensar.

- É, Tristan! As coisas entre nós não resultaram. É assim! – Ele encolheu os ombros e, pelo seu discurso, deu para notar que ele estava a tentar contornar a conversa – Passado é passado!

- É isso mesmo! – O rapaz voltou a dar-lhe uma palmada no braço – Então e como é que vocês se conheceram?

- Eu trabalho para ela, sou guarda-costas particular.

Esperava que Tristan se desmanchasse a rir mas ele não o fez, muito pelo contrário, mostrou-se bastante sério e atento ao desenrolar da conversa.

- Aproveitei a oportunidade! Como já deves saber, desisti do exército… Tinha de arranjar um trabalho.

- É puto, fizeste bem! Há que aproveitar qualquer oportunidade que surja. Isto não anda nada bem…

- Então e tu? – John apressou-se a sair daquela conversa assim que surgiu a primeira oportunidade – Agora fumas, é?

- Há relativamente pouco tempo… Stresses no trabalho! Sempre alivia um pouco – Tristan encolheu os ombros, como se o facto de fumar compulsivamente não fosse nada significativo – Já foste ver a tua avó? Ainda há uns dias estive lá com a Anna!

- Estivemos lá agora. Vamos buscar o Kenay a casa da vizinha Aurora.

- Ah, o Kenay! – Ele soltou uma gargalhada – Sempre na vadiagem, esse malandro!

- Pois… - John olhou para o relógio, apercebendo-se de que já estava ali fazia um bom bocado – E já está tarde, ainda temos de voltar para Londres.

Tristan também olhou para o seu relógio e constatou exactamente o mesmo.

- É verdade meu! Vais ficar muito tempo por aqui?

John abanou a cabeça, desgostoso.

- Não, parto amanhã de madrugada para Nova Iorque. Mas olha… - Ele tirou o telemóvel do bolso de trás das calças – O teu número ainda é o mesmo? – Tirou os olhos do ecrã do objecto tecnológico e olhou-o, para confirmar que a resposta era afirmativa – Vou mandar-te uma mensagem para ficares com o meu número e depois é só combinarmos uma conversinha um dia destes!

O rapaz anuiu, agradado com a ideia de pôr a conversa em dia com um grande amigo que já não via há muito tempo. John despediu-se dele, dando-lhe um abraço sentido, daqueles abraços que sabes que não voltarás a repetir durante um bom período de tempo e depois também eu me despedi, voltando a dar-lhe dois beijos na face. Vimo-lo afastar-se pela estrada em pedra e só quando o carro já não era visível aos nossos olhos é que John voltou a iniciar o caminho. Só que, desta vez, já seguíamos bastante mais afastados.

- Desculpa não te ter contado sobre a Karen… - John quebrou o silêncio entre nós, fazendo-me estremecer.

Limitei-me a anuir apenas, pois não queria que da minha boca saíssem um turbilhão de coisas que não devia nem necessitava de dizer.

- Fomos namorados durante três anos. Ela era daqui, de Surrey! – Ele parou de falar, olhando para mim, que, embora não estivesse a olhar para ele, consegui percebe-lo pelo canto do olho – Quando fui para o exército, as coisas acabaram por não resultar, talvez devido à distância, não sei… - A voz dele assumia cada vez mais uma conotação diferente: ele parecia melancólico, pensativo, mergulhado em recordações que não consegui esclarecer se seriam agradáveis ou incómodas – Foi difícil mas já superei… E pronto, não é necessário falarmos mais sobre isto!

- Se calhar não superaste John… - Abanei a cabeça, pois sabia que naquele discurso havia qualquer coisa mal esclarecida, qualquer coisa que o faria voltar atrás na primeira oportunidade – Quem fala como tu o fizeste, ainda não superou nada.

Ele estancou no caminho, obrigando-me a parar uns metros à frente, quando já se começava a ver as primeiras casas depois de um longo caminho de arvoredo.

- Como é que podes estar tão certa disso?

- Oh John, não é preciso um doutoramento para perceber isso. Ages como se fosses um durão, uma pessoa fria e intransponível mas isso não passa de uma máscara. Essa rapariga magoou-te e até eu, que nem te conheço, consigo ver isso – Ele mantinha-se uma estátua, atento ao meu discurso – A forma como falaste dela e como contaste a vossa história, que foi tão resumida e tão contornada que deu para perceber tudo. Ouve… - Dei uns passos em frente, chegando-me mais perto dele – Nem acredito que vou dizer uma coisa destas mas devias procura-la, falar com ela, sei lá… Tentar saber como ela está. Tu estás conf…

- Maria… - Ele pousou as mãos nos meus ombros suavemente, assim que me alcançou – Tu não sabes o que estás a dizer. O teu discurso até podia ser interessante mas nesta última parte espalhaste-te ao comprido.

Ele riu-se, talvez pensando no que eu tinha acabado de dizer e eu não sabia se isso podia ser considerado bom ou mau sinal. Mas, acima de tudo, senti-me aliviada por perceber que aquilo que estava a dizer não fazia qualquer sentido – ou pelo menos, assim ele me fazia crer.

- Mas conta lá, porque é que nem acreditaste que ias dizer aquilo…

- De tanta coisa que eu disse, isso foi a única coisa que tu captaste? – Sem dar por isso, um sorriso delineou-se nos meus lábios.

Ele correspondeu o meu sorriso e começou a andar, desta vez mais calmo e relaxado.

- É esta casa aqui… - Ele apontou para uma pequena casa de pedra, com apenas duas janelas e um quintal pequeno que dava para a estrada.

Ele seguia à minha frente e abriu o pequeno portão, entrando naquele pequeno quintal. Bateu duas vezes na pequena porta de madeira, até uma senhora alta e esguia a abrir, espreitando para o lado de fora, desconfiada.

- Oh John! – Ela abriu a porta toda, abrindo-lhe os braços – Vieste buscar o Kenay?

John abraçou a senhora levemente, que assim que teve oportunidade, lançou-me um olhar inquiridor.

- É a tua namorada?

- Não, não! – Ele riu-se, atrapalhado, puxando-me por um braço para que conhecesse a senhora – É uma amiga, a Maria.

Dei-lhe dois beijos na face e esbocei um sorriso cordial, ao mesmo tempo que ela se apresentava.

- Ben! Filho! – Ela chamou o rapazinho a altos berros, fazendo-me estremecer com tamanha brutidade – Está sempre metido no quarto a jogar videojogos. Querem entrar? – Ela escancarou a porta, fazendo-nos sinal para entrarmos.

- Não, não é preciso vizinha Aurora – Ele olhou para o relógio, verificando as horas – Já se faz tarde e nós temos de ir.

Um rapazinho apareceu à porta, ostentando um robe vermelho felpudo e trazendo nos braços um gato em tons de creme, com muito pelo, focinho achatado e olhos verdes claros. A mim pareceu-me um gato de raça persa, mas a verdade é que nunca tinha visto nenhum de cores semelhantes. John apenas passou a mão pela cabeça do menino, que não deu hipóteses de conversação – deve estar numa idade complicada – e agarrou no gato ao colo, despedindo-se da senhora e iniciando o caminho de volta. Caminho esse que se revelava bastante comprido.

- É um persa? – Perguntei por curiosidade mas também para iniciar uma conversa, caso contrário cairíamos num silêncio constrangedor.

- Não sabemos. Foi oferecido à minha avó há uns três anos. Sabes como é, no que toca aos cães todos sabem as raças, os gatos é sempre a mesma coisa – Ele acariciou a cabeça do gato, que se roçava a ele carinhosamente.

- Tu gostas de gatos?

- Não, nem por isso. Acho-os demasiado independentes… Prefiro os cães – Ele sorriu para mim – A minha raça preferida são os pastores belgas, mas confesso que a Sasha foi uma boa escolha.

Sorri, orgulhosa, ao pensar na minha linda Sasha.

- Sempre gostei de chow-chow, só nunca tinha tido oportunidade de comprar um, por causa do trabalho… Mas assim que abrandei, foi logo a primeira coisa que fiz.

Ele apenas anuiu, deixando-me sem qualquer tema de conversa. O caminho foi feito em silêncio e John estava mergulhado em lembranças, talvez muitas lembranças que aquele sítio trazia, tão ingénuo e tão bonito.
**
- Peço desculpas pelo atraso!

Entrei apressada no estúdio fotográfico plantado num dos edifícios centrais de Picadilly Circus, aparentemente, um dos sítios preferidos de Anne para fazer sessões fotográficas para a sua conceituada revista. Fui encaminhada por uma rapariga para uma pequena sala, onde estava tudo preparado para ser iniciada a maquilhagem e o penteado. John e Sasha seguiram-me, já que iriam ficar comigo durante toda a sessão. Despi-me a um canto, tapada por um biombo e deixei apenas as cuecas, enrolando-me num roupão branco que tinha sido deixado especialmente para mim. Sentei-me no cadeirão, olhando-me ao espelho, enquanto esperava que a maquilhadora e a cabeleireira chegassem. Deparei-me com umas olheiras gigantes, que cada vez ficavam mais acentuadas, talvez por as minhas noites de sono não estarem a ser particularmente bem-sucedidas. Culpa de quem? Olhei para John através do espelho, ele que estava completamente rendido aos encantos de Sasha, sempre tão querida e amorosa.

- Hola Maria! Como estás? – Uma senhora de cabelo cor-de-rosa entrou na sala, com um sorriso contagiante e sotaque espanhol – Soy Helena, a tua cabeleireira.

Esbocei um sorriso divertido, ao perceber que ela estava a fazer um esforço enorme por misturar espanhol com português, apesar de eu achar que tal não era necessário pois as duas línguas eram bastantes parecidas e muito fáceis de compreender para ambos os nativos.
Cumprimentei-a com um aperto de mão breve e suave.

- Vamos solamente esticar el pelo, entendes-me?

Anuí, bastante interessada em saber qual era a ideia de Anne para aquela sessão.

- Ela quer que estejas muy natural… - Ela pegou numa escova e começou a pentear-me os longos cabelos castanhos com nuances cor de cobre – Ela está muy chateada, no se qué passou.

“Ui!”, Anne chateada não era muito bom sinal. Se ela já não era particularmente fácil de agradar e de entender, chateada tornava-se um tédio.
A senhora espanhola de cabelo cor-de-rosa esticou-me o cabelo em menos de dez minutos e depois surgiu outra senhora, esta talvez um pouco mais nova, que começou a maquilhar-me, bastante concentrada para não se enganar nos requisitos propostos por Anne.
Penso que John deve ter apanhado uma das maiores secas da sua vida. Levantou-se e sentou-se tantas vezes que nem foram possíveis contar pelos dedos, para não falar de que deve ter passado todos os jogos de que o seu telemóvel dispunha, daí ter ficado sem qualquer tipo de entretinimento.

- Prontíssimo! – A senhora olhou para mim, levantando-me a cara através de um puxão no queixo e depois de assoprar para que os excessos de sombra se espalhassem, dirigiu-se até à porta, abrindo-a e olhando para John – Vem?

John olhou para mim e depois novamente para a senhora.

- Hmm, não se preocupe – Saí em seu auxílio pois percebi que ele não sabia o que era suposto fazer – Ele pode ficar.

Ela ainda hesitou, prostrada em frente à porta, a olhar-nos com ar inquisidor mas acabou por anuir e sair, fechando a porta atrás de si. Mas pareceu-me bastante desconfiada, o que, para mim, já não era de estranhar.

- Pareces uma árvore de Natal! – Ele esboçou um sorriso divertido ao olhar-me através do espelho – Se andasses assim no dia-a-dia, meu deus! Não aguentava.

O meu riso saiu sarcástico mas a verdade foi que ele teve a sua piada. Levantei-me e fui até atrás do biombo, onde vesti as roupas que estavam dispostas para mim: um body vermelho e azul com aplicações douradas incrustadas e uns sapatos azuis a condizer. Também pendurada, deparei-me com uma bandeira australiana e fez-se um clique na minha cabeça – a revista Blitz tinha considerado a Austrália o país do ano e aquela sessão deveria ser alusiva a isso, ainda mais sendo Anne australiana. Comecei a vestir o body com muito cuidado mas o fecho era traseiro e senti grandes dificuldades em fecha-lo.

- Precisas de ajuda? – John gritou do outro lado, ao ouvir os meus impropérios e lamentações.

- É o meu fecho, não consigo fecha-lo!

- Posso ir aí?

Nem me deu tempo para responder, pois ele já estava bem atrás de mim, pronto para me ajudar. Pegou no fecho com cuidado, pousando as suas mãos macias na minha pele, fazendo-me estremecer perante aquele toque. Ele puxou o fecho muito devagarinho, deixando-me apreciar e aproveitar cada segundo daquele momento. Depois de tudo, só assim, às escondidas e muito dissimuladamente, é que eu podia apreciar cada minuto passado com ele.

- Pronto! – Ele pousou a mão direita no meu ombro e eu virei-me lentamente, puxando os cabelos para a frente e mostrando-lhe a minha silhueta – Se não fosses tão magra, ficava-te melhor – Ele sorriu, divertido, pois sabia perfeitamente como detestava qualquer tipo de comentários em relação à minha silhueta.

Dei-lhe uma leve palmada no peito, acabando também por mostrar um sorriso divertido, pois sabia que ele só dizia certas coisas para me tirar do sério.

- Mas, tu sabes, és linda de qualquer maneira!

Ele encolheu os ombros e coçou a cabeça, demonstrando o seu nervosismo. E lá estávamos nós, ali naquele espacinho reduzido, a uma distância milimétrica, a sentir a tensão e a atracção que se estava a acumular entre nós. Ele ficou a fitar-me, com um sorriso maroto nos lábios, sorriso esse que tentei ignorar mas tal foi impossível.

- O que é? – Ele não parava de fazer pressão e não consegui evitar um riso miudinho nervoso – Pára de me olhar assim, John!

- Maria… - Ele agarrou nos meus cabelos, arrastando-os carinhosamente para trás das minhas orelhas e desceu a mão para o meu pescoço, onde a deixou pousada – Nós não podemos ignorar isto!

Deixei-me levar pelo momento e acabei por pousar a minha mão em cima da mão dele, acariciando-a, de certa forma. 

- John… - Senti-o aproximar-se, pois era certo e sabido que iria reclamar – Tu nã…

Os seus lábios tocaram carinhosamente nos meus, procurando um encaixe e assim que encaixaram na perfeição, ele aplicou uma certa pressão, uma pressão de desejo, desejo esse que eu também sentia. Deixei-me levar por aquele beijo, era completamente impossível resistir. John entalou o meu lábio inferior entre os seus e em movimentos tímidos, um pouco a medo, ele tentou obter uma resposta, uma resposta que significaria que ele poderia avançar.
Bateram à porta. Fiquei sobressaltada e quebrei imediatamente o beijo, afastando-me de John. Olhei para ele, confusa com o que se tinha passado e circundei-o, disposta a ir até à porta mas uma mão forte puxou-me o braço.

- Nós temos mesmo de conversar, Maria! – Ele falou baixinho, tornando-se praticamente inaudível.

Anuí, organizando as coisas na minha cabeça e dirigi-me até à porta, abrindo-a de rompante.

- Ah, Karen, és tu!

Karen era assistente de Hugh, trabalhava com toda a papelada e era ela que as arquivava correctamente. Embora Hugh se tivesse demitido, ele não lhe garantiu emprego caso ela abandonasse o seu trabalho connosco, pelo que ela decidiu ficar. Tinha estado uns tempos de férias em Londres e ia juntar-se a mim, voltando para Nova Iorque quando eu voltasse. Era uma boa conselheira e muitas vezes não dispensava as suas opiniões e críticas.

Ela entrou, com um monte de papéis na mão, e ao cruzar o seu olhar com John, que estava encostado à parede perto do biombo, foi quase como se ela tivesse tido um desequilíbrio, pois todos os papéis caíram no chão, dando-se uma autêntica azáfama de folhas brancas.

- John? – Ela arregalou os olhos, levando a mão ao peito.

Olhei para ambos, intervaladamente e foi aí que percebi, pelo olhar surpreendido dos dois, que ela era a Karen que eu menos esperava.

Queridos leitores, aqui vos deixo mais um capítulo. Quero pedir desculpa pelo tempo que demorei a escreve-lo mas a inspiração não foi muita. Quero também avisar que estarei fora durante uma semana, de férias da Páscoa, pelo que só depois de dia 9 posso iniciar a escrita de um novo capítulo. Espero que compreendam. Agradeço também o apoio dado, muito obrigado por tudo!
Espero que gostem!
Ps: Gostava de saber se alguém sabe como posso pôr gifs animados no blog, para que eles se mexam sem ser necessário clicar em cima deles. Agradeço qualquer ajuda.
Maria *