sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

V


Saí da reunião às seis da tarde, depois de quase duas horas a discutir como seria a sessão fotográfica. Precisava de espairecer, de aproveitar aquela estadia e o tempo em que podia absorver tudo de bom que aquela cidade oferecia. Sabia que John tinha ficado na praça em frente ao edifício mas quando cheguei lá a baixo, não vi nem sinal dele. Perscrutei com o olhar todos os cantos da praça quase deserta, apenas com algumas pessoas na esplanada, mas ele não parecia estar ali. Foi então que ouvi a sua voz vinda de um corredor paralelo no interior do edifício e aproximei-me, conseguindo ouvir algumas coisas como “já comprei” ou “não se preocupe”, pois a sua voz estava tão baixa que quase parecia um sussurro. Dobrei a esquina, disposta a encara-lo, mas assim que ele me viu, a conversa mudou radicalmente e ele começou a falar num tom mais alto, mostrando-se atrapalhado.

- Sim mãe, eu estou bem, não se preocupe! Bem eu agora vou ter de desligar, sim? Tenho de voltar ao trabalho. Vá, um beijo grande – E desligou o telemóvel, tão rapidamente que até cheguei a sentir pena da sua mãe, do outro lado, que nem teve tempo de se despedir.

- Comprei dois bilhetes para o Louvre – Ele mostrou dois bilhetes na sua mão – Vir a Paris e não ver o Louvre é o mesmo que ir ao McDonalds e pedir uma salada, não achas?

Sorri, surpreendida com a sua generosidade.

- Ok, pode ser.
**

Visitámos o Louvre em toda a sua extensão, todos os compartimentos e vasculhamos tudo o que havia para ver. John estava bastante interessado e vi nele uma veia cultural que nem sequer imaginava mas que me surpreendeu pela positiva. Pela primeira vez, ele mostrou-se falador, sociável e percebi que talvez a cultura geral fosse uma boa forma de chegar até ele. Não que eu tivesse muita, mas considerava que tinha a essencial e, normalmente, o essencial não me deixava ficar mal.

- Não achaste aquele quadro o máximo? – Tomámos o caminho em direcção ao hotel, num táxi que apanhamos perto do museu – Achei uma obra-prima.

Ele não parava de falar sobre aquele quadro abstracto que tinha visto nas novas galerias do museu e por instantes tudo o que me apeteceu foi voltar atrás e pagar tudo o que fosse preciso para ele ficar com ele. Não que o pudesse fazer, pois não podia e a verdade é que também não me apetecia gastar tanto dinheiro naquele desenho que até o meu primo Rodrigo, de três anos, sabia fazer. Mas tudo o que queria era calá-lo.

- Olha – Ele parou de falar e olhou para mim – Gostas de futebol?

Tentei mudar o tema de conversa, para algo que me agradasse e que ambos pudéssemos discutir.

- Não… - Ele hesitou antes de responder e o sentido que tirei disso foi o facto de ele se sentir envergonhado por não gostar do melhor desporto à face da Terra – Nunca vi nenhum jogo sequer.

- Ok – Tentei não desanimar – Hás-de ir a Portugal um dia e eu levo-te a um jogo.

- Combinado! – Ele foi decisivo na sua afirmação e, não sei porquê, isso deixou-me radiante por dentro.

O táxi deixou-nos a uns 50 metros do hotel mas o mais curioso de tudo foi que, assim que saímos e ele arrancou, uma chuva intensa abateu-se sobre nós, que tivemos de correr para não ficarmos encharcados. Este tinha sido um dia de extremos… Se há bocado tínhamos corrido e ficado encalorados, agora tínhamos corrido para não congelarmos. E mais uma vez, John mostrou-se extremamente divertido com a situação, assim que chegamos à entrada do hotel e ele se agachou na ombreira da montra, rindo com gosto. As minhas collants estavam encharcadas e o seu toque nas minhas pernas fazia uma comichão incomodativa, que me deixava desconfortável, daí o facto de não ter correspondido com tanto gosto às gargalhadas de John. O mordomo do hotel abriu a porta ao ver-nos do lado de fora, ficando a observar-nos em sinal de hesitação, pois não sabia se queríamos entrar ou permanecer no exterior. Fiz sinal a John para entrarmos no hotel e ele seguiu as minhas passadas curtas e desconfortáveis, em direcção à suite do hotel.
**

“Atchim”!
Um espirro forte e inesperado saiu da minha boca durante o jantar, deixando John num misto de preocupação e surpresa. Uma das indicações da minha ficha pessoal que Hugh fez questão de distribuir pelas pessoas que trabalhavam comigo era a minha tendência para ter gripes e constipações – por sinal, tendência herdada da minha mãe – e que eu tinha quase todos os meses, umas mais fortes que outras, mas que, quase sempre demoravam algum tempo a ficar curadas. Pela cara de John, percebi que ele tinha lido essas indicações.

- Ah, não te preocupes! – Tentei desvalorizar a situação, de forma a não preocupá-lo – Foi só um espirro.

- Tu tens sessão fotográfica amanhã, Maria – Ele levantou-se da mesa, foi até à casa de banho, onde só ouvi o seu remexer em alguma coisa e voltou com uma caixa de antibióticos para prevenir gripes e constipações – Toma isto quando acabares o jantar. Não quero correr o risco de ficares constipada, senão o teu pai mata-me.

Limitei-me a anuir, apesar de me estar a regozijar por dentro com tanta atenção e amabilidade. Esta faceta de John eu não conhecia, mas sem dúvida que me estava a surpreender.

- Vou ter de me ausentar durante uns minutos, senão te importares…

Pousei os talheres e olhei-o, inquiridora. Claro que ele tinha todo o direito de se ausentar e fazer o que quisesse, pois isso para mim era irrelevante mas em termos de ética de trabalho, tal não lhe ficava nada bem. Mas como o assunto da sua ausência não era da minha conta, esbocei um sorriso afirmativo mas reticente.

- Acho que não demoro mais do que uma hora – Ele tentou desculpar-se mas a verdade é que não queria ouvir qualquer tipo de desculpa. Na minha cabeça começaram a formar-se teorias para a sua saída, como a ida a um bar de striptease ou a um bordel, apesar de no meu íntimo me recusar a acreditar que ele seria esse tipo de homem.

- Oh, John, não tens de te desculpar… Só não sabia que conhecias aqui pessoas – Tentei deslindar mais alguma informação sobre a sua saída.

- Uns amigos do exército, nada de especial.

Ele deixou de me encarar e isso despontou em mim uma pontinha de desconfiança em relação à sua saída misteriosa. Mas ainda havia muito para descobrir acerca dele e eu acreditava que ele poderia ser um poço de boas surpresas, como tal, decidi ignorar toda aquela situação.
Acabámos de jantar e ele dirigiu-se ao seu quarto, onde permaneceu durante uns bons minutos, minutos esses em que senti a minha temperatura corporal disparar em flecha e no calor da suite aquecida, as minhas bochechas pareciam arder. Já tinha tomado o remédio mas sentia-me cada vez pior, no entanto, não quis dizer-lhe nada para ele não pensar que tudo não passava de uma tentativa para o fazer ficar comigo – o que, por acaso, era tudo o que mais queria agora. Liguei a televisão e comecei a passar os canais da televisão, à procura de um canal internacional com o qual me pudesse entreter até ter sono suficiente para ir para a cama. John apareceu na sala uns minutos depois e sentou-se do meu lado, todo ele muito perfumado e exibindo uma camisola preta justa ao corpo que fazia denotar todas as suas formas musculadas, umas calças de ganga e umas botas estilo tropa em pele castanha, conjunto esse que foi rematado com um relógio que não consegui perceber qual seria a sua marca, mas muito vistoso e bonito, sem dúvida a sua cara. 
Olhei para ele, quase como que o admirando de alto a baixo, o que o fez desconfiar.

- O que foi? – Perguntou, começando também ele a olhar-se, à procura de alguma imperfeição que tivesse despertado aquela admiração minha. Mas a verdade é que não havia imperfeição nenhuma!

- Fica-te bem esse conjunto – Tentei disfarçar a “baba” que quase deixava transparecer, desviando o olhar do dele e colando-o na televisão.

Aquela atracção física que senti por ele naquele momento foi algo que nunca tinha experienciado na minha vida. Havia qualquer coisa nele que desafiava a minha estabilidade, os meus princípios e os meus valores e que me puxava como se fosse um íman. Eu sabia disso desde que o tinha conhecido, pela forma como algo se alterava em mim assim que o via, mas a evidência, a confirmação, só tinha chegado agora. Nos meus dezassete anos de existência, só tive um namorado a sério, uma relação que eu preservava com a minha vida e que eu achei que fosse para sempre mas nunca, nessa relação, eu senti a mesma atracção que senti naquele momento por uma pessoa que me era praticamente desconhecida e que parecia não dar nada por mim. Tentei manter o meu olhar fixo na televisão, concentrar-me no que se estava a passar e ignorar aquele cheiro inebriante mas ele pareceu não deixar. A sua mão macia pousou levemente na minha perna despida, encolhida em cima do sofá e embora soubesse que aquilo não tinha sido propositado, um arrepio gigante percorreu a minha espinha e as minhas bochechas coraram ainda mais do que aquilo que já estavam.

- Desculpa! – Ele prontificou-se a desculpar-se por aquele descuido – Foi sem querer.

Ele esboçou um sorriso atrapalhado, afastando-se um pouco da minha figura já por si só bastante encolhida. Um silêncio instalou-se entre nós, mas olhando-o de soslaio pude constatar que ele tinha ficado nervoso com aquela situação um pouco constrangedora. Parei a televisão na CNN, onde eram transmitidas as notícias diárias de todo o mundo. Não que aquilo me interessasse, mas sempre era bom para causar alguma distracção entre nós. John levantou-se uns minutos depois, quando alguém bateu à porta.

- Quem é? – Inquiri, pois não esperava ninguém.

Ele olhou para trás ao mesmo tempo que caminhava em direcção à porta.

- Um segurança do hotel que vai ficar aqui a olhar por ti.

- Ahn? – Levantei-me prontamente e tentei alcança-lo antes de ele abrir a porta, tentando a todo o custo interpela-lo – John! Eu não quero nada disso!

Ele parou com a mão na maçaneta da porta, pronto a rodá-la.

- Maria, tu tens de ficar vigiada!

- Então se tenho de ficar vigiada porque é que vais sair?

Ele abriu muito os olhos, pois foi completamente apanhado desprevenido com a minha pergunta, que eu tinha proferido num laivo de frustração e raiva que tentei conter dentro de mim mas que, inevitavelmente, acabaram por vir à superfície já que eu não era nada boa em conter as minhas emoções, apesar de bem tentar. Ele baixou a cabeça, como que interiorizando que não era eticamente profissional deixar-me no hotel sozinha, já que o seu trabalho era vigiar-me vinte e quatro sobre vinte e quatro horas.

- Ok, tens razão – Ele voltou a encarar-me, anuindo – Não estou a ser correcto.

O seu olhar arrependido fez-me vacilar e hesitar em relação àquilo que considerava ser correcto. Não deveria ter de prende-lo ali comigo tendo em conta que eu nunca quis ter um segurança e que se tivesse vindo sozinha nada daquilo estaria a acontecer.

- John, desculpa! Se já combinaste, devias ir. Eu fico bem com o segurança do hotel – Tentei deixar o meu orgulho de lado e ceder, talvez conseguindo ganhar alguma empatia da parte dele, por deixa-lo ir sem qualquer tipo de represálias.

Ele esboçou um sorriso sincero e agradecido, dando-me um beijo ao de leve na minha bochecha a arder, deixando-me tão atrapalhada com aquele gesto que quase achei que elas iam mesmo pegar fogo. O meu coração palpitou a um ritmo alucinante, quase como se quisesse sair do meu peito e senti dentro de mim um calafrio, que já não sentia há mesmo muito tempo. Esse foi o momento em que percebi que aquela atracção que sentia por ele poderia tornar-se bastante perigosa e, como se isso já não chegasse, poderia tornar-se algo mais do que isso. 

Antes de mais quero desejar a todos os meus leitores, em especial à Bianca e à Ana Sousa um feliz Natal! 
Depois quero pedir que tenham paciência, porque embora a história esteja um bocado parada garanto-vos que irá haver uma aproximação entre a Maria e o John nos próximos capítulos que já estão a ser escritos.
Queria também fazer uma pergunta a quem quiser responder: 
Inspirei-me em alguém para o papel de John, um actor muito conhecido de todos (acho eu!) e gostava de saber se têm algum palpite em relação a quem seja. Nos próximos capítulos, no entanto, ele será revelado.
Obrigado a todos *

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

IV


- Paris, a sério?

Saí da sessão fotográfica escoltada por uma série de seguranças que trabalham para a revista, devido ao aparato que se fazia sentir lá fora, com dezenas de pessoas a tentarem interpelar-me. Entrei no carro, guiado por John, enquanto falava com o meu pai ao telemóvel, que tinha acabado de falar com Anne Wintour sobre o catálogo da Vogue. Tinha conseguido algumas fotos do catálogo, mas a melhor (ou pior) notícia foi que as fotos seriam tiradas na cidade do amor, Paris. E lá ia eu, voltar a Paris, onde já tinha ido algumas vezes, mas sempre sozinha. E acreditem, não há nada mais angustiante do que passear numa cidade onde se respira amor e tudo à nossa volta nos reporta a isso, quando nós não encontramos o amor há muito tempo! Mas como a esperança é a última a morrer, talvez fosse desta que o meu príncipe encantado iria aparecer. Quem sabe…

- Isso é óptimo, pai! – John arrancou o carro e distanciamo-nos da multidão e do aparato – Quando tenho de ir?

- Hoje à noite!

- Ahn? – John mostrou-se curioso com a minha conversa, olhando para mim assim que mostrei a minha surpresa – Já?? Tão cedo? E a Sasha?

- Tens muito tempo… - “Lá está ele com as suas facilidades”, pensei, tentando controlar a minha ansiedade – Olha, podes passar ao John?

Olhei para John, que olhava com atenção para o caminho.

- Pai… - Baixei a voz, de forma a tentar manter a discrição, falando quase num sussurro – Pai, você não vai pedir ao John para ele ir comigo, pois não? Não é necessário, acredite em mim.

- Passa-lhe o telemóvel, Maria.

Ele pareceu-me intransponível e acabei por passar o telemóvel a John, contrariada. Eles ainda falaram durante algum tempo – quer dizer, o meu pai falou pois John tudo o que dizia era “sim” – e depois John desligou, passando-me o telemóvel.

- Então? – Perguntei, curiosa e desejando no meu íntimo que o meu pai não lhe tivesse pedido o que eu achava que ele tinha pedido.

- Vou contigo para Paris.

Alardeei, frustrada. Lá estava o meu pai a fazer as coisas como ele queria sem me perguntar a minha opinião. E para além de isso me fazer sentir completamente impotente em relação ao meu futuro, também me deixava incomodada, pois iria viajar sozinha com o meu segurança, que, aparentemente, quase me detestava – tendo em conta que eu represento tudo o que ele mais odeia.

- Desculpa! – Tentei desculpar-me pelas preocupações sem sentido do meu pai – O meu pai é mesmo assim. E por enquanto, não posso fazer nada.

- Pois, ainda és menor, certo?

Anuí, desgostosa. Se ao menos Hugh continuasse no comando, poderia haver uma hipótese de fazê-lo reconsiderar. Com o meu pai, isso era quase impossível.

- Não te preocupes – Ele olhou para mim durante instantes, formando uma linha fina com os lábios que denotava um ténue sorriso – Sempre quis ir a Paris.
**

Olivia tinha-me deixado umas roupas novas em cima da cama, roupas que deveria promover durante a minha estadia em Paris. Paris é a cidade da moda, da alta-costura, do chic, da sofisticação… Como tal tinha de estar à altura.
Mas como queria estar o mais confortável possível durante o voo, acabei por optar por umas calças de ganga, uma camisa branca e um blazer rosa claro, conjugado com uma mala Chanel creme e umas chinelas estilo gladiador da mesma cor. Simples, mas também considerando o tempo que ia estar no aeroporto, era suficiente. 
 
   
Vesti-me à pressa, arrumei as coisas essenciais para dois dias de estadia na minha mala de viagem Louis Vuitton e preparei também as coisas de Sasha, que iria ficar em casa do meu pai durante o tempo em que estivesse fora. Ele considerava que a ida de Sasha iria prejudicar a minha concentração. E desde então perguntava-me: e a ida de John não? Enfim… O meu pai era sempre a mesma coisa. Desci com as malas prontas e coloquei-as à entrada, pegando depois em Sasha, aconchegando-a no meu colo e afagando-lhe o pêlo macio. Como me custava ficar longe da minha única companhia desde há muito tempo…
Um leve bater fez-me largar Sasha e dirigir-me à porta.

- Estás pronto?

Abri a porta e vi John, apenas com uma mala, mas o que me surpreendeu mais foi a forma como ele vinha reluzente. Tinha aparado a barba ligeiramente e o cabelo estava arranjado com gel, mas sem cair no exagero. Aquele charme todo, tinha-me deixado mais apta a viajar com ele, ainda mais porque o seu perfume intenso agradava-me de uma maneira que não sabia explicar. No entanto, a aparência dele em nada tinha a ver com a sua personalidade, ao menos não com aquela que ele tinha mostrado desde que trabalhava comigo. Aconcheguei Sasha na sua cama sedosa, macia e quente e o seu ar angelical tranquilizou-me pois sabia que onde quer que fosse e o que quer que fizesse, ela era a única que nunca me iria deixar. Passei a mão pelo seu pêlo e lancei-lhe um último olhar de despedida, antes de sair pela porta e a deixar sozinha na imensidão do apartamento.
**

Paris, Paris…
Tínhamos acabado de aterrar na maravilhosa capital francesa e nem tivemos de esperar pelas malas, pois o meu pai fazia sempre questão que tivesse o máximo de tratamento VIP possível. John seguia ao meu lado, também ele muito encantado, olhando para todos os lados daquela atmosfera parisiense, sem qualquer sombra de dúvidas. Paris melhorava a cada ano que passava. Tudo nesta cidade me agrada, desde as pessoas, ao clima, à moda… Tudo era pretexto para voltar a Paris um dia mais tarde.

- Excusez-moi, madame – Um homem de fato, cabelo grisalho e bigode, interpelou-nos, começando a falar francês, que devo confessar, era a minha maior fraqueza no meio de tudo, pois, por muito que me esforçasse, nunca ia conseguir falar francês, nem mesmo percebe-lo. Sorte a minha que John sabia alguma coisa - je vais être votre chauffeur lors de votre séjour.

Olhei para John, confusa. Sabia que o homem estava a falar para mim mas não tinha percebido mais nada para além do « Perdão, madame… ».

- Ele está a dizer que vai ser teu motorista enquanto estiveres cá.

- Ah! – Anuí para o senhor, que já tinha percebido que eu não sabia falar francês e que esboçava um sorriso divertido.

Seguimos atrás dele e tudo apontava para o máximo de serenidade. Mas quando chegamos à saída do aeroporto, do lado de fora das vitrinas de vidro, um grupo de pessoas estavam amontoadas, ostentando cartazes que colaram no vidro e gritando o meu nome, a alto e bom som. Detestava estas manifestações de carinho, devo confessar, mas também era algo a que já estava habituada. Levantei uma mão em sinal de aceno e esbocei um sorriso leve, tímido, quase imperceptível – foi o que Hugh me tinha ensinado. Do lado de fora também alguns jornalistas tentavam a sua sorte e tentaram captar uma fotografia minha, mas para minha grande surpresa, John pôs-se ao meu lado, deixando-lhes o ângulo de visão tapado durante todo o meu percurso pelo corredor do aeroporto até às garagens subterrâneas. Não lhe disse nada porque sabia que aquilo tinha sido obra do meu pai mas até estava com medo do que os jornais e as revistas pudessem dizer no dia seguinte, quando começariam a especular sobre um possível romance, como sempre faziam.
O caminho até ao hotel foi feito com calma, dando para observar a cidade, serena naquela manhã que acabava de nascer. Olhei para o relógio e percebi que teria de o acertar para a hora francesa, caso contrário, iria ser tudo uma confusão.
Ficámos alojados no hotel de Crillon, um dos mais luxuosos de Paris, mas que se situava num sítio discreto, longe dos olhares dos mais curiosos, mas ainda assim, dentro da cidade. Era um hotel antigo, que misturava o rústico com a elegância parisiense que apenas era frequentado por pessoas muito bem abastadas, pois o preço era algo quase exorbitante. O meu pai tinha marcado a suite superior, que contava com dois quartos, sala de jantar e sala de estar e isso significava que John não teria de ficar num quarto separado, pois aquela suite – que mais parecia uma casa – chegava perfeitamente para os dois.
Subimos até ao quarto andar e entrámos na suite, toda ela devidamente decorada e que achei que talvez fosse um pouco mais moderna que as restantes suites que tinha visto em fotografias no hall de entrada. O tecto não era ornamentado com fios de ouro ou de prata e não tinha qualquer tipo de ilustração, mas tirando isso, havia móveis que denotavam a antiguidade daquele hotel. Fiquei com o quarto amarelo, enquanto John foi colocar a roupa no quarto dele. Descalcei os sapatos e deitei-me na cama, tal era a minha exaustão. Fixei o olhar na janela entreaberta e fitei o céu que se tornava cada vez mais nublado… Olhei as nuvens a passar, uma por uma, empurradas por um vento tímido que se estava a descobrir e quase sem dar por isso, os meus olhos fecharam-se e acabei por cair num sono profundo.
**

- Maria! – Uma mão macia pousou-se no meu braço e apertou-o levemente – Maria, acorda!

Aos poucos fui ouvindo uma voz doce no meu ouvido, quase como um sussurro e acabei por despertar da minha sonolência crónica quando essa voz se tornou perfeitamente audível. Abri os olhos, olhando à minha volta e deparei-me com John, sentado à beira da cama, por cima do cobertor que cobria as minhas pernas e que ele tinha colocado.

- O que é? – Perguntei, tentando resistir ao sono.

- O teu pai ligou. Tens uma reunião com a Anne às quatro e meia no escritório dela. Deixei ali a morada.

- Que horas são? – Olhei para o meu relógio, que ainda não estava acertado – Adormeci.

- São duas da tarde – Ele apontou para uma mesinha com rodas que se encontrava encostada à janela – Está aqui o teu almoço.

Em cima da mesa, pude ver um copo alto com um líquido cor de laranja, que eu considerei ser o tão famoso sumo de laranja parisiense, um prato com um emaranhado de massas que me tornou impossível saber que refeição seria aquela e ao lado, encontrava-se um prato mais pequeno recheado de macarrons, o mais famoso bolo do país e um dos meus preferidos – era impossível não se gostar daquela doçaria.

- Quem mandou vir os macarrons? – Perguntei, frustrada, pois embora adorasse, aquilo não se podia comer em excesso, senão era um autêntico desastre para a silhueta.

- Ninguém. No meu almoço também vinham, mas já os comi todos.

Não consegui evitar o riso, que foi correspondido por ele, embora mais timidamente.
Levantei-me um pouco a custo. A minha cabeça andava à roda e sentia-me exausta, com uma fraqueza crescente a apoderar-se de mim. Calcei as chinelas que John tinha colocado à beira da cama e empurrei o carrinho com o almoço até à mesa de jantar.
**

Depois de almoçar e de dividir os macarrons com John, que pelos vistos, também adorava, tomei um duche de água morna de forma a ver se aquela enxaqueca que se começava a atenuar desaparecia e depois vesti uns calções de cabedal Chloé com umas collants de vidro pretas, combinadas com uns botins também eles pretos, um blazer da mesma cor e uma camisola básica azul para fazer o contraste. No que toca à sofisticação aliada à simplicidade, não há nada melhor do que o preto. Liguei para a recepção e dispensei os serviços do motorista, pois pretendia fazer uma visita a pé pela cidade depois da reunião e, tendo em conta, que o caminho até ao escritório era relativamente perto, não custava nada andar um pouco e fazer um pouco de exercício.
- Eu fico à tua espera cá fora, ok? – John seguia ao meu lado, também ele bem agasalhado, já que o frio de Outono tinha chegado mais cedo a França.

Anuí, baixando a cabeça sempre que passava alguma pessoa que me pudesse reconhecer. Seguimos em silêncio mais alguns instantes. John parecia contemplar a cidade com gosto, como se aquilo fosse algo de irreal para ele. Sorri para mim, pois fiz exactamente o mesmo da primeira vez que pisei solo parisiense.

- É a cidade perfeita, ahn? – Perguntei, tentando meter conversa, apesar de saber que era muito difícil, mas também não custa nada tentar.

- É – Ele pousou o seu olhar azul penetrante no meu – Gostava de viver aqui com a minha família, um dia.

Achei querido aquele seu pensamento, mas algo me deixou a pensar a que tipo de família ele se dirigia. Seria a família actual, que eu não sabia sequer se ele tinha, ou seria a família futura: mulher, filhos…?! Ou ele até já podia ter mulher e filhos! Não lhe ia perguntar uma coisa tão pessoal quanto essa, mas tal não foi preciso, pois ele acabou por me responder sem sequer lhe ter perguntado nada.

- Gostava que os meus filhos vivessem num ambiente tranquilo como este, sabes? Sem o reboliço todo de Nova Iorque… Não é o ideal de cidade para mim.

Sabia muito pouco sobre ele, mas uma coisa já tinha reparado: ele não podia ser pressionado a falar, ele só fala quando acha que deve falar. E isso faz dele uma pessoa bastante reservada, com o seu mistério, mas a verdade é que eu gostava disso.

- Por momentos pensei que já tivesses filhos… - Falei em tom de brincadeira, de forma a dar um outro ambiente ao nosso passeio.

- Não – Ele riu-se – Mas não deve faltar muito porque eu quero mesmo ser pai novo.

“Interessante”, pensei, surpreendida com aquela revelação.

- Então e posso saber que idade tens? – A pergunta saiu-me um bocado por instinto e só quando me apercebi do que tinha perguntado é que percebi que estava a entrar num campo demasiado pessoal e que talvez ele não quisesse partilhar.

- 21.

Ele não disse mais nada e eu remeti-me ao silêncio, mergulhada em pensamentos. Então ele não era muito mais velho do que eu!
Pretendia meter conversa de novo mas algo me fez reconsiderar. Um barulho de passos rápidos atrás de nós, fez-me olhar para trás e acelerar o passo pois já sabia o que aquilo era. Meia dúzia de jornalistas corriam pela rua recta, disparando as suas máquinas de flashes na tentativa de obter uma fotografia nossa. Apesar de eles saberem que John era meu segurança (o meu pai já tinha emitido um comunicado com essa informação para que não houvesse mal entendidos), nunca se podia confiar na sua imaginação fértil para inventarem romances e amores quase proibidos, daí o meu instinto de começar a correr assim que percebi que eles se estavam a aproximar. John estancou assim que me viu afastar mas rapidamente correu também atrás de mim, ao aperceber-se de que, se eles o interpelassem, as coisas seriam bem piores. Ele rapidamente apanhou a minha passada e quando me preparava para virar à direita, numa pequena ruela, ele puxou-me para seguirmos em frente, pois como a rua era irregular (mais alta nuns sítios do que noutros), eles que seguiam mais atrás ficavam impossibilitados de perceber para onde tínhamos ido. Ele pretendia virar na rua a seguir, que daria directamente à praça onde ficava o escritório de Anne, mas eu já estava a perder o fôlego e comecei a ficar para trás.

- Vá lá, Maria, não corremos isto tudo para parares agora! – Ele estava surpreendentemente divertido e puxou-me pelo pulso, incentivando-me a continuar. 

Corremos mais uns metros até virarmos a esquina e depois aí pudemos descansar. Ele não parava de rir, talvez porque achou ridículo o que tínhamos acabado de fazer ou talvez porque aquela adrenalina que me tinha contagiado, o tivesse contagiado também. Acabei por me juntar ao seu riso assim que percebi que estávamos a salvo dos flashes e que eles provavelmente tinham seguido pela ruela que eu queria ter seguido se não fosse John.

- Tu és maluca! – Ele sentou-se no pial de uma porta, tentando ganhar fôlego – Assim é que eles vão mesmo ficar a pensar coisas.

- O que é que queres? Foi um impulso – Continuei a andar rua fora, obrigando-o a levantar-se e a seguir ao meu lado – Assim eles não nos chateiam.

- Estou para ver as coisas que vão dizer amanhã… - Ele parecia preocupado com aquilo e eu até o percebia, pois, por enquanto, o seu trabalho ainda podia estar em risco porque o meu pai ainda não tinha mostrado nele total confiança. Talvez por isso ele fosse tão reservado e tão antipático comigo, pois considerava que a nossa relação tinha de ser estritamente profissional, sem margem para qualquer outra coisa. E eu não concordava com isso, pois sempre achei que para uma relação profissional ser boa é preciso haver uma boa relação entre as pessoas constituintes dessa relação. E embora estivéssemos a fazer progressos, ainda havia um longo caminho a percorrer, que eu esperava tornar-se mais fácil assim que ele percebesse que o seu trabalho não estava em risco.

- Não te preocupes. Se as coisas não são verdade, só tens de ignorar. O meu pai sabe de tudo, não vais ter problemas com ele – Ele não pareceu muito convencido – Qualquer coisa eu falo com ele.

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

III


O meu sono foi abruptamente interrompido pelo som estridente da campainha, fazendo-me rebolar na cama e abrir os olhos lentamente à medida que eles se habituavam à claridade. Sentia-me exausta, provavelmente por não fazer nada ao que eu considerava ser uma eternidade – tendo em conta o último ano todo preenchido com trabalhos e tentei ignorar a campainha, aconchegando-me nos lençóis, com Sasha do meu lado. Fechei os olhos, tentando voltar a dormir mas a campainha voltou a tocar e a minha irritação foi tanta naquele momento, que me levantei apressadamente, ajeitando a minha camisa de dormir azul clara de cetim e dirigi-me o mais rápido que pude à porta, abrindo-a sem sequer perguntar quem era. Imaginem qual foi o meu espanto quando vi John prostrado à minha frente, apoiado na ombreira da porta, devidamente arranjado e emanando um cheiro irresistível.

- Hmm, acordei-a? – A voz dele denotou alguma preocupação com o meu estado lastimável, pois ainda nem sequer tinha lavado a cara ou penteado o cabelo e deveria parecer uma bruxa naquele momento.

Escancarei a porta, fazendo-lhe sinal para que entrasse.

- Naaa! – Disse, ironicamente, ao mesmo tempo que olhava para o relógio e constatava que ainda eram 9h30 da manhã.

Ele entrou, pé ante pé, contemplando o espaço à sua volta. Pela sua atenção, pude deduzir que o seu apartamento em nada tinha a ver com o meu.
Sasha desceu as escadas, de forma graciosa e colocou-se diante de John, que rapidamente lhe fez umas festas doces na barriga. Olhei para ele a mimá-la enquanto reunia as coisas necessárias para tomar o pequeno-almoço e fiquei curiosa em relação à sua mudança de atitude da noite passada para hoje. Tentei encontrar os porquês dessa mudança na minha cabeça e o que fez mais lógica foi talvez o facto de o ter ignorado da única vez que ele tentou falar comigo. Senti-me orgulhosa de mim própria ao perceber que a indiferença até era uma grande arma, desde que usada com moderação. Quem não concorda com isso, claramente nunca tentou.

- Então, o que te traz por aqui tão cedo? – Sentei-me na bancada, com a taça de cereais Fitness à minha frente – Não te importas que te trate por tu, pois não? – Achei indelicado trata-lo mais informalmente, tendo em conta que ele me tinha tratado sempre por você, mas, mediante as nossas idades, achei ainda mais indelicado tratarmo-nos com tamanha formalidade.

- À vontade – Ele deixou Sasha e aproximou-se da cozinha, ajeitando as calças de fato treino durante a trajectória. Um alívio apoderou-se de mim… Aquela tensão de ontem já tinha desaparecido – O se… TEU pai – Ele sorriu, divertido, fazendo-me interromper o meu pequeno-almoço para soltar uma pequena gargalhada – Ele disse-me para vir aqui e levar-te a correr.

- Agora? – Voltei a olhar para o relógio, apesar de já saber as horas – Mas eu tenho ginásio amanhã.

- Pois, mas ele acha que tu não andas a fazer exercício suficiente…

- Ai é? – Engoli a última colherada de cereais e coloquei a taça dentro do lava-loiça. Senti-me magoada naquela altura pela falta de confiança que o meu pai estava a demonstrar em mim mas isso só me deu mais vontade para provar que ele estava errado – Ok, vamos lá a isso. Vou só vestir o meu fato de treino. Volto já.
**

Corremos sempre na mesma velocidade, durante cerca de meia hora, nos quatro quilómetros que separavam o nosso prédio do Central Park. Eu já estava habituada a corridas do género, pois fazia-o sempre com Garrett, o meu instrutor e foi com surpresa que notei que John aguentou muito bem aquele percurso, o que me fez pensar se ele iria ao ginásio frequentemente. Fui a ouvir música durante todo o percurso e só quando parámos para descansar é que tirei os auriculares dos ouvidos. Andámos à volta do parque, quase deserto àquela hora da manhã, antes de nos sentarmos num banco de jardim virado para o lago, coberto em toda a sua extensão por patos e cisnes.

- Costumas fazer isto muitas vezes? – Tentei meter conversa para não voltarmos a cair no silêncio.

- Não, mas estou habituado a fazer exercício físico.

Anuí, na esperança de que ele falasse mais alguma coisa, mas ele manteve o olhar fixado no lago e não disse mais nada. Ficámos assim durante uns instantes, instantes esses que nunca mais pareciam passar e eu só desejava levantar-me dali e fazer o caminho de volta para trás, a ouvir a minha música, sem me preocupar com mais nada.

- Estive no exército uns meses – Inesperadamente, ele continuou a conversa que eu achei já ter terminado – Depois desisti.

Ele riu-se, como que se martirizando por o ter feito. Foi um riso sôfrego, muito dissipado, que me fez reflectir sobre os motivos que o terão levado a abandonar o exército, pois ele pareceu bastante arrependido de o ter feito. Esperava que ele respondesse à minha pergunta interior, mas ele não o fez, preferindo baixar a cabeça, perdido em pensamentos. No entanto, não era o único, pois também eu pensava agora na escolha dele para meu segurança. Quando o vi pela primeira vez pensei que nos íamos dar bem, pois eu normalmente, gostava de me dar bem com as pessoas, gostava que elas se sentissem à vontade comigo pois eu fazia sempre os possíveis para isso. Com John, a situação era diferente. Parecia-me que ele estava ali quase como obrigado, fazendo um sacrifício enorme por se relacionar comigo mas sabia que a nossa relação nunca ia ser desenvolvida, nunca passaria da tentativa de conversa falhada. Se calhar os nossos feitios eram demasiados incompatíveis ou se calhar, aquela não era a sua verdadeira vocação, aquilo que ele realmente queria fazer da vida.

- Não gostas muito de fazer isto, pois não? – Perguntei, receosa de que aquela pergunta o afectasse mas mesmo assim decidi tentar.

- Ser segurança? Não – Ele abanou a cabeça – Não gosto de viver neste meio cheio de gente fútil e superficial, que só joga por interesse e pelo seu próprio bem-estar.

Ausch! Esta tinha sido forte e mesmo que eu tivesse plena consciência de que não era fútil nem superficial, nem nada daquilo que ele tinha dito, aquele comentário tinha acertado em cheio no meu orgulho.

- Bem, vamos? – Levantei-me, colocando os auriculares novamente no ouvido e pondo a música com um volume ainda mais alto.

Fizemos o caminho de regresso entre corridas e paragens, eu principalmente, que não me sentia na disposição de correr. Quando chegámos, eu tomei o elevador e ele as escadas e acabei por entrar em casa sem o voltar a ver. Chamei por Sasha, mas ela não deu qualquer sinal e um bilhete em cima da mesa dizia o seguinte: “Fui passear a Sasha. Levo-a para o escritório. De: pai”. Relaxei, pois já não tinha de a levar a passear. Subi até ao quarto, ainda por arrumar e liguei o computador para verificar o meu e-mail, à espera de ter alguma novidade de Liam ou de Mikki. O que acabou por se verificar, pois tinha um e-mail dos dois.

De: Mikki
Assunto: Miss you
Conteúdo: Hello darling. Como estás? Por aqui está tudo na mesma, como sempre. Vou começar a trabalhar como assistente dentária, até conseguir algo melhor. E tu? Por favor diz-me que tens boas notícias e que ganhaste alguma coisa! Se não tiveres boas notícias, por favor dá-me novidades. Tenho muitas saudades tuas.
Mikki

De: Liam
Assunto: …
Conteúdo: Olá maninha, como estás? Tenho uma óptima notícia para te dar. Consegui arranjar um voo para aí para a semana! Tentei convencer a mãe e vir comigo mas ela vai ter com o namorado misterioso a Itália. Não fiques triste, sabes como ela é. Como estão as coisas aí? O pai tem facilitado? Vai dando notícias. Adoro-te.
Liam

Escrevi um e-mail para os dois, onde lhes contei que não ganhei o prémio e que apesar de ter ficado desiludida, não há que desanimar, pois prémios há muitos. Contei-lhes do meu novo segurança e de como estava a ser difícil lidar com a personalidade dele, que era o que mais de incompatível havia com a minha – a Mikki contei outros pormenores, como o facto de ele ser bem constituído e muito bonito, o tipo de homem que eu gostava, mas com a desvantagem de ainda não ter demonstrado as qualidades que eu mais gostava num homem (aliás, estava muito longe disso). Para mim, a beleza não é tudo. Contei-lhes que Hugh se tinha despedido e que o meu pai é que ia ficar a tomar conta da minha carreira, o que eu não achei ser o melhor, pois ele era demasiado reservado e clássico e certamente iria ignorar muitos trabalhos mais arrojados mas que me dariam mais visibilidade. Mas mostrei-lhes que estava esperançosa que um novo manager fosse aparecer o mais cedo possível. A Liam, mostrei-me triste pelo facto de a mãe não poder vir e ainda mais pelo facto de ela me trocar pelo namorado mais novo que vivia em Itália. Mas, vindo da minha mãe, aquilo era a coisa mais normal do mundo.

Depois de lhes enviar os e-mails, tomei um banho relaxante e preparei-me para ir almoçar com o meu pai, que tinha novidades para mim. Fui até ao meu closet e escolhi uma roupa descontraída mas elegante, que pudesse levar para a entrevista que iria dar à Marie Claire. Optei para um macacão curto, que tinha comprado há uns tempos atrás mas que ainda não tinha vestido. Mas como o tempo estava quente, achei o momento indicado para o vestir. Estiquei o cabelo e elaborei à pressa e sem muitos cuidados, uma trança francesa, um in da moda na actualidade e que eu até gostava, apesar de não aguentar muito tempo com ela, pois prendia-me o cabelo e eu gostava de andar com ele ao natural, sem ter de me preocupar com ajeites e tudo o mais.
Saí de casa quase em cima da hora marcada para o almoço e o meu pai detestava que eu me atrasasse, como tal, tinha mesmo de me despachar. Desci até à garagem, entrando imediatamente no meu carro e saí para a rua, que para meu inferno, estava coberta com dezenas de jornalistas. O meu olhar ficou ofuscado com os flashes que dispararam incessantemente assim que avistaram o meu carro. Apitei dezenas de vezes para que eles saíssem do meu caminho, mas quanto mais apitava mais eles se amontoavam e se encostavam ao carro, quase colando as máquinas fotográficas no vidro. Fiz uma investida, ameaçando arrancar sem me preocupar com quem estivesse à minha frente mas eles não se deixaram intimidar e continuaram a aproximar-se, agora batendo nos vidros e fazendo sinal para que o descesse, para poderem fazer-me algumas perguntas. Abanei a cabeça, em sinal de recusa, mas parecia que quanto mais lutava, pior eles faziam e mais insistentes ficavam. “Agora é que o John fazia aqui falta”, pensei, desejando que ele aparecesse e os afastasse. Continuei a apitar mas isso revelou-se infrutífero e então, farta de estar ali a ouvir pancadas e murros contra o vidro, investi mesmo para a frente, arrancando com o carro e fazendo com que eles, finalmente, se desviassem e me cedessem a passagem. Assim que me vi livre daquela azáfama, liguei para o meu pai.

- Estou, pai? Você não faz ideia do monte de jornalistas que estão amontoados ao pé da garagem do prédio! Foi um castigo para conseguir sair.

Ele mostrou-se indignado.

- O que é que eles querem? Só espero que não comecem a dizer que estás mal por causa de não teres recebido o prémio!

- É óbvio que eles vão dizer isso, pai. Sabe como eles são mesquinhos. Mas isto já é demais, já estão a levar as coisas ao limite – Lamentei-me, na esperança de que ele pudesse tomar alguma medida que impedisse aquilo de continuar.

- Tens de te habituar…

Respirei fundo, chateada por ele estar sempre com meias palavras que não resolviam nada. O meu pai era uma pessoa muito passiva, muito cautelosa e essas eram outras das razões por que não o achava indicado para meu manager.

- Olha, já agora… - Ele continuou a falar – Tenho uma reunião com a Anne Wintour às duas horas. Ela quer discutir os termos para te ter no catálogo exclusivo que ela vai preparar para o Tom Ford…

- A sério?? – Não consegui conter o meu entusiasmo. De todos os grandes estilistas e produtores de moda, Anne era das únicas com quem ainda não tinha trabalhado, mas que ansiava desesperadamente por fazê-lo, tendo em conta o seu repertório.

- Sim. E por isso não vou poder ir almoçar contigo, filha. Mas falei com o John e ele disponibilizou-se para te levar a almoçar.

“O QUÊ?”, pensei, quase explodindo de frustração. Era só o que mais me faltava agora. Mas não queria ser indelicada e então mostrei-me apta para almoçar com ele, sem quaisquer problemas. Não queria que o meu pai soubesse da tensão existente entre nós e acima de tudo não queria que John perdesse o emprego, pois assim que o meu pai soubesse, ele trataria logo de arranjar um novo segurança.
**

Depois de falar com o meu pai sobre a entrevista com a Marie Claire e a promoção do perfume de Vera Wang, ao qual eu dava a cara e que se iria realizar dentro de uns dias na loja da marca no centro da 5º Avenida, esperei por John no escritório mais de uma hora mas ele continuava sem aparecer. Comecei a desesperar, pois estava com fome e a entrevista estava marcada para as quatro e meia, sendo que tinha de estar lá uma hora antes para ultimar os preparativos para a sessão fotográfica.
Esperei mais meia hora mas depois desisti e peguei em Sasha, levando-a ao colo até ao carro. Agora era oficial: John tinha-me dado uma tampa. A situação até me deixou divertida mas não seria tão divertida do ponto de vista da ética profissional. A sorte dele é que eu não planeava contar nada ao meu pai mas não iria admitir mais deslizes daqueles. Percebi, nesse momento, que ele não tinha simpatizado mesmo nada com a minha pessoa e isso deixou-me triste, pois esforçava-me sempre ao máximo para agradar a todos mesmo sabendo que isso não era possível.
Foi com grande alívio que, ao dobrar a esquina do meu prédio, percebi que os jornalistas já não estavam lá. Entrei e estacionei o carro no sítio do costume, engendrando na minha cabeça mil e uma refeições que podia cozinhar para o almoço. Saí do carro, certificando-me de que tudo estava arrumado e dirigi-me à porta de acesso ao interior do prédio, quando ouvi uma voz já conhecida.

- Maria! – John parecia-me ofegante, aparecendo numa grande correria do lado de lá da garagem, saído da porta dos fundos – Maria, espera, por favor.

Estanquei onde estava, rodando sobre mim e ficando de frente para ele, que se aproximava a passos largos, abrandando e tentando acalmar a sua respiração ofegante.

- Maria… - Ele parou a cerca de um metro de mim, tentando recompor-se – Peço imensa desculpa!

- Ouve… - Interrompi-o antes que ele começasse com desculpas esfarrapadas e nada sentidas – Não fico chateada John, longe de mim. Só te peço que não voltes a fazê-lo porque isso não é nada profissional da tua parte. E se tu não respeitas as pessoas com quem trabalhas, ao menos respeita o teu trabalho, pois é ele que te dá o dinheiro ao final do mês.

Fui incisiva e decidida naquilo que disse, tentando marcar uma posição e tentando mostrar que ele não me afectava minimamente. No entanto, não achei que aquilo tivesse surtido qualquer efeito, pois quando me virei para continuar o meu caminho, senti uma mão fria envolver o meu braço e dar-me um leve puxão.

- Por favor, Maria. Eu peço imensas desculpas.

Talvez fosse a minha personalidade demasiado ingénua e bondosa, mas eu vi nele um certo arrependimento que me fez pensar que talvez tivesse acontecido algo que o fizesse ter faltado ao seu compromisso.

- Passou-se alguma coisa? – Perguntei, voltando atrás no meu discurso.

- Não… - Ele hesitou e pude reparar que ele estava a escolher muito bem as palavras – Problemas pessoas, só isso.

Apesar de a sua justificação não me ter convencido minimamente, anuí, deixando passar aquele episódio pois não queria sofrer represálias.

- Tudo bem… Podes ficar descansado.

Voltei a virar-lhe as costas mas ele voltou a interpelar-me.

- Eu sei fazer a melhor massa carbonara do Mundo.

De costas para ele, um sorriso delineou-se nos meus lábios. Aquela tentativa de redenção derreteu-me e decidi dar-lhe uma hipótese para emendar o seu erro.
**

- Ok, devo confessar que está boa.

Sentados à mesa, de frente um para o outro, provei a massa que ele tinha feito em tempo recorde e achei deliciosa mas também há que ter em conta a fome com que estava, isto sem querer tirar o mérito ao cozinheiro, apesar de ele não o merecer.

- Só isso? Boa? – Ele sorriu, orgulhoso do seu trabalho, enquanto mastigava o comer.

- Sim, já comi melhores. Não sei se já foste ao Barney’s, na rua paralela com o Times Square… - Ele abanou a cabeça – Devias ir. Eles fazem a melhor comida italiana de Nova Iorque.

- É assim tão boa?

Comi mais uma garfada de esparguete.

- É óptima!

Seguiu-se um momento de silêncio, com ambos a saborearmos a comida, sem pressas e sem tensão. Liguei a televisão para que nos entretecemos com qualquer coisa enquanto almoçávamos. Era meu costume fazer isso durante as refeições e, juntando isso ao facto de nós não conseguirmos manter uma conversa, achei a melhor coisa a fazer. A televisão entrou automaticamente no canal E! Entertainment, um dos meus preferidos, um canal de entretenimento que incide sobretudo na vida das celebridades. Estava a dar um documentário com o título “Mais bem pagas 2011 segundo a lista da Forbes” e, ao lembrar-me do comentário de John de manhã sobre futilidade e superficialidade, preparava-me para mudar o canal, quando ele me interpelou.

- Não! – Larguei o comando, sobressaltada com o seu grito inesperado – És tu, olha!

Na televisão apareceram imagens e filmagens minhas, em campanhas publicitárias para marcas de roupa e para reclames de propaganda, algumas bem atrevidas, com maior destaque para o vídeo que tinha protagonizado há uns meses atrás para a marca de roupa interior, a Intimissimi, onde aparecia em trajes menores. Segundo a Forbes eu estava classificada em quarto lugar na lista de modelos mais bem pagas da actualidade, atrás de Gisele Bundchen – claro! –, Heidi Klum e Alexa Chung, considerada ontem na cerimónia, a modelo revelação do ano. Senti-me envergonhada pela presença de John e pelo facto de ele querer ver aquilo e desviei o olhar da televisão, mastigando mais um pouco daquela massa tão saborosa.

- Eu tenho a capa que fizeste para a revista W!, em casa – Ele encarou-me, sem qualquer pudores por estar a fazer aquela confissão – Acho que foi uma das melhores que já fizeste.

Bebi um gole de água, antes de disparar em todas as direcções, pois aquele momento estava a tornar-se mais embaraçoso do que aquilo que esperava.

- Quem diria que vês revistas minhas, a “…magra, quase esquelética” – Peguei na frase que o tinha ouvido dizer no dia anterior, antes de nos termos conhecido e utilizei-a ironicamente.

- Tu ouviste isso? - Ele riu-se, desavergonhado.

Anuí, mostrando o meu desdém em relação aquele comentário infeliz.

- É verdade – Ele encarou-me directamente, desinibindo-se por completo – Tu és magra! Queres que diga o quê?

Abri a boca num jeito de incredulidade. Não podia crer que ele me estava a dizer aquilo daquela maneira. O meu estado de incredulidade divertiu-o, pois ele esboçou um sorriso que, numa ocasião normal me teria irritado profundamente, mas que, não sei explicar como, naquele momento, me deliciou profundamente. No entanto, não fui capaz de dizer mais nada até ao final da refeição, talvez porque a ocasião não o proporcionou, mas ambos acabámos de comer sem dizer mais nenhuma palavra um ao outro. Levantámos a mesa e depois, inesperadamente, ele disponibilizou-se a levar Sasha a passear, para minha grande surpresa.

- A sério que não te importas? – Perguntei, enquanto lhe colocava a trela.

- Não! - Ele parecia bastante descontraído e mostrou-se bastante disponível para o fazer. Aproveitei esse facto e fiquei em casa até chegar a hora da entrevista, sentada no sofá a ver televisão.