domingo, 22 de janeiro de 2012

VIII


Tinha-se passado uma semana.
Uma semana que passou rapidamente, sempre na companhia do meu irmão e com presenças aqui e ali e ginásio todos os dias, o que tornou difícil aproveitar a sua companhia ao máximo. Ele iria voltar para Portugal amanhã, para junto da minha mãe (que já tinha voltado de Itália mas, mais uma vez, sem o namorado) e eu iria ficar ali, naquela enorme cidade, praticamente sozinha – ainda mais sozinha depois de saber que o meu pai iria ausentar-se em negócios com a sua firma de cosméticos, deixando Meg, antiga secretária de Hugh, temporariamente como minha manager. E tendo em conta que John andava a evitar-me, a semana que me esperava iria revelar-se extremamente complicada do ponto de vista emocional.
 “Ai, como me fazia falta um namorado”, pensei, enquanto me deliciava com o meu iogurte cremoso, enroscada nos meus cobertores polares e com Sasha do meu lado, a dormir que nem um anjo. Tentei entreter-me com a televisão e deixar de lado, durante uns instantes, a leve depressão que insistia a apoderar-se de mim, apesar da minha retaliação. Sentia-me realizada profissionalmente, mas no meu campo pessoal a minha vida estava uma lástima. Estava tão lastimável que muitas vezes dava por mim a chorar sem nenhuma razão aparente, não fosse John e a sua indiferença os principais suspeitos do meu estado. Depois daquela conversa no carro em que ele me tinha deixado um aviso – ou seria um conselho? – não voltámos a falar, apenas nos cumprimentávamos casualmente, quando surgia a oportunidade.

“A drop in the ocean, a change in the weather, I was praying that you and me might end up together. It's like wishing for rain as I stand in the desert, but I'm holding you closer than most, 'cause you are my heaven…” O meu telemóvel começou a vibrar e a tocar uma das minhas músicas preferidas e tive de esticar o braço para conseguir alcançá-lo, vendo no ecrã o nome de Meg e apressando-me a atender.

- Hello Meg – Esbocei um sorriso e fiz uma voz amigável.

- Boa-noite Maria! Posso dar-te uma palavrinha?

- Sim, sim, claro Meg – Liam já estava a dormir e eu estava tranquila, sem ninguém que me pudesse perturbar – Podes falar.

- Só queria dizer-te que recebi uma chamada de um senhor chamado Jon Kor… - Interrompi-a, pois percebi que iria ser complicado a pronunciação do nome de Jon e disse-lhe o seu apelido correctamente – Pronto, isso mesmo! – Ela largou um riso divertido – Esse senhor ligou para aqui e convidou-te formalmente para uma festa de máscaras na sua casa, amanhã à noite, em Manhattan. Devo dizer-lhe o quê?

- Ai sim? Que simpático da parte dele – Hesitei um pouco para pensar na minha agenda para o dia seguinte – Eu acho que não há problema se for, há? Não tenho nada agendado para amanhã, pois não?

- Tem a agenda limpa, menina.

- Ok, então pode ligar para o Jon e confirmar, Meg, por favor. Posso levar companhia? – Não tinha quem levar pois Liam já tinha coisas combinadas com uma amiga misteriosa mas a pergunta saiu-me quase por apatia.

- Sim, pode. O senhor até disse que podia levar o seu amigo John – Franzi a testa, surpreendida com aquela revelação mas fiquei completamente amedrontada com o facto de Meg associar a John a palavra “amigo”.

- Ah sim? Óptimo! – Tentei mostrar-me entusiasmada com tudo aquilo mas a verdade é que estava nervosa com aquela pressão sem intenção exercida por Jon – Obrigado Meg. Boa-noite.

Desliguei a chamada e lancei o telemóvel para o sofá, fazendo ricochete e caindo no chão, não me deixando absolutamente nada perturbada. Estava chateada com tudo aquilo que se estava a passar mas principalmente com a indiferença de John, que me tinha deixado de rastos nesta última semana. Como era óbvio não ia convidá-lo para a festa mas isso era tudo o que mais queria. Aconcheguei-me a Sasha e fiquei assim durante uns minutos, até o sono tomar conta de mim.
**

Liguei para Olivia assim que saí do ginásio. Ela mostrou-se atenciosa como sempre mas não pode satisfazer os meus pedidos: queria algo elaborado, digno de um baile de máscaras (como eu achava que todas as pessoas iam) mas devido ao curto tempo que ela tinha, ia tornar-se muito improvável arranjar algum vestido com os requisitos que eu pedi. No entanto, confiava no seu bom gosto e o que quer que fosse que ela trouxesse, era o que eu ia vestir.

- Então princesa? – Liam chegou perto de mim e envolveu-me num abraço ainda suado – Que carinha é essa?

- Oh, só agora é que me lembrei de ligar à Olivia para lhe pedir o vestido para hoje à noite e, pelos vistos, ela não vai conseguir arranjá-lo.

- Oh – Ele envolveu a minha cara no meio das suas mãos quentes – Tu vais linda de qualquer maneira, não te preocupes.

Anuí, tentando animar-me um pouco. Ficava assim quando algo não corria da forma que eu pretendia, mas isso era porque eu estava claramente mal habituada. Era só estalar os dedos e as coisas apareciam perfeitas.

- Eih, e o John? Nunca mais o vi! – Ele pegou na sua toalha e limpou a cara, que escorria por todos os lados – Está dispensado ou assim?

Abanei a cabeça.

- Não, só que como estás aqui, ele não precisa de andar sempre atrás de mim – Encolhi os ombros, denotando alguma mágoa na minha voz mas que esperava que Liam não tivesse notado.

Ele lançou-me um olhar interrogador, como que procurando alguma coisa nos meus olhos que não tivessem sido ditas. Já sabia que ele ia começar a disparar em todas as direcções assim que soubesse que eu estava sentida mas, para minha surpresa, ele não o fez.

Seguimos os dois para a casa de banho privada, onde tomámos um banho rápido alternadamente. Vesti uma roupa simples, já que iria directamente para casa: uma camisa com uma camisola de malha leve por cima e umas calças de ganga com umas sabrinas pretas, para poder andar confortável pelas ruas da cidade. 
- Vens? – Liam estava sentado no pequeno banco daquele cubículo agora quase a arder, devido ao vapor de água emitido. Mais um segundo ali e era o mesmo que não ter tomado banho.

- Hmm – Ele hesitou, ao mesmo tempo que pegava no telemóvel e mandava uma mensagem – Tenho umas coisas combinadas. Coisas rápidas – Tentei falar mas ele continuou – Uma hora e estou em casa.

Alardeei e lancei um olhar chateado.

- Passeio a Sasha quando chegar – Ele esboçou-me um daqueles sorrisos irresistíveis e acabei por ceder à sua chantagem, saindo com um sorriso nos lábios.

Acenei a Yana, que como sempre estava confinada ao balcão da recepção do ginásio e saí, com a minha mala de treino numa mão e a minha mala de dia noutra. Hoje o treino tinha sido puxado e senti-me completamente exausta, passando-me pela cabeça por momentos que o melhor mesmo seria desmarcar com Jon e ficar em casa a assistir a um filme para chorar e afogar as mágoas. Abri a porta do carro e comecei a colocar lá dentro a mala quando um carro que me era familiar estacionou mesmo ao meu lado. Tentei manter-me indiferente mas o meu corpo deu logo mostras do meu nervosismo. Desisti de ajeitar a mala no assento de trás e precipitei-me imediatamente para o lugar do condutor, desejando que ele não me tivesse visto. Mas já tinha sido tarde.

- Olá Maria – Ele aproximou-se do meu vidro, vendo-me obrigada a abri-lo.

- John! – Fiz a voz mais entusiasmada do mundo, mas só um cromo não percebia que estava a ser sarcástica – Então, está tudo bem?

- Sim, tudo óptimo!

Anuí, esboçando um sorriso do mais falso que me foi possível e liguei a ignição, disposta a deixar aquele local.

- Estás a fugir de mim, é? – Aquela pergunta saiu-lhe de repente e apanhou-me completamente desprevenida, deixando o meu coração a bater descompassadamente.

- Eu? – Ri-me baixinho mas mostrei o meu melhor tom de ironia – Claro que não! Porque haveria de fugir de ti?

- Fazes isso parecer a coisa mais estúpida do mundo! – “Claro que é a coisa mais estúpida do mundo”, pensei – É por isso que não acredito em ti.

Fitei-o, mostrando-me surpreendida com a sua perspicácia e persistência. O que é que lhe teria dado para vir falar comigo assim de repente?! Esta pergunta ecoou na minha cabeça mas seria uma pergunta sem resposta pois não pretendia fazê-la a John.

- Ouve, John… - Desliguei o motor do carro e tirei a chave da ignição com brusquidão, mostrando-me mais arreliada do que aquilo que queria transparecer – Passaste tanto tempo sem dizer nada, porquê agora? Tens algum problema comigo? Não percebo que mal é que te fiz pois a única coisa que sempre quis foi manter uma boa relação contigo e tu nunca deixaste que tal acontecesse… Só quando te apetece é que vens falar comigo? – Parei um pouco para respirar – Para mim, chega! Podes ir falar com o meu pai e pedir a demissão.

- És…

- Não, calma! – Arregalei os olhos, tentando fazer o meu melhor ar ameaçador, repreendendo-o pela ousadia da sua interrupção – Eu sei que nós nem sequer devíamos estar a ter este tipo de conversa, isto não é nada profissional, mas a verdade é que não aguento mais e isto é a primeira vez que me acontece – Mostrei toda a minha frustração, tudo aquilo que sentia em relação à nossa estranha ligação, que um dia estava bem e no dia a seguir estava virada do avesso. E por muito inconstante que fosse, não precisava de mais problemas do género para a minha vida já bastante atormentada.

- Maria… - Ele levantou a mão, como se pedisse permissão para falar – Posso?

Olhei para ele, completamente esbaforida depois daquele discurso sentido e não me sentia minimamente preparada para mais daquele assunto, que para mim, já estava mais que terminado. Fiz sinal afirmativo, disposta a ouvir o que ele tinha para dizer.

- És sempre assim tão precipitada? – Ele debruçou-se um pouco mais sobre a janela descida e sorriu, divertido.

- E tu ainda te ris? – Inquiri, incrédula com o que acabava de testemunhar – Não há nada de engraçado no que eu disse.

- Maria… - Ele agarrou no meu braço, que não parava de gesticular e aquele toque prendeu-me todos os músculos que se contraíram instantaneamente – Tens de ter mais calma. Eu sou teu segurança… Quer dizer, nós nem sequer somos amigos.

Aquele comentário deixou-me boquiaberta. Dentro da minha cabeça imaginava um sincero pedido de desculpas pelo seu comportamento instável ou uma verdadeira intenção de reverter a situação em que nos encontrávamos, para tornar o ambiente bem mais acessível entre nós. Mas não. Em vez disso, parecia que estava a gozar com a minha cara e eu não estava nada disposta a lidar com isso. Sacudi o braço de forma a libertá-lo da sua mão coberta de veias salientes que advinham do seu braço musculado e coloquei a chave na ignição, arrancando com o meu Audi de forma a não lhe dar hipótese de sequer respirar. Ainda tive oportunidade de olhar pelo retrovisor e vê-lo a cumprimentar o meu irmão que acabava de sair e, surpresa das surpresas, pareciam bastante amiguinhos na conversa que se seguiu. Virei a esquina, olhando uma última vez e fiquei surpreendidíssima quando vi que eles os dois ainda mantinham uma conversação.
**
- Uau, estás tão linda!

Liam bebia um copo de champanhe encostado ao balcão da cozinha quando me viu acabadinha de vestir, com o vestido púrpura que Olivia me tinha deixado e que não fazia bem o meu género, mas era, sem dúvida, um vestido muito bonito e também a minha única opção. 
- Gostas? – Rodei sobre mim própria, tentando mostrar-lhe o vestido sob todos os ângulos – Ideias da Olivia.

Ele pousou o copo em cima da bancada e caminhou até mim, com aquele seu jeito elegante, em perfeita sintonia com o fato de traços finos que ele envergava.

- Estás perfeita! – Pousou as suas mãos nos meus ombros despidos e beijou-me a testa – E a máscara?

Mostrei-lhe a máscara que albergava na minha mão direita, preta, com brilhantes e muito simples. Não queria exagerar no conjunto.

- Estás linda princesa! 

- Ainda bem – Sorri-lhe carinhosamente e calcei os sapatos Jimmy Choo, já utilizados várias vezes – Pena que sejas o único a dizer-me isso.

Ele sorriu mas pude perceber que ficou sentido com o meu comentário triste, vindo de alguém que tinha sérios problemas na sua inexistente vida amorosa.

- Ah, já agora… - Ele voltou a agarrar no copo, dando-lhe um gole leve e sentou-se no sofá, aconchegando Sasha no seu colo – Vou ter companhia esta noite e gostava de saber se não te importavas que a trouxesse para aqui…

Ele hesitou no final do seu pedido, claramente com medo da minha reacção. Repreendi-o com o olhar mas acabei por anuir pois não queria fazer-lhe tal desfeita. Levantei-me, pronta a ir buscar o meu clutch mas vacilei quando o som da companhia se fez ouvir. Olhei para Liam, esperando que fosse a sua convidada mas ele encolheu os ombros, esclarecendo-me. Apressei-me até à janela, procurando por jornalistas que pudessem ter entrado dentro do prédio mas não havia sinal de nenhuma agitação suspeita do lado de fora.

- Era nestas alturas que um daqueles óculos de ver o lado de fora fazia falta – Praguejei, ao mesmo tempo que em encaminhei a passos largos para a porta, abrindo-a.

- John?

Arregalei os olhos, completamente surpreendida. John estava prostrado à minha frente, com um fato de corte fino que me pareceu ser Hugo Boss e que lhe assentava na perfeição – aliás, parecia que tinha sido feito especialmente para ele. Na mão direita trazia uma máscara muito simples e discreta, a condizer com o seu conjunto. Rodei a cabeça e olhei para Liam, que se ria baixo e divertido, bebendo o seu champanhe e olhando a televisão. E foi aí que um clique se fez na minha cabeça e que percebi que aquilo tudo não passava de uma invenção dele. Respirei fundo, tentando controlar os meus instintos que me impeliam a chegar perto dele e desonrá-lo de tudo e olhei para John, que me pareceu realmente nervoso: não parava de ajeitar a gravata e o cabelo.

- Que surpresa! – Não fui entusiasta, limitei-me apenas a constatar a sua presença.

- Recebi uma chamada do Jon…

- Ah foi? – Não o deixei terminar e lancei-lhe um sorriso de desdém, antes de voltar a minha voz para Liam – Liam eu sei que tu é que estás por detrás disto!!

Ele levou as suas mãos à cabeça, como se alegasse pela sua inocência.

- Eu?

- Seu estúpido! – Peguei no meu clutch e saí porta fora, tentando evitar que as minhas acusações se tornassem bem piores.

Arrepanhei o meu vestido e segurei-o com a mão esquerda, pois não queria rasgá-lo no caminho até lá a baixo. Entrei no elevador e marquei o piso -1, que dava acesso às garagens e onde o Audi A7 “nos” esperava. As portas deram sinal de fecho e pensei mesmo que John não iria apanhar o mesmo elevador. Engano! Quando as portas já se estavam mesmo a encostar, um braço surgiu do lado de fora, fazendo-as vacilar como se fossem contra um muro e empurrando-as, afastou-as por completo, entrando naquele quadrado minúsculo. Ele carregou no botão onde eu anteriormente tinha carregado e ajeitou o seu fato, mostrando-se bastante preocupado no que toca à sua aparência.

- A gravata está mal apertada – Quebrei ao silêncio ao constatar esse facto. Ele fitou-me e depois olhou logo para o espelho que cobria uma das paredes do quadrado de metal, tentando consertar o emaranhado de nós daquela gravata.

- Mas o que é isto? – Ele praguejou, quase a entrar em desespero.

- Deixa-me ver! – Pelo seu olhar, acho que ficou surpreso com a minha atitude mas assim que me viu aproximar, levantou um pouco o queixo de forma a deixar-me ver. O emaranhado de nós que para ali iam eram bastante fáceis de resolver comparativamente com o seu cheiro arrebatador, agora ainda mais forte, devido à proximidade a que me encontrava do seu pescoço. Era um cheiro tão intenso que era capaz de compelir qualquer pessoa. E o pior de tudo era que só dava vontade de cheirar mais, mais e mais. Durante uns segundos, mexi na gravata mas as voltas que estava a dar não faziam qualquer sentido tendo em conta que eu estava completamente inebriada pelo seu cheiro. Só quando o elevador se abriu, dando-nos uma vista completa sobre toda a garagem é que voltei a cair em mim e me apressei a ajeitar o seu nó, atando-o de novo. – Pronto! – Deixei cair as minhas mãos sobre o seu peito e os meus dedos percorreram toda a extensão do seu colarinho, até chegarem aos botões.

- Hm, hm!

Um som de aviso de presença ecoou no elevador, o que me fez dar um salto enorme para trás, voltando a encostar-me à parede de onde nunca deveria ter saído.

- Dona Elise! – Olhei-a, petrificada, à medida que ela pegava nos seus sacos de compras e entrava no elevador.

Elise Donovan é a minha vizinha do lado desde o dia em que me mudei para Nova Iorque. É uma senhora já com alguma idade, viúva, que vive a sua vida humilde à custa do rendimento da sua reforma quase milionária derivada da música “All I want for Christmas is you”, escrita por ela. Ou seja, todos os direitos da música são praticamente seus por direito e também por lei. É uma senhora afável, sempre disposta a ajudar apesar de ter uma pequena (grande) tendência para se envolver em assuntos pessoais que não lhe dizem respeito e, como é normal em casos desses, a vida de todas as pessoas daquele prédio passam pelas suas mãos, indirectamente.

- Olha, o novo inquilino! – Ele fez um sorriso amigável a John, que retribuiu – Pensei que era seu segurança, menina Maria…

- E é! – Apressei-me a dizer, antes que aquela constatação atingisse áreas imaginárias da sua mente – Só isso, Dona Elise!

Lancei-lhe um sorriso atrapalhado e, apanhando o meu vestido, saí a passos largos do elevador, seguida de John, que parecia bastante divertido com a situação embaraçosa que tínhamos acabado de passar. Depois daquilo, não iria chegar perto dele durante toda a noite. Mas nem eu, nos mais profundos recantos do meu pensamento, sabia o que estava para vir…

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

VII

O aeroporto estava apinhado. Uma multidão de pessoas esperava pelos seus voos, aqui e ali, tornando aquele cenário numa visão assustadora.
Tinha acordado bem mais cedo que John e durante o tempo em que ele ficou a dormir, estiquei o cabelo e escolhi uma das minhas melhores roupas, com vista a chamar a sua atenção já que todas as mulheres gostam de ser notadas. Vesti uns skinny jeans de cintura subida, uma camisa vaporosa com padrão tigresa, calcei umas botas pretas de salto alto, mandadas por Olivia, que me chamaram bastante a atenção pela forma irregular e colmatei o conjunto com um casaco de malha azul-escuro. 
Senti-me incrivelmente vaidosa enquanto me olhava ao espelho, mas agora que tinha visto a indiferença de John, senti-me um caco. Estava a mostrar-se distante e nem sequer tinha perguntado se eu já estava melhor, apesar de a minha melhoria ser muito visível. Apenas me tinha dirigido algumas palavras e as suas constantes mudanças de humor começavam a dar-me dores de cabeça. Se umas vezes se mostrava muito prestável, outras vezes até me dava raiva e eu, sinceramente, já não estava a conseguir suportar isso. Enquanto esperávamos numa sala particular pela chamada de embarque, recebi uma chamada do meu querido pai, que me iria salvar do silêncio certo em que iríamos cair.

- Olá, pai! – A minha voz saiu seca pois o meu entusiasmo era nulo e eu sentia-me completamente exausta.

- Olá! Como estás? – Como sempre, aquela foi uma pergunta retórica pois ele nem me deu tempo de responder – Estou com a Sasha no teu apartamento. Vim deixá-la. O teu irmão chega daqui a pouco, vai ficar cá contigo.

- Pai, mais calma… - Aquela rapidez com que ele fornecia informações deixava a minha cabeça a andar à roda – Falas sempre tão rápido! O Liam está a chegar, é?

- Sim, ele já embarcou há quase duas horas, presumo que não demore… - Ele fez uma pausa para recuperar o fôlego. Pude notar que andava atarefado – Maria, antes que me esqueça, amanhã tens uma aula com o Garrett de manhã e depois tens a promoção do perfume da Vera Wang, sim? Já falei com a Olivia e ela já te foi…

- Pai! – Tive de interrompê-lo devido à minha incapacidade de processar informação tão rápido – Mais calma, fogo. E treino com o Garrett de manhã? Eh, pai, não podia arranjar outra hora? Estou exausta!

- Maria, não te podes relaxar agora. Eu também estou exausto mas não é por isso que vou relaxar.

Não consegui conter o riso com a sua afirmação. Afinal, ele é que quis o trabalho acima de tudo, apesar de eu continuar a insistir que outra pessoa deveria tomar o seu lugar.

- Pai, o que você tem feito não é nada fácil. Espero que agora esteja a reconsiderar arranjar outra pessoa para o seu lugar.

- Logo se vê… - A sua hesitação deu-me alguma esperança que ele fizesse o que eu achava ser o melhor – Como correu a estadia com o John? 

Olhei para John, encostado à grande vitrina com vista para as pistas, onde aviões descolavam a cada um minuto. Ele parecia alheio à nossa conversa mas eu recusava-me a acreditar que ele não estivesse minimamente interessado. Sabia que ia estar a mentir caso dissesse que tudo tinha corrido bem mas não era minha intenção dizer a verdade pois não queria prejudicá-lo e muito menos pôr o seu emprego em risco.

- Correu tudo bem pai.

A minha resposta foi vaga e muito dissimulada mas a minha sorte era que o meu pai mal me conhecia e não sabia reconhecer quando eu estava a mentir ou quando não queria falar sobre o assunto.

- Então isso significa que ele é de confiança, certo? Podemos contar com ele?

Agora percebia que a vinda dele comigo a Paris não tinha passado de um teste aos olhos do meu pai. Aqueles dois dias tinham servido para testar a sua competência e profissionalismo, que não tinham sido superados na minha opinião mas enquanto eu estava disposta a dar-lhe mais uma oportunidade, o meu pai certamente não estaria.

- Claro, pai. Podemos contar com ele – Tentei convencer-me a mim própria que John iria melhorar no que toca ao seu trabalho mas havia algo mais em mim que queria mantê-lo naquele cargo, não apenas para comprovar a minha teoria de que ele poderia melhorar mas também porque já não imaginaria outra pessoa no seu lugar.

Acabei por desligar uns segundos depois, desejando no meu íntimo que aquela viagem passasse rápido e que eu chegasse a casa e pudesse rever a minha linda Sasha e o meu querido irmão recém-chegado do meu país natal.
Embarcámos no avião meia hora depois e ficámos sentados lado a lado mas não achei que o silêncio fosse ser quebrado por parte dele. Ele manteve o olhar fixo na pequena janela oval do avião sem sequer me olhar e isso magoou-me mas mantive-me firme e encostei a cabeça no banco, disposta a adormecer e a descansar.

- Queres que peça um cobertor? – A voz dele alarmou-me, fazendo-me saltar do banco e olhá-lo, sobressaltada – Estás melhor?

- Muito melhor – Voltei a encostar-me, já refeita do susto que a sua voz provocou no meu quase sono.

- Mesmo assim, devias tapar-te.

“Agora já queres saber?”, pensei, indignada, mas remeti-me ao silêncio pois não queria levantar confusões. Tirei do suporte do banco em frente um cobertor polar que estava sempre ali guardado – sabia-o devido às centenas de viagens que já tinha feito por todo o Mundo – e cobri as minhas pernas com ele, num acto de obrigação, quase como se dissesse “Não me chateies!”. Mas isso não resultou pois ouvi um riso leve a ser abafado pela sua mão. Só de pensar que ele poderia estar a fazer pouco de mim libertou em mim uma pontada de raiva, que, como todos os sentimentos, estava habituada a reprimir e a atenuar até chegar a altura em que até a minha santa paciência irá rebentar.

- Estás a rir-te do quê? – Inquiri, lançando-lhe o olhar mais furioso que consegui.

Ele olhou-me e em vez de o meu olhar o intimidar, ainda o fez rir mais. Num acto involuntário, esmurrei-lhe o antebraço com toda a força que consegui e, como se de uma menina me tratasse, virei-lhe costas e aconcheguei-me para o lado contrário da sua presença.

- És tão menina… - Ele dirigiu-me esse comentário a rir-se, mas notei na sua voz um tom de reprovação, de reprimenda. Isso, mais do que o comentário em si, atingiu-me em cheio. Era uma menina, eu sabia-o, mas considerava-me uma menina independente e uma menina que nunca irá crescer pois o lado infantil sempre fará parte do meu ser. E, provavelmente, há muito poucas pessoas assim. Mas sendo tão conhecedora de mim, considerava isso uma vantagem e, naquele momento, só tive pena que ele não achasse o mesmo que eu.

**
- SASHA!!!

A minha linda e robusta cadela chow-chow veio aos saltinhos até mim, qual malandra. Agarrei-a com todas as minhas forças e aninhei-a no meu peito, afagando-lhe o pêlo creme com todo o carinho do Mundo. Ela é uma parte muito significativa da minha família, a minha única companhia vinte e quatro horas por dia e nada me custa mais do que ter de viajar e deixá-la sozinha em casa – pois o meu pai não pode ser considerado uma grande companhia. Encostado à parede da sala, de braços cruzados, Liam esperava. E, claro, esperava com todo aquele charme típico dele… E não imaginam como sentia saudades disso. Pus Sasha no chão, que saltitou até à porta para felicitar John e corri até ele, que abriu a boca num sorriso absolutamente perfeito e me abriu os braços, envolvendo-me num abraço carinhoso. Ele é, sem sombra de dúvidas, o homem da minha vida.

- Oh minha princesa! – Ele afagou-me o cabelo, levantando-me a escassos milímetros do chão e apertando-me com força – Que saudades tuas!

Dei-lhe um beijo sentido na face antes de ele me colocar no chão.

- Como está a mãe? – Apesar de tudo eu estava cheia de saudades dela.

- Está óptima! – Ele envolveu a minha face com ambas as mãos e puxou-me para si, beijando-me a testa – Não te preocupes com ela.

O nosso momento de convívio foi interrompido por um som de aviso por parte de John, que estava prostrado atrás de nós, com Sasha no colo.

- Ah – Afastei-me de Liam ao reparar na minha indelicadeza – Liam, este é o John, o meu segurança – Apontei para John, abrindo caminho para que se cumprimentassem.

Liam apertou-lhe a mão com firmeza, esboçando-lhe um sorriso cordial, mostrando a sua boa educação. Essa cordialidade foi correspondida por John, que também sorriu e se mostrou incrivelmente amigável. Quem me dera que ele fosse sempre assim comigo…

- Bem, John - Interferi no cumprimento dos dois, disposta a despachar John e a desejar-lhe uma boa noite, pois em Nova Iorque a madrugada só agora tinha começado – Obrigado por tudo. Estás dispensado – Fiz-lhe sinal para a porta, abrindo-lhe caminho para que ele saísse.

Ele olhou para mim, um pouco atordoado com a minha atitude brusca – que nem eu reconhecia em mim – mas limitou-se a anuir, desejando uma boa noite ao meu irmão e depois a mim. Segui atrás dele até à porta de saída e preparava-me para a fechar quando ele voltou para trás e olhou para mim, como se quisesse dizer-me algo.

- Passa-se alguma coisa? – Perguntei, tentando ser um pouco mais delicada.

- Hmm – Ele hesitou um pouco antes de falar e pude perceber que, na sua cabeça, algum trocadilho tinha sido feito, pois quando ele falou fiquei com a sensação de que ele não tinha dito o que realmente queria – Gostei muito da nossa estadia em Paris.

Olhei-o enternecida e, apesar de só querer mostrar a minha concordância, algo me impossibilitou de falar e confinei-me apenas a um leve aceno.
Voltei para o interior, onde Liam esperava, sentado no sofá a ver o canal de desporto na televisão. Como era possível os homens serem todos iguais? Essa constatação fez-me sorrir por dentro, de tão irónica que era. Sentei-me ao lado dele, pegando em Sasha e aninhando-a no meio de nós dois.

- O rapaz pareceu-me educado! – Ele quebrou o silêncio mas não tirou os olhos da televisão.

- É, muito educado – Revirei os olhos – Nem sei como podes.

- Ui! – Ele pegou no comando, colocando a emissão em pausa e olhou para mim – O que é que se passa maninha?

“Em cheio!”, pensei, ao mesmo tempo que tentei desviar o meu olhar do dele para não ser apanhada em flagrante.

- Ai, ai, ai, calma, calma, calma! – Ele parecia que tinha entrado em êxtase, como se tivesse acabado de ganhar a lotaria – Tu gostas dele!!

Abri os olhos em sinal de reprovação.

- Estás doido!!! – Franzi a testa e tentei mostrar-me o mais indignada que consegui e cheguei mesmo a pensar que a minha cara de indignação estava a resultar.

- Negação! – Ele tirou a emissão da pausa e voltou a colocar os olhos no visor, parecendo muito satisfeito com as suas conclusões infrutíferas. Mas será que não teriam mesmo fundamento? – É o primeiro sinal.

Revirei os olhos mais uma vez, completamente frustrada com o conhecimento que ele parecia deter a meu respeito. Eu sabia bem qual era o joguinho que ele estava a fazer, para que eu confessasse o meu interesse no meu segurança particular. Mas a verdade era que não havia interesse nenhum. Embora ele fosse bonito, charmoso, másculo, os nossos feitios eram irreversivelmente incompatíveis. Levei a mão à cabeça. Então era mesmo verdade: eu estava em negação.
**

Nessa noite não consegui pegar olho, apesar do meu cansaço se fazer sentir em cada parte do meu corpo. Tinha visto quase todos os minutos a passarem no meu relógio digital de cabeceira, durante toda a noite e apesar das minhas tentativas de adormecer, exigindo quase a mim própria que adormecesse, essas tentativas revelaram-se inúteis, chegando a levar-me ao choro compulsivo devido à minha frustração e estado de pânico. Acabei por ler um livro quase inteiro durante as horas em que não consegui pegar no sono. E, como muitas coisas na nossa vida, que só começam a concretizar-se no fim da linha, finalmente ganhei sono quando faltavam apenas quarenta e cinco minutos para a hora marcada para a minha aula de ginásio com o instrutor Garrett.
Dormi o tempo que me foi possível e acordei ainda mais exausta do que no dia anterior. Mas uma coisa boa no meio de tudo: a minha gripe parecia estar a curar-se. Vesti o meu fato de treino, apanhei o cabelo num rabo-de-cavalo bem repuxado e fui até à cozinha, onde encontrei Liam a preparar-me o pequeno-almoço, também ele vestido com calças de desporto.

- Bem, isto é que é recepção! – Aproximei-me dele e beijei-lhe a face, apontando depois para as calças de fato de treino – Também vens treinar, é?

- Sim. O pai disse que não havia problema.

Anuí, sentando-me em cima da bancada e trincando uma maçã que Liam tinha descascado para mim. Uma peça de fruta era sempre o que comia assim que acordava, seguindo-se umas torradas de pão integral com um galão com muito pouco café.

- O teu segurança veio aqui – Ele colocou as minhas torradas num tabuleiro e colocou-o em cima da mesa de jantar, seguindo-me com o olhar para ver a minha reacção – Convidei-o para vir connosco.

Arregalei os olhos, engolindo em seco e acabando por me engasgar. A tosse provocada por aquele engasgamento fez com que umas pequenas lágrimas saíssem dos meus olhos castanhos amendoados. Essa situação provocou em Liam uma comicidade que eu não consegui compreender.

- Porque é que foste fazer isso? – Perguntei, assim que me recompus, sentando-me à mesa para começar a minha primeira refeição do dia.

- Então maninha, ele também tem de se exercitar… - Ele deu um gole no seu descafeinado – Vá lá, não leves a mal.

Aquele cinismo dele dava-me a volta à cabeça. Não iria suportar as investidas dele em relação a John por muito mais tempo. Ele era incrível… Quando punha uma ideia na cabeça, só quando algo corria mal é que ele desistia dela.

- Não estou a acreditar Liam. Tu fizeste de propósito! – Fitei-o, tentando uma confissão que chegou através de um sorriso de troça.

- Olha… - Ele interrompeu a minha dentada na torrada, obrigando-me a olhá-lo – Vou ter de sair um pouco mais cedo do treino porque tenho um encontro com uns amigos.

- Com uns amigos? – Larguei a torrada, mostrando-me zangada – Não acredito que me vais deixar sozinha com ele!

- Encara isto como um favor, maninha…

Não consegui conter a minha incredulidade perante tamanho à vontade. E muito menos consegui conter o meu mau humor e acabei por não comer mais nada.
**

O treino acabou exactamente à hora de almoço e depois de tomar um banho rápido na casa de banho privada do ginásio, sentei-me na sala de espera à espera de John, que também tinha ido tomar um banho.
Garrett era um querido, uma pessoa com um espírito tão ou mais jovem que uma pessoa com vinte anos – apesar dos seus quase cinquenta e cinco anos – e tinha-me ajudado desde há dois anos para cá a manter a minha forma e a tonificar o meu corpo, que se tornou um pouco flácido depois de alguns meses sem fazer qualquer tipo de exercício físico e como a minha pele era muito elástica, surgiram os meus maiores pesadelos: estrias e celulite, que felizmente estavam a ser bem combatidos mas que ainda mostravam alguma resistência. Devido a isso, desperdicei uma proposta única de desfilar para a Victoria’s Secret e essa era a minha maior mágoa desde que exercia o trabalho de modelo. Agora estou no topo, o meu corpo está melhor que nunca, mas a oportunidade já passou e, provavelmente, não ia voltar atrás. Hugh sempre me disse: “Para consolidares a tua carreira a cem por cento, tens de ter obrigatoriamente duas coisas: uma capa da Sports Swimsuit e um contracto com a Victoria’s Secret”. Avaliando-me por isso, considerava que a minha carreira ainda estava a meio-gás.

- Vamos? – John saiu do balneário, exibindo umas calças de ganga simples, os ténis com que tinha feito o treino e uma t-shirt com desenhos que não consegui descodificar. E vinha lindo, como sempre.

Levantei-me, seguindo atrás dele até ao carro. Lancei um breve sorriso a Yana, a recepcionista do ginásio, antes de atravessar a porta e encaminhar-me até ao Audi A7 que esperava por nós.

- Queres conduzir? – Sentia-me exausta e não estava em condições de conduzir o carro, com medo que as pernas me faltassem. Se ao menos Liam não tivesse saído mais cedo, eu não teria de pedir a John… Passei-lhe as chaves para a mão e entrei no lugar do pendura, satisfeita com a acedência dele.

Assim que iniciamos caminho, liguei o rádio no meu canal preferido e foi com surpresa que percebi que estava a dar a música “A drop in the ocean” de Ron Pope, um êxito da actualidade e uma música que me tinha encantado. Ponderei se deveria mudar de canal, pois John poderia não achar piada a músicas lamechas como aquela, mas depois pensei que ele não teria de se importar com nada porque ele ali não tinha qualquer voto na matéria.

- Queres que vá passear a Sasha, quando chegarmos?

A sua amável disponibilidade surgiu mesmo no refrão da música, a minha parte preferida. Encarei-o, esboçando um sorriso cordial e anuí. Não queria ser abordada por pessoas indesejáveis naquela altura – por indesejáveis quero dizer jornalistas – e tudo o que mais me apetecia era esborrachar-me na cama e aninhar-me no conforto dos meus lençóis.
Paramos num semáforo vermelho e a música tinha acabado, pelo que, naquele momento via-me sem nada com o que me entreter.

- Já viste a revista OK! de ontem?

Abanei a cabeça, olhando para ele, curiosa.

- Devias ver…

- Porquê? – Aquele seu tom num misto de mistério e amargura fez-me pensar no que raio teriam inventado.

- Somos namorados na revista… - E ao dizer estas palavras, ele desatou a rir, como que se tivesse acabado de dizer a maior piada de todos os tempos.

- Ai sim? – Não iria mentir se dissesse que a ideia não me agradava, porque me agradava muito, mas não era correcto dizer-lhe isso. E a ideia em si também não era correcta, pois ele era meu segurança e era suposto que a nossa relação fosse apenas profissional para a eternidade, caso contrário, isso iria virar no maior escândalo do ano. Para o meu pai, principalmente… - Deixa-os falar, não estou minimamente preocupada – Tentei confortá-lo, para que não se martirizasse por isso.

- Inventaram tantas coisas que nem sei… - O semáforo assumiu a cor verde e ele arrancou com o carro – Só não quero que isso te dê… - Ele hesitou, preocupando-me com o que aí vinha – Sei lá… Ideias.

Não consegui dizer nada naquele instante, assomada por um conjunto de sentimentos complexos e distintos que me vieram à cabeça. Ele acabou por virar na bomba de gasolina para atestar o depósito do carro, já na reserva. Quando saiu do carro, enterrei a minha cabeça nas minhas mãos, completamente envergonhada com a situação que se tinha criado em nós, levando-o ao ponto de tentar descomprometer-se com coisas que nem sequer tinham acontecido, descartando por completo a mais ínfima hipótese de um dia os meus mais recentes desejos se puderem concretizar. Fiquei a observá-lo a atestar, alheio ao meu desconforto e embaraço em relação à posição que ele tinha acabado de marcar. 
Tentei recompor-me, manter-me calma e sobretudo mostrar-me desinteressada e nada ofendida com as suas declarações, caso contrário, os meus verdadeiros sentimentos (será que poderiam chamar-se isso?) iriam ser expostos. Passei-lhe o meu cartão de crédito, vendo-o afastar-se e voltar em minutos.

- Já está. Pus-te 60 dólares.

- Ok, obrigado – Ele passou-me o cartão e eu apressei-me a colocá-lo na minha carteira.

Tentei arranjar uma forma de abordar o assunto que tinha ficado pendente e só quando retomamos o caminho é que tive coragem suficiente para o fazer.

- Em relação ao que disseste… - Falei pausadamente, escolhendo bem as palavras – Não tens de ter problemas com isso. Sei bem os meus limites, o que devo e o que não devo fazer – Fui decidida e apesar de no meu íntimo as coisas não se passarem assim, a minha afirmação quase me convenceu a mim própria.

- Oh Maria… - A voz dele saiu amargurada e muito dissipada. Tirou os olhos da estrada e encarou-me, com os olhos azuis tão lívidos que se tornaram ainda mais bonitos – Acredita que tu nunca ias querer envolver-te comigo!

 Aqui vos deixo mais um capítulo (um pouco tardio) mas espero que gostem! 
Maria *