sábado, 3 de março de 2012

XII


Quando os primeiros raios de sol embateram na minha cara, despertei do meu sono profundo, que tinha sido contínuo, sem nenhuma interrupção, desde que acordei a meio da noite e adormeci nos braços de John. Ele estava virado para o lado contrário, de barriga para baixo e respirava leve e discretamente, quase imperceptível. Não queria acorda-lo pois queria que ele descansasse o suficiente para não acordar de mau humor e fingir que nada do que aconteceu durante a noite se tinha passado. Esse era o típico dele mas a sua tipicidade era algo com o qual eu não queria lidar, não num dia em que me sentia tão bem.
Levantei-me, tentando fazer o menos de barulho possível e dirigi-me à cozinha onde olhei pela janela à procura de algum fotógrafo que ainda estivesse por perto. Felizmente, não me deparei com nenhum e isso alegrou-me, embora o frio ainda mais intenso do que no dia anterior, tivesse retirado um pouco da minha boa disposição. Fui até à casa de banho, tomei um duche rápido e voltei a vestir um conjunto prático mas mais elaborado do que o do dia anterior. Vesti uns skinny jeans, umas botas estilo cavaleiro já um pouco velhas, uma camisola de alças básica e, por cima, um casaco de malha grossa com padrão de inverno, extremamente adequado para usar em Londres. 
Penteei o cabelo mas decidi deixar seca-lo ao natural e limitei-me apenas a passar um creme hidratante na cara pois não era adepta de maquilhagens e sempre que surgia oportunidade gostava de deixar a minha pele respirar ao máximo. Voltei a entrar no quarto, desta vez para colocar as minhas coisas básicas dentro da minha mala mas o latido desesperado de Sasha por ir à rua acabou por despertar John, que acordou alarmado.

- O que é que se passa? – Ele sentou-se imediatamente na cama, esfregando os olhos.

- Desculpa, John… - Coloquei a mala ao ombro – Vou levar a Sasha a passear e depois vou ao supermercado comprar o que é preciso. Queres alguma coisa?

- Nem pensar que vais sozinha! – Ele levantou-se, ajeitando os boxers e dirigiu-se à casa de banho – Eu vou contigo, dá-me só dois minutos.

Anuí e dirigi-me à sala, sentando-me no sofá com Sasha do meu lado, completamente eufórica com sua ida à rua. Não foi preciso esperar nem dois minutos para John aparecer, devidamente vestido, com uns jeans, uma camisa branca e um casaco azul-escuro com capuz, aquele que ele quase sempre usava. Como era óbvio, os homens não têm nem metade dos cuidados que nós temos. Basta-lhes vestirem qualquer coisa e estão prontos para sair. Às vezes, quem me dera ser assim - ou poder ser assim.

- Vamos? – Levantei-me, prendendo Sasha pela trela e ele seguiu atrás de mim, apagando as luzes e fechando a porta.

Passeámos Sasha juntos durante cerca de cinco minutos, à volta do quarteirão, tentando passar despercebidos. Foi o tempo necessário para ela fazer todas as suas necessidades e ainda farejar um pouco. Entramos no carro e seguimos caminho para o supermercado do centro, onde sabíamos haver cobertores, lenha e todo o tipo de alimentos que precisássemos para o resto dos dias que iríamos ficar em Londres.
A viagem foi rápida, feita sem qualquer tipo de percalço e, ao chegar, estacionámos no parque de estacionamento do grande armazém, esperando que não fossemos apanhados por algum curioso, ou pior ainda, por algum fotógrafo. Saímos do carro de óculos de sol postos e deixamos Sasha no carro, com os vidros um pouco abertos para que entrasse algum ar. Assim que entrámos no estabelecimento deparamo-nos logo com uma imensidão de secções e olhamos um para o outro, pois nenhum de nós estava habituado a fazer compras em sítios tão grandes e com tanta variedade de produtos. Decidimos começar pela secção das frutas, onde recolhemos algumas maçãs, um ananás e uma caixa de morangos. Seguimos para a secção do talho, onde John pediu a carne que ele achava suficiente para o resto dos dias (eu não percebia nada acerca do assunto) e enquanto ele fazia isso, afastei-me um pouco para procurar algum condimento, que devia estar em alguma secção ali próxima.

- Oh não mamã, é a Maria Adams da Seventeen!

Uma menina, que deveria ter os seus dez, onze anos, aproximou-se de mim, arrastando a mãe consigo. Pela sua conversa, claramente tinha comprado a revista da Seventeen de há dois meses atrás, a qual eu tinha feito capa. A menina loira, pálida e completamente amorosa, chegou perto de mim, com um sorriso enternecedor nos lábios.

- Maria, podes dar-me um autógrafo?

A menina parecia envergonhada e ao olhar para a sua mãe, pude reparar que a senhora estava igualmente embaraçada com a atitude imprevisível da criança.

- Claro, linda! – Esbocei um sorriso sincero pois realmente gostava quando era interpelada por crianças. Elas eram sempre tão puras e afectuosas, que dava gosto travar contacto com elas – Arranjas-me um papel?

- Mamã, mamã! – A menina deu uma cotovelada na mãe, que pelos vistos, não fazia ideia de quem eu era – Tira o teu bloco da mala.

A mãe começou a vasculhar na sua mala, visivelmente apressada e isso foi o tempo necessário para que John aparecesse, já com o carrinho abastecido com a carne e o peixe que acordámos em comprar.

- Então? – Ele chegou perto de mim, enquanto a menina ajudava a mãe a descobrir o bloco de notas.

- A menina reconheceu-me – Apontei para a criança – Quer um autógrafo.

Ele sorriu, divertido com a situação.
Quando a menina e a mãe finalmente descobriram o bloco, ela dirigiu-se a mim, passando-o para as minhas mãos. Agachei-me um pouco, de forma a ficar da mesma altura dela.

- Como te chamas?

- Eve! – Os olhos dela brilharam ao pronunciar o seu lindo nome.

- Eve? Que nome tão bonito! – Peguei na caneta e escrevi-lhe uma breve frase, assinando o meu nome em seguida – Toma! – Passei-lhe o bloco para as mãos sob o olhar atento de John e da mãe da menina.

- Oh obrigada Maria – Sem qualquer aviso prévio, a menina precipitou-se nos meus braços, envolvendo o meu pescoço e fazendo-me retribuir aquele gesto carinhoso. Afaguei-lhe os leves cabelos loiros com ternura, ao mesmo tempo que encarava a mãe da menina, que parecia bastante enternecida, como se eu tivesse acabado de realizar uma fantasia, um sonho.

Assim que a menina me largou, correu até à sua mãe e abraçou-lhe as pernas, encostando a sua cabeça nas coxas dela. A senhora procurou desculpar-se por o incómodo e depois de mostrar a minha despreocupação em relação ao assunto, elas continuaram o seu caminho, desaparecendo no final da secção.
John olhou para mim, contraindo os lábios para que não desatasse a rir.

- O que é? – Franzi o sobrolho, à espera de uma resposta.

- Nada, nada! – Ele empurrou o carrinho, obrigando-me a seguir atrás dele – Foste tão querida!

- Ai John… - Abanei a cabeça, fazendo-lhe sinal para que ele não fosse por aquele caminho de provocação e gozo – Pela tua informação, eu adoro crianças.

- Eu também! – Os nossos olhares cruzaram-se e pude ver que ele estava a ser sincero – Eu achei mesmo que foste uma querida.

Limitei-me a anuir pois não sabia como prolongar aquela conversa, apesar de me interessar. Parámos na secção das coisas da casa, onde encontrámos alguns cobertores quentes e também umas quantas esponjas para o banho e depois seguimos para a parte dos exteriores, onde compramos umas quantas saquetas de lenha, acompanhadas de combustíveis de lume para a fazer fluir mais facilmente. Dirigimo-nos à caixa quando achámos que já tínhamos tudo o que era necessário e foi no caminho para o carro que nos deparamos com o nosso pior pesadelo.

- Maria!

Quatro fotógrafos esperavam perto do meu carro e quando nos viram sair juntos do supermercado, dirigiram-se a passos largos para nos alcançarem. John colocou-se automaticamente à minha frente, criando como um escudo de protecção para que eles não se pudessem aproximar de mim.

- Maria, será possível prestar-nos umas declarações?

Os homens começaram a disparar os seus flashes, obrigando-me a baixar a cabeça para que não apanhassem uma boa fotografia.

- Ela não está disponível para prestar declarações – Ele colocou os braços como forma de intercepção, para que eles não se pudessem chegar perto de mim – E por favor, parem de tirar fotografias!

- Vocês estão juntos? – Um segundo homem, que até então se tinha mantido calado, disparou aquela pergunta, apanhando-nos desprevenidos.

John apressou o passo, carregando os sacos com os seus braços musculados que não paravam de se mexer e assim que chegámos ao carro, abriu-me a porta para que entrasse, colocando os sacos aos meus pés e dando a volta ao carro, enfrentando a imensidão de flashes e entrando para o lugar do condutor. Colocou os óculos de sol e ligou a ignição, na esperança de que eles se afastassem do caminho do carro. Ao ver que eles continuavam entretidos a tirar as suas fotografias, John apitou não uma, nem duas, mas uma grande quantidade de vezes, antes de perder a paciência e arrancar com o carro, por pouco não passando por cima deles.

- Meu Deus, isto é de doidos!

- Eu já estou tão habituada que já nem ligo – Também eu pus os óculos de sol, à medida que ajeitava os sacos no chão.

- Não sei como aguentas com isto! – Ele continuou a reclamar, sem nunca tirar os olhos da estrada.

- John, faz parte da profissão… E já somos namorados outra vez! – Disse isso sem pensar, sem qualquer tipo de maldade ou de desafio e, acompanhando, soltei um riso divertido, ao pensar no assunto.

- Achas piada a isso? – Pela primeira vez desde que tínhamos entrado no carro, ele tirou os olhos da estrada e encarou-me – O teu pai não vai achar piada nenhuma!

- John… O meu pai não controla a minha vida! E acho piada sim. Acho piada porque isso nunca vai ser verdade, é uma brincadeira. Não sei porque levas estas coisas tão a sério!

- Se calhar porque essas coisas não são para se brincar… - O seu tom de voz subiu consideravelmente, o que activou o meu sistema de alarme de discussões.

- Se calhar devias pegar nas tuas coisas e ir para um hotel! Aliás, se não queres ser visto comigo, nem ser abordado com perguntas desse tipo, nem sequer devias exercer a tua profissão! Nem sei porque é que o meu pai te escolheu – Agora que tinha percebido que a conversa tinha azedado, era impossível para mim não explodir, como tal, tive de dizer tudo o que sentia naquele momento, mesmo que isso não correspondesse à verdade.

Ele fez uma travagem brusca num semáforo vermelho, deixando-me um tanto ou quanto assustada, pois não estava nada à espera.

- Tu deves mesmo precisar de atenção a toda a hora, não é? – Ele encarou-me, enquanto esperávamos pela mudança da cor do sinal – O teu problema para começares com essas coisas de criança irritante é porque não deves ter tido atenção suficiente… Não sei, de um namorado talvez. Isto se já tiveste algum!

O semáforo mudou de cor e ele arrancou imediatamente. O seu último comentário deixou-me inerte e sem qualquer tipo de reacção. Ao que parecia, ele sabia como acertar em cheio nos meus pontos fracos e deitar-me abaixo por completo. Ao longo de toda a minha carreira me tinha empenhado em manter a minha postura firme, intransponível para combater todas as invejas, todos os gozos, todas as críticas e julgamentos mas John deixava-me indefesa, fraca, sem capacidade de resposta, apenas com o coração mirrado e uma tristeza que aumentava gradualmente e que acabaria por se apoderar de mim e da minha frágil capacidade de resistência às suas investidas bem sucedidas de me atingirem. Abri o vidro, apesar do frio e meti a minha cabeça de fora, para que todo aquele vento e todo aquele ar secasse qualquer vestígio molhado que pudesse eclodir dos meus olhos.
**

Ao chegarmos, precipitei-me para o quarto e lancei-me para cima da cama, enterrando a minha cabeça na almofada, na noite anterior utilizada por John. Não conseguia tirar da minha cabeça as palavras dele, ditas com o único propósito de me afectarem mas consegui manter-me forte e reprimir as minhas lágrimas. Sasha seguiu atrás de mim e subiu para cima da cama, aninhando-se ao meu lado e lambendo-me o braço, como que pressentido que algo estava mal. Passei o meu braço por cima do seu corpo felpudo e acariciei-a, lembrando-me do quanto ela significava para mim.

- Oh linda… Só tu é que me compreendes!

Ela deu-me uma lambidela na boca, fazendo-me sorrir.

- Quem será este homem, ahn? – Sussurrei, procurando uma resposta no meu íntimo. 

E foi então que assomou à minha memória, a ficha pessoal que tinha mandado Meg “roubar” no dia anterior dos ficheiros de Hugh e enviar-me juntamente com o carro e os vestidos. Levantei-me automaticamente e corri ao armário, onde tinha guardado a ficha, disposta a vasculhá-la naquele exacto momento.

- Posso?

A voz de John fez-me recuar e pousei a ficha no sítio, tentando manter-me o mais dissimulada que consegui.

- Nunca te ensinaram a bater? – Fechei a porta do armário e voltei para o conforto da cama.

- Precisamos de falar! – Ele sentou-se à beira da cama, procurando a todo o custo manter contacto visual comigo.

- John, não temos nada para falar! – Para evitar olha-lo, concentrei-me em Sasha e comecei a fazer-lhe festas novamente – Já dissemos tudo o que tínhamos a dizer um ao outro.

- Tu tiras-me do sério, sabes? – Ele apoiou o braço na sua perna e apoiou o seu queixo na sua mão, virando a cabeça para mim – E às vezes digo coisas que não quero. 

Anuí, sem conseguir encará-lo.

- Tudo bem! – Esbocei um sorriso penoso – Nós nunca nos demos bem, por isso…

- Sim, mas não é isso… Não devia ter tocado em assuntos pessoais, muito menos daquela forma. Desculpa! Não vai voltar a acontecer.

Voltei a anuir, ainda sem encará-lo mas sabia que tudo o que ele estava a dizer era sentido.

- Depois daquele beijo já não dá para sermos profissionais… - Ele quebrou o silêncio e falou de olhos postos na parede, como que desabafando – Achas que não custa passar o dia inteiro contigo e ter de agir como se nunca tivesse acontecido nada?

A sua confissão fez-me olhá-lo, surpreendida com o rumo que a nossa conversa estava a tomar.

- Não fui eu que te beijei… - Os seus olhos azuis estavam lívidos e denotavam uma certa carga de lamurio e de culpa.

- Eu não disse o contrário… - Ele esfregou a cara, dando tempo para puder processar as palavras – Só acho que não há condições para continuarmos a trabalhar juntos!

- Por favor John, não me vais voltar a falar de demissão, pois não?

- Achas que isto vai resultar? – Ele levantou-se da cama bruscamente, assumindo uma posição austera à minha frente. Aquela situação demonstrou um John bem mais inseguro e confuso do que aquilo que eu pensava – Agora sempre que falamos levamos as coisas para o lado pessoal! Até já dormimos juntos! – Ele olhou para a cama e esboçou um sorriso de escárnio, o que deu para notar a sua insatisfação em relação ao seu trabalho.

Levantei-me também e assumi uma posição ao lado dele, pois estava a sufocar-me ver que ele não estava bem com aquela situação, nem estava a saber lidar bem com ela.

- John, as coisas podem ser bem mais simples do que aquilo que tu pensas! – Na minha cabeça, tentei engendrar uma solução, uma alternativa que pudesse discutir com ele para que tudo ficasse bem e para que ele não se sentisse atormentado com nada – Aquele beijo não significou nada, nem a noite em que dormimos juntos! – Contorci-me por dentro por estar a dizer tamanha mentira, mas por vezes uma mentira era a coisa certa a fazer para solucionar ou, pelo menos, tentar apaziguar as coisas – Nós só temos de fazer um esforço por não chocarmos tanto! Temos de aprender a conviver um com o outro…

Ele olhou-me e abanou a cabeça, afastando-se um pouco de mim.

- Eu vou já ligar ao teu pai!

Ele dirigiu-se à porta mas consegui puxa-lo por um braço e intercepta-lo, antes que ele cometesse o grande erro de se demitir. Corri para a porta e fechei-a, metendo-me no caminho entre ele e a saída.

- Estás parvo? – Agora já não conseguia manter-me serena. Tive de adoptar uma postura mais séria para que John percebesse que aquilo era grave – Pára com isso! Falas de mim e chamas-me criança e olha agora! A criança está a saber lidar bem melhor com a situação do que tu… Não sejas cobarde e não fujas das coisas! Criámos esta situação e agora é nosso dever resolve-la! Eu não quero que tu te vás embora – E ao dizer esta última frase, não consegui evitar abrir os olhos em sinal de decisão e de determinação.

- E porque é que não queres? – Ele vagueou durante uns instantes para trás e para a frente mas acabou por sentar-se novamente à berma da cama.

- Porque, apesar de tudo, eu… - Hesitei pois não sabia o que dizer ou como o dizer. Eu queria dizer-lhe como me sentia mas isso só ia confundi-lo ainda mais e só ia piorar as coisas, para não falar de que ia relançar a chama daquele beijo assombrado que devia ser eliminado de vez das nossas vidas – Confio em ti!

- Só isso? – Os seus olhos azuis lívidos voltaram a penetrar nos meus com tal intensidade que me vi completamente encurralada.

- Só! – Desta vez fui eu que tentei abrir a porta para sair e poupar-me a perguntas constrangedoras, mas John puxou-me por um braço e obrigou-me a sentar-me bem ao lado dele, na cama onde Sasha dormia profundamente.

- Tu não estás a falar verdade! – Tentei evitar contacto visual mas John puxou o meu queixo para cima cuidadosamente e fui coagida a olha-lo.

- Nunca fui tão verdadeira… - Mesmo nos olhos dele, não me coibi de lhe mentir, contando que isso fosse para o nosso bem, ou mesmo para o meu interesse.

John sorriu e os meus olhos acabaram por me trair, quando dei por mim a percorrer cada recanto do seu rosto até chegar à boca, onde admirei o contorno dos seus lábios, imaginando se algum dia voltaria a senti-los. Na minha barriga, um remoinho de borboletas tomou conta do meu corpo e à medida que sentia a respiração dele mais próxima e o seu hálito a menta fresca cada vez mais perto, tudo o que queria era que o meu desejo se concretizasse, tão rápido que nem me desse tempo para respirar. 

- Olha para mim e volta a dizer-me isso.

Voltei a olha-lo, desta vez num outro tipo de clima, mais tenso e mais revelador – mais perigoso, por sinal – e não consegui dize-lo. Não consegui pois sabia que estava a mentir com todos os dentes que tinha na boca e por sentir, dentro de mim, que nós estávamos tão perto…

- Diz-me que não tens sentimentos por mim e eu nunca mais volto a tocar neste assunto.

Aquela chantagem psicológica arrasou-me, pois tinha sido apanhada de surpresa com o seu timing. Estávamos ali, a escassos centímetros um do outro e ele estava constantemente a pôr-me numa posição delicada, numa posição que me poderia comprometer caso aquilo não desse em nada.

- É melhor não irmos por aí… - Falei pausadamente, voltando a pousar os meus olhos na sua boca – Ambos sabemos que não é correcto.

- Não é correcto sentir-me atraído por ti? – A sua pergunta atingiu o meu coração que nem uma bomba. Olhei-o, enternecida, com toda a esperança estampada no meu rosto, esperança de que, finalmente, parássemos de fugir do que sentíamos devido às normas e regras pelas quais nos regíamos. Ele pegou numa mecha do meu cabelo rebelde e colocou-a atrás da minha orelha, antes de se voltar a dirigir a mim – Eu não aguento mais isto!

E, de repente, caí em mim. Caí em mim e percebi que estávamos a cometer um erro grosseiro, um erro que nos iria perseguir para o resto das nossas vidas. Não era correcto um segurança pessoal sentir-se atraído pela pessoa que protegia. Não era correcto haver qualquer tipo de contacto físico entre as partes pois tudo o que deveria ser mantido era uma relação estritamente profissional. Não era correcto para nós nem para as pessoas à nossa volta, desobedecermos a uma princípio que desde sempre nos deveria ter sido incutido. Eu sou um poço de contradições, os meus sentimentos e emoções são um poço de misturas confusas e intermináveis e o facto de eu pensar demais faz com que nunca consiga chegar a um consenso comigo própria. Isto porque a minha cabeça diz uma coisa e o meu coração quer outra completamente diferente mas como, desde sempre, fui obrigada a reprimir as minhas emoções e os meus sentimentos, a minha cabeça é o chefe de todo o meu ser. E a minha cabeça não achava isto correcto.

- Não, John! – Pousei a minha mão no seu peito de forma a afasta-lo e completei esse afastamento levanto-me e mantendo-me distante – Isto não está certo!

Ele olhou para mim, confuso.

- Não está certo?

- Não John, não está certo porque nós não nos podemos apaixonar! É errado! – Encolhi os ombros e deixei cair os meus braços sobre as ancas – Tu és meu segurança… E embora sejas incrivelmente lindo… – E ao dizer isto, não fui capaz de deixar escapar um sorriso tímido – Eu mal te conheço! Eu não sei nada sobre ti. Desde que nos conhecemos tu não me deste quaisquer tipos de pistas sobre quem tu és. Tudo o que vejo quando olho para ti é uma pessoa misteriosa que parece ter mais a esconder do que aquilo que aparenta. E eu não deveria sentir-me assim na tua presença, ainda para mais estando a gostar cada vez mais de ti… - Parei um pouco para recuperar o fôlego, sem nunca tirar os olhos dele - Desde que nos beijamos que não consigo parar de pensar em ti… Mas é errado! E eu não quero sentir-me mal comigo própria.

Ele ficou a fitar-me, inexpressivo, durante uns instantes, como que assimilando as palavras duras e sentidas que tinha acabado de proferir. O meu coração batia descompassado mas eu ainda não tinha caído em mim e percebido que talvez aquela não tivesse sido a melhor abordagem.
**

Tomei um duche relaxante, que serviu para pensar em tudo o que se estava a passar à minha volta. Não tinha falado com John desde a nossa conversa no quarto e estava a tentar evitá-lo a todo o custo. Isto porque não queria encará-lo e sobretudo porque não queria sentir os remorsos e o arrependimento que advinham da minha mentira. Afinal, pior do que mentir aos outros, é mentir a nós próprios.
Estiquei o cabelo o melhor que pude, tendo em conta que queria ir minimamente apresentável para a gala, maquilhei-me levemente, com tons sóbrios e claros e depois apliquei creme hidratante em todo o corpo pois a minha pele é extremamente seca e um único dia sem aplicação de creme gordo significa o seu rachar e descamar. Abri a porta em direcção ao quarto, certificando-me de que John não estava por perto, e apressei-me a vestir o vestido verde com pequenas lantejoulas que era do meu agrado, mas sobretudo, que era do agrado de John. Calcei os meus sapatos pretos compensados favoritos, da marca Yves Saint Laurent e coloquei os meus pertences indispensáveis na pequena mala de mão que Olivia tinha mandado. 

Ao retirar a mala de dentro do guarda-roupa, os papéis que continham as informações pessoais de John espalharam-se pelo chão, despertando em mim a vontade adormecida de lhes dar uma vista de olhos e confirmar aquele burburinho de desconfiança que tinha em mim desde a última chamada que ele tinha feito e que por interesse eu tinha ouvido. Olhei para o despertador que jazia em cima da mesa-de-cabeceira e deparei-me com um cenário favorável para iniciar a minha pesquisa: faltava cerca de cinquenta minutos para estar em Picadilly Circus, que era relativamente perto do sítio onde nos encontrávamos. Amontoei as folhas que tinham caído e sentei-me no sofá, num misto de medo de ser apanhada e de adrenalina por estar a tentar esconder tudo aquilo. Comecei a lê-las, expectante com o que iria descobrir, mas à primeira vista tudo parecia combinar. O nome não apresentava nada de errado, nem as qualificações, nem mesmo a data de nascimento… Lembrava-me de, em Paris, ele me ter dito a sua idade. Vinte e um anos. Voltei a olhar novamente para a data de nascimento e foi aí que me sobressaltei. A data de nascimento presente no papel apresentava um John com mais três anos de idade que aquilo que ele tinha afirmado ter! Apresentava um John com vinte e quatro anos e não com vinte e um, como ele tinha dito. Não era motivo de grande choque mas acabou por o ser para mim, que não esperava encontrar discrepâncias na sua ficha em relação àquilo que conhecia dele. Então que idade teria ele? Abstrai-me um pouco desse assunto e continuei a vasculhar a ficha, lendo com muita atenção cada requerimento. Fiquei a saber que ele não tem pai e que a única pessoa conhecida na sua família é a mãe, Violet Donovan, actualmente a residir em paradeiro desconhecido. Fiquei a saber, igualmente, que ele concluiu o secundário com notas de excelência na área das Ciências Tecnológicas. E cada requerimento que li a mais, mais vontade tinha de continuar a ler. Pensava em como era bom e satisfatório ficar a conhecer mais sobre ele, nem que fosse pela leitura de um simples papel com a categoria de confidencial.

- Temos de ir… - Ele entrou de repente, sobressaltando-me e obrigando-me a esconder os papéis atrás das costas, num acto impensado pois não calculei que aquela atitude era o que dava mais nas vistas no meio de tudo.

- O que é que tens aí? – Ele estancou, olhando para mim com ar inquiridor.

- Nada! – Tentei relaxar, colocando os papéis novamente à minha frente – Apenas uns papéis que a Meg me enviou.

- Ai sim? – Ele aproximou-se, ficando a uma distância suficientemente pequena para conseguir ler o que lá dizia.

- Sim! – Levantei-me, com o coração a mil, na iminência de ser descoberta.

- Maria! – Ele puxou-me pelo braço, obrigando-me a virar-me para ele e encara-lo – Isso é o que eu penso que é?

Abanei a cabeça, tentando engendrar um plano à pressão que me livrasse daquela situação.

- São só uns papéis…

- Sobre o quê, então? – O seu olhar fez uma pressão brutal sobre o meu, obrigando-me a baixar a cabeça para não ter de olha-lo nos olhos.

- Sobre a sessão de amanhã!

O seu braço circundou a minha cintura e apanhou os papéis que escondia atrás das minhas costas. Podia reagir e lutar contra a sua intromissão, mas isso agravaria a minha situação, por si só irremediavelmente errada. Ele percorreu as folhas com um olhar magoado, sem tentar esconder o seu incómodo e os seus maxilares contraíram-se em sinal de fúria. Sem conseguir fitar-me, ele falou pausadamente, tentando a todo o custo controlar a raiva que estava prestes a rebentar.

- O que é isto? 

Primeiro de tudo, quero pedir desculpa pelo tempo que demorei a postar e quero também avisar os meus leitores de que não sei quando poderei postar um novo capítulo, pois ainda não comecei a escrevê-lo. 
Depois quero agradecer pelos comentários que me têm deixado e que me têm incentivado muito a continuar. Quero também dizer que qualquer comentário de crítica construtiva é bem vindo assim como o é qualquer hipótese de divulgação do blog.
Muito obrigado por tudo.
Maria * 

3 comentários:

  1. gostei mesmo muitooo :)
    estou muito curiosa para saber o que vai acontecer no proximo capitulo !!!!

    beijinhos :D

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  2. Ai estes dois não se resolvem :O
    Ele não se pode demitir
    Estou super curiosa para saber o que vai acontecer depois de ele ter descoberto...
    Estou a adorar querida, fico presa a esta fic, e não consigo me ir embora sem ler o capítulo todo *.*
    Além de já o ter na minha barra lateral, vou fazer um post para a divulgar. Merece bem ser mais conhecido :D
    Beijinho,
    Ana Sousa

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  3. Gosh, quando leio assim capítulos destes parece que me dá algo :D
    Está tão bom, e escreves mesmo!
    E até agora não tenho nenhuma crítica a ser feita, quando tiver alguma eu digo (:
    Continua!
    Beijo!

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