sexta-feira, 23 de março de 2012

XIII

Olhei para ele, baixando o olhar de seguida, ao perceber que não tinha por onde escapar.

- Maria? – Ele agarrou o papel com tanta força que acabou por amarrota-lo – Explica-me o que é isto!

- É a tua ficha… - Disse, baixinho, quase num murmúrio.

-E o que é que tu estás a fazer com a minha ficha?

- Estava a ver… - Ao ver que ele continuava a amarrota-la e temendo que alguma folha se rasgasse, aproximei-me e tentei tirar-lhas das mãos, mas em vão – Dá-me isso, John, vais acabar por estraga-las!

- Quem te deu isto? – Ele colocou a ficha atrás das costas, para que eu não conseguisse chegar até ela.

- John isso não interessa. Dá-me a ficha, por favor! – Voltei a investir de forma a conseguir tê-las novamente em minha posse mas ele agarrou-me pelo ombro de tal maneira que nem consegui dar um único passo em frente que fosse.

- Tu não vais sair daqui enquanto não me explicares isto!

Inspirei fundo, ganhando coragem para começar a falar sobre o assunto. A verdade é que sabia que tinha agido mal e sentia-me envergonhada por isso. Não havia mais nada que pudesse falar.

- Fui buscar a tua ficha porque estava desconfiada.

Ele olhou-me, estupefacto com a minha revelação.

- Desconfiada? De mim? – Ele riu-se com menosprezo – O que é que eu fiz que motivasse essa desconfiança? 

- Coisas… - Não me queria alongar muito sobre o assunto pois não queria motivar represálias da sua parte, apesar de saber que as iria ter de uma forma ou de outra – Agora, por favor, dá-me isso!

- Isto é invasão de privacidade, sabias? – Ele lançou as folhas para cima da cama, perdendo-se algumas pelo caminho, que se espalharam pelo chão.

Olhei para ele, incrédula com a sua atitude.

- Eu tenho mãos, ok? Percebo que estejas chateado John… - Agachei-me um pouco de forma a conseguir apanhar algumas folhas – E eu sei que não devia ter feito isto!

- Então porque é que o fizeste? – Ele voltou a rir-se outra vez da mesma forma, como se se recusasse a acreditar que eu alguma vez tinha desconfiado dele.

- Porque não te conheço! – Juntei o amontoado de folhas que tinha recolhido do chão e juntei-as àquelas que estavam em cima da cama – Porque acho muitas das tuas atitudes estranhas e porque tu nunca falas comigo sobre nada, nem ninguém.

- Ah então é tudo uma questão de conhecimento, é isso? Quer dizer, tu vais buscar a minha ficha pessoal confidencial – Acentuou a palavra confidencial, fazendo-me estremecer – sem o meu conhecimento e começas a vasculha-la à procura de mais informações sobre mim? Isto é inacreditável, Maria! Eu passo vinte e quatro sobre vinte e quatro horas contigo e tu nunca me perguntaste nada…

- Nunca te perguntei nada porque tu és uma pessoa inconstante que tanto gosta de falar como gosta de agir como se estivesses sozinho… - Coloquei as folhas dentro da pasta de onde as tinha tirado e voltei a coloca-las dentro do armário. Ele podia ficar chateado comigo mas, ao menos, as fichas estavam intactas.

- E encontraste aí alguma coisa que te esclarecesse?

- Fiquei a saber algumas coisas interessantes, sim – Ajeitei o meu vestido e olhei-me ao espelho para me certificar de que a minha maquilhagem estava incólume.

Ele soltou um riso abafado, abanando a cabeça.

- Tu tens mesmo que idade? Eu juro que nunca vi ninguém agir assim.

- E tu, tens que idade? – Olhei para ele, determinada a fazer-lhe pressão e a apreender qualquer atitude que pudesse denunciar que ele estava a mentir.

- Eu já te disse. Tenho 21 anos!

- Vinte e um e mais uns quantos, não?

Ele pareceu-me confuso, como se não estivesse a perceber a minha conversa.

- Na tua ficha diz que tu tens vinte e cinco anos! Estranho, não achas? – Observei-o a correr para o armário e retirar de lá a ficha, dando-lhe uma vista de olhos – Depois de ver isso, como querias que não estivesse desconfiada?

- Só pode haver um erro – Ele manteve-se sereno enquanto voltava a colocar a ficha na pasta – Eu tenho vinte e um anos.

- É um pouco estranho a tua empresa ter-se enganado na inscrição da tua ficha, não achas? Normalmente essas coisas são vistas e revistas vezes sem conta. E se tu tivesses vinte e um anos como dizes, o meu pai nunca te teria contratado…

- Porque sou demasiado novo? – Ele riu-se mas desta vez não consegui descodificar porque o fazia – É uma questão de me dares a ficha que eu tentarei emendá-la. Aliás, posso já entrar em contacto com a minha agência.

- Não, John – Peguei na pasta e voltei a coloca-la dentro do armário – Eu realmente não estou com paciência para pensar nestes assuntos agora. Eu tenho uma gala à qual tenho de ir!

Saí do quarto, esperando ser seguida por ele, que me iria escoltar, mas ele demorou a sair.

- Estou à tua espera! – Gritei, do lado da porta, preparando-me para abri-la.

- A chave está em cima da mesa! – Ele apareceu à porta do quarto, em tronco nu, proporcionando-me uma visão fantástica – Eu não vou, estou cansado e prefiro ir ver um filme e depois ir dormir!

“O quê?”. Fitei-o durante uns instantes, mostrando todo o meu cepticismo em relação àquela situação. Percebia que ele estivesse chateado, tinha todo o direito de o estar mas eu também já me tinha mostrado arrependida e disposta a não tocar mais no assunto. Uma coisa era os nossos problemas pessoais, outra completamente diferente era a nossa relação profissional. E, pelos vistos, nós não sabíamos conjugar estes dois factores.

- Tu não podes fazer isto!

Ele revirou os olhos, voltando a entrar no quarto.

- Tu também não podias ter acesso à minha ficha, pois não? – Ouvi o som do colchão e percebi que ele tinha acabado de se deitar – Aposto que o teu pai não ia gostar de saber que a Meg te anda a fornecer estas informações.

Após esta chantagem, fiquei completamente chocada. Já não sabia se havia de exigir-lhe que me acompanhasse, se devia ir ou se simplesmente me devia deixar ficar. Já não sabia no que nos estávamos a tornar. Não sabia que tipo de relação tínhamos, não sabia quem ele era e já quase nem me reconhecia a mim própria, alguém com tantas teorias e tantas criações misteriosas que tinha acabado por invadir a privacidade de alguém, mesmo sabendo que isso é a coisa mais detestável que pode existir. Peguei na chave, pensando duas vezes se aquilo seria a coisa certa a fazer e saí, com os olhos postos no chão e o coração num estado lastimável.
**

Nessa manhã acordei no sofá, onde me tinha deitado na noite anterior, com duas camadas de roupa e um roupão por cima para que não tivesse frio, mas em vão, pois a minha noite foi feita de um sono descontínuo e irregular. A noite tinha sido bem passada, dentro dos possíveis, mas acabei por chegar relativamente cedo a casa (eram 2h da manhã). No entanto, nem sequer me dirigi ao meu quarto, onde sabia que John dormia, acompanhado de Sasha.
Olhei em volta, procurando algum sinal de John ou de Sasha, mas a casa estava silenciosa. Espreguicei-me, esticando as costas que começavam a dar sinal de cansaço fruto das posições em que dormia, e levantei-me, pé ante pé, para que não acordasse a pessoa mais indesejável naquela altura. Fui até à janela, onde me deparei com um dia solarengo e aparentemente ameno e dirigi-me até ao quarto, já com um conjunto escolhido à pressa dobrado nos meus braços. A porta estava escancarada e John parecia dormir profundamente, o que me tranquilizou para que passasse para a casa de banho o mais serenamente possível. Tomei um duche quente, relaxado e depois de fazer todos os procedimentos de cuidados do corpo que me eram normais, vesti a roupa que tinha escolhido e penteei o cabelo, com a ideia de deixa-lo secar-se ao natural. Voltei à sala e tirei de dentro da mala uma mala bordô, onde coloquei as minhas coisas essenciais, incluindo algum dinheiro que me permitisse tomar um bom pequeno-almoço.
Saí de casa sem olhar para trás e dirigi-me até ao carro, arrastando as minhas sabrinas Chanel pretas pelo chão ladrilhado. 
Dirigi-me até ao centro de Londres e parei junto a uma pastelaria chamada London Boulevard. Nunca tinha lá estado mas pareceu-me apresentável. Entrei e deparei-me com um espaço largo, com paredes de azulejo coloridas, em tons claros e sobretudo femininos (amarelos, rosas, vermelhos). O balcão era todo de vidro, que dava para visualizar todas as iguarias e todos os doces, o que me deixou imediatamente de água na boca. As mesas eram quadradas e os bancos eram contínuos e almofadados, também eles em vários tons, o que contrastava na perfeição com o chão preto de mármore. Estavam algumas pessoas sentadas, que pareceram não notar a minha presença, ou se notaram não o demonstraram, continuando a tomar o seu pequeno-almoço calmamente e sem alvoroço. Sentei-me numa mesa ao perceber que havia serviço de mesa e esperei que alguém me viesse atender, enquanto tirava o telemóvel para fora e começava a escrever uma mensagem para Mikki, com quem já não falava há algum tempo. 

- Bom dia! – Um rapaz alto, que envergava um avental preto, chegou junto de mim com um bloco de notas na mão e um sotaque inglês incrivelmente sexy – Em que posso ajuda-la?

Vasculhei o menu à pressa e acabei por me decidir por um galão e uma torrada acompanhada de um saquinho de macarrons.

- É para já!

Ele ausentou-se, esboçando um sorriso cordial. Não pude deixar de reparar na sua beleza: era moreno, de olhos escuros, com a barba por aparar e vestia-se de forma tipicamente inglesa, tal Robert Pattinson, que estava na moda. Mikki iria desmanchar-se se estivesse ali, ela que adorava ingleses e, sobretudo, adorava Londres. Ao lembrar-me disto, não pude evitar esboçar um sorriso, que tanto tinha de divertimento como de saudade. Enviei-lhe uma mensagem rápida, apenas com um “Bom dia! Estou em Londres, num café e o empregado de mesa é tão giro. E adivinha? Tem sotaque inglês serrado! Ihih. Xoxo”.
Ele não tardou a chegar. Trazia tudo numa bandeja, devidamente organizada e pousou as coisas em cima da mesa com a maior delicadeza que lhe foi possível. Os ingleses eram conhecidos por serem verdadeiros gentlemen e eu precisava tanto disso!

- Vai desejar mais alguma coisa?

Abanei a cabeça mas assim que pousei o olhar nos macarrons, mudei de ideias.

- Traga-me mais uma caixa de macarrons, por favor. Para levar!

Ele anuiu, novamente bastante simpático.
Não pude deixar de pensar em John naquele momento, pois sabia que ele também era admirador de uns bons macarrons. Não consegui evitar sentir-me mal comigo própria ao perceber que, para onde quer eu fosse, ele seria sempre um elemento presente no meu pensamento. E isso, claramente, não é um bom sinal.
Coloquei duas saquetas de açúcar no meu galão e mexi, dando-lhe depois um leve trago, pois ainda estava um pouco quente. A torrada estava barrada com manteiga de alto a baixo e eu gostava disso: gostava de torradas, tostas, de pão em geral que tivesse muita manteiga. Dei uma trinca na torrada, deliciando-me. Estava, realmente muito bom.

“A drop in the ocean, a change in the weather…”

O telemóvel começou a vibrar e a tocar em cima da mesa, sobressaltando-me. Olhei para o visor e deparei-me com o nome de John. Hesitei um pouco, tentando mostrar-me forte mas acabei por atender porque, acima de tudo, não queria preocupa-lo.

- Maria! Onde é que estás? – Ele pareceu-me furioso e isso fez-me sorrir por dentro.

- Estou a tomar o pequeno-almoço…

- Onde?

- Olha, em Londres! – Tive de pôr a mão à frente da boca para não me desmanchar a rir. Sabia, mesmo não estando com ele, que ele estava exasperado.

- Deixa-te de brincadeiras! Estás onde? Porque é que saíste sem mim?

- Da mesma forma que não vieste comigo ontem, pensei que não tinhas mais de andar atrás de mim enquanto estiver por aqui – Dei mais uma dentada na torrada – Isto é seguro, não te preocupes.

- Diz-me já onde é que estás, senão vou ver-me obrigado a ligar para o teu pai – Ele tentou a sua última cartada: a chantagem psicológica. Sabia que ele estava desesperado para fazer aquilo mas também sabia que, no que toca a chantagens, ele pode ser considerado perigoso.

- Estou no centro de Londres, numa pastelaria chamada London Boulevard…

Do outro lado só ouvi um “piiiii” agudo. Sabia que ia ouvir quando ele chegasse perto de mim mas isso também não me preocupava. John não é meu pai, não é meu irmão e nem sequer é meu amigo, por isso, não havia nada a temer em relação a ele. A nossa ligação estava por um fio, por uma unha negra… Mas o mais curioso é que sempre esteve assim. E não havia nada que a pudesse melhorar, enquanto não aprendêssemos a lidar um com o outro.

- Aqui estão os seus macarrons… - O rapaz voltou a aproximar-se de mim, com um saco de papel fechado que levava lá dentro os macarrons – Já agora… - Ele parou à minha frente, cruzando as mãos atrás das costas e esboçando um sorriso envergonhado – A minha colega ali – Apontou para uma rapariga loira que servia os cafés – Ela é uma grande admiradora sua mas está com vergonha de vir aqui – E desta vez, ele riu-se, como se aquilo fosse a maior estupidez de sempre – Ela pediu-me para lhe pedir um autografo.

Olhei para a rapariga e depois para ele, que encolheu os ombros, como que se sacrificando por uma coisa de mulheres.

- Pode chama-la aqui! Eu não faço mal…

Ele riu-se e eu acabei por me juntar a ele.

- Laura! – A rapariga olhou para ele e colocou as mãos à frente da cara, embaraçada – Chega aqui!

Aproveitei o compasso de espera para beber mais um trago do meu galão e dar mais uma dentada na minha torrada.

- Nick, não acredito que fizeste isto! – Ela deu uma leve palmada no peito do rapaz e encolheu-se toda, sem nunca me encarar. 

- Então, a senhora disse que não havia problema…

- Ai, não me chamem senhora – Gargalhei timidamente – Eu sou da vossa idade, se calhar até mais nova.

A rapariga continuava nervosa, evitando a todo o custo manter contacto visual e pelo tom avermelhado que as suas bochechas começavam a ganhar pude perceber que estava demasiado envergonhada.

- Podes sentar-te aqui Laura? – Apontei para o banco à minha frente.

Ela olhou para Nick e, ao perceber que não haveria qualquer problema, sentou-se, ainda muito tímida e envergonhada.

- Moras aqui nesta zona? – Tentei iniciar uma conversa informal para que ela não se sentisse mal na minha presença.

- Não, eu sou de Portugal… - Ao perceber que estava na presença de uma compatriota, arregalei os olhos.

- Bem, então nem vale a pena estarmos a falar assim… - Mudei rapidamente o meu discurso, começando a falar em português, que me era bem mais familiar – Que giro! És de que sítio mesmo?

- Lisboa! – Subitamente, ela adoptou uma postura mais confortável perante mim – Quando soube que estavas em Londres, estava mesmo com esperança de te encontrar… - Ela riu-se, como se aquilo fosse um absurdo – Sabes como são as coisas…

- Não te preocupes! Também sou a fã número um do James Franco e nunca o encontrei, apesar de bem tentar fazer isso…

A gargalhada foi geral. A nossa conversa começou a evoluir e, de repente, já sabia que ela estava em Londres a estudar e que trabalhava na pastelaria para conseguir o dinheiro necessário para pagar as propinas da universidade. Sabia que tinha deixado o namorado em Portugal mas que, até agora, a relação à distância estava a funcionar pois, e tal como ela disse “Quando se gosta, cuida-se, nada mais importa”.

- Bem, não fazes ideia de como admiro as pessoas que são capazes de fazer funcionar uma relação assim… Acredita que é algo que eu nunca iria conseguir.

- Também não precisas, vocês passam o dia todo juntos…

Hesitei. “Vocês passam o dia todo juntos?”? Olhei para ela, confusa, esperando que a minha cara interrogativa fosse o suficiente para que ela explicasse o que tinha acabado de dizer.

- Tu e o John, o teu segurança…

- Oh não… - Abanei imediatamente a cabeça, assim que percebi qual era o assunto – Nós não temos nada, a sério. Apenas boatos!

- Mas há sites e revistas que dão a vossa relação como certa… - Ela parecia bastante segura de si e daquilo que estava a dizer, deixando-me ainda mais à toa. Sem Meg por perto, eu vivia isolada da comunicação social.

- Que sites?

Peguei no meu telemóvel, à espera que ela me dissesse o nome das páginas que espalhavam aquela informação enganosa.

- Tantos… Hollywoodlife.com, JustJared!

Há medida que ela ia dizendo aqueles nomes, activei o meu sistema de pesquisa. Encontrei automaticamente o Hollywoodlife.com, um site de fofocas e entretinimento, que continha as últimas informações sobre as estrelas de Hollywood. Fui passando as páginas, ignorando por completo as últimas notícias, até dar com uma foto minha ao lado de John, a passear Sasha. No título dizia “Spotted! Maria Adams dating her bodyguard?”. Pensei em abrir o corpo da notícia para saber o que se dizia por lá, mas acabei por recuar, pois John entrou rompante na pastelaria, tornando impossível não reparar na sua recente presença.

- Nós temos mesmo de falar! – Ele falou baixo, assim que se aproximou da mesa. Mas só depois de ter dito isto é que ele reparou na presença de uma outra pessoa.

Guardei o telemóvel no bolso das calças, esboçando um sorriso cordial a Laura, que se levantou, dando-nos alguma privacidade.

- Podes explicar-me porque é que saíste sem dizer nada? – Ele sentou-se, debruçando-se sobre a mesa, de forma a não dar nas vistas.

- John, a minha cabeça está uma bagunça… - Levei a mão à testa, tal era o meu desespero por tanto acumular de informações falsas e difamadoras – Não estou com disposição para entrar numa discussão contigo.

- O que é que se passa?

- Nós precisamos mesmo de falar, mas não aqui, não agora! – Notei que as pessoas à nossa volta estavam especialmente interessadas na nossa conversa.

Passei-lhe o saco com os macarrons para as mãos e peguei na minha mala, deixando uma quantia elevada de libras em cima da mesa, libras que pagariam o pequeno-almoço e que dariam uma óptima gorjeta. Acenei a Laura e a Nick que nos observavam do lado de dentro do balcão e saí atrás de John, em direcção ao carro, que, felizmente estava estacionado mesmo à saída. Sentei-me no banco e coloquei o cinto de segurança, esperando que começássemos a andar para que eu pudesse começar a falar.

- Parece que estás enjoada! Queres que abra o vidro? – John iniciou o caminho, seguindo extremamente cauteloso.

- Estou bem! – Fui brusca e repentina e pela expressão dele, que eu pude notar pelo canto do olho, ele não parecia estar particularmente paciente.

Andou mais uns metros com o carro mas acabou por para-lo à berma de um passeio numa rua estreita, aparentemente deserta.

- Estás mal disposta?

Ele virou-se de lado no assento e olhou-me com aqueles olhos profundamente azuis.

- Precisas de alguma coisa?

Levei as mãos à cabeça, pois não sabia por onde começar. Desde que ele tinha entrado na minha vida que tudo estava virado do avesso, que agia sem pensar, que sentia culpa e remorsos a todos os minutos e que me sentia angustiada pela nossa relação não ter pernas para andar… Não tinha porque, talvez, a confusão e dúvida fossem mútuas. Ou porque as circunstâncias em que nos encontrávamos não eram as melhores. Mas, alargando o meu pensamento ao íntimo do meu ser, deveria haver algum mérito por lutarmos por algo embora as condições fossem extremamente desfavoráveis. É aí que se o ser humano se supera, arriscando, agindo sem programação, sem planos. O pior de tudo é que a minha cabeça é tão decidida que, daqui a uns momentos, já estará determinada a fazer algo completamente diferente. Essa é a minha essência.

- Não, não preciso de nada, apenas de descansar…

- Dormiste mal? – Embora ele tenha tentado disfarçar, percebi que ele escondia um sorriso um tanto ou quanto divertido.

- O sofá não é propriamente a melhor cama do mundo…

- Hoje trocamos. Até porque o teu pai me ligou e deixou bem claro que precisas de descansar para a sessão fotográfica – Ele voltou a virar-se de frente para o volante e colocou novamente o cinto de segurança, disposto a reiniciar o caminho até Nothing Hill.

- Estás muito simpático hoje… - Como sempre, John contribuía ainda mais para aumentar a minha confusão pois as suas mudanças de humor eram mesmo motivo de dores de cabeça.

- É! Eu percebi que não tenho agido da melhor forma. Nós estamos confusos e estamos a agir de forma estranha um com o outro – Ele olhou para mim durante instantes, talvez para ver qual era a minha reacção – Devíamos começar do zero.

Naquele momento senti-me bastante aliviada por saber que partilhávamos da mesma opinião. Nós precisávamos de começar tudo de novo, como se nunca nada tivesse acontecido. Só assim poderíamos ter uma relação que correspondesse aos parâmetros do que é considerado “normal”.
**

Estávamos a jantar. John tinha cozinhado uns bifes de peru com massa e eu estava completamente deliciada com os seus dotes culinários.

- Queria levar-te a um sítio…

Pousei os talheres com cuidado e olhei-o, curiosa. Seria um convite para sair?

- É mesmo? Onde?

- A um sítio aqui perto. Surrey, conheces?

- Já ouvi falar mas nunca lá fui. Tens família lá?

O jantar decorria com normalidade, num clima ameno e acolhedor, o que não era nada comum.

- Tenho – Ele esboçou um sorriso contagiante, como eu nunca tinha visto nele – A minha avó.

- A sério? – Também eu não fui capaz de segurar um sorriso – Já podias ter dito.

Combinámos que, depois de jantar, íamos visitar a avó de John a Surrey. Aquela revelação deixou-me surpreendida mas significou muito para mim que ele o tivesse dito pois significava que começa a abrir-se mais em relação às suas relações familiares.
Quando acabei de jantar, fui mudar de roupa, vestir algo um pouco mais quente pois a noite começava a arrefecer. Aproveitei que esta em solo desconhecido, onde as pessoas praticamente não me perturbavam e vesti uma roupa descontraída, daquelas que eu certamente usaria caso não fosse uma figura pública e não tivesse de seguir os padrões rigorosos da moda, como a minha profissão obrigava. Vesti umas calças de ganga pretas de corte recto, daquelas que marcavam ainda mais as minhas pernas finas e uma camisa de ganga clara, para fazer o contraste. Calcei as botas castanhas rasas que tinha trazido e fui buscar uma mala que condissesse com os sapatos, apesar de essa tendência já estar fora de moda, no entanto, nunca era errado relembrar. Deixei o meu cabelo ondulado ao natural, com o volume que eu tanto gostava e coloquei apenas um gloss transparente pois os meus lábios eram naturalmente secos.
Quando saí em direcção à cozinha, já John estava pronto, com Sasha atrelada a seu lado.  
O caminho para Surrey foi feito em silêncio, com o rádio ligado e num clima de descontracção. John estava particularmente calmo e feliz e isso agradou-me pois percebi que esta noite seria uma noite em que não teríamos de nos enfrentar, pelo menos não no mau sentido. 

Uma hora mais tarde
Estacionámos o carro numa rua estreita, rodeada de arvoredo, com meia dúzia de casas, se calhar nem isso. Surrey era uma província calma, no mais puro contacto com a natureza e onde as pessoas eram afáveis e sociáveis, perdidas ali no meio mas vivendo a vida com tranquilidade e sem reservas. De certa forma, fazia-me lembrar os livros de Jane Austen, que tanto transmitiam a vida rural inglesa.
John vestiu o seu casaco de cabedal preto e apressou-se a sair do carro, levando Sasha atrás de si. Acabei por me juntar a eles, apreciando a brisa fresca que corria por ali e que agitava as árvores de forma suave. A casa da avó de John era uma das últimas, no final da rua, uma casa pequena, feita de pedra, com um pequeno quintal virado para a estrada. As luzes estavam acesas e, da chaminé, emanava um fumo preto, o que seria sinal de que ela estaria a preparar algo. John pegou em Sasha ao colo e bateu uma, duas, três vezes, até a senhora abrir a porta. Era uma senhora baixa, robusta, de cabelos brancos e de óculos, daquelas típicas avozinhas que todos imaginam.

- Oh, o meu John! – Ele abriu os braços, sem nunca descuidar Sasha e abraçou a senhora, tendo de dobrar-se um pouco para ficar da sua altura.

- Avó, trouxe uma pessoa que queria que conhecesse…

Ele afastou-se um pouco, dando espaço para que a senhora me pudesse ver.

- É a Maria.

Aproximei-me dela, dando-lhe dois beijos na face e esboçando um sorriso afectuoso.

- Prazer em conhecê-la!

- Oh querida, o prazer é todo meu! – A senhora retribuiu-me um sorriso amoroso, antes de se voltar a dirigir a John – Filho, finalmente apresentas uma namorada! E que linda que ela é!  

Queridos leitores, aqui vos deixo mais um capítulo, muito atrasado e feito à pressa mas com a escola e tudo o resto torna-se difícil conciliar as coisas. O próximo capítulo já está a ser preparado e espero conseguir que haja (finalmente!) um entendimento entre eles! Quero agradecer todo o apoio e toda a divulgação que têm feito, vocês têm sido o meu incentivo para continuar! Obrigado!
Maria * 

2 comentários:

  1. Adorei!
    Ele não está a cumprir as suas funções, ai ai! xD
    Vamos ver como vai ser este "começar de novo"
    Estou a adorar querida, está lindo!
    Continua,
    Ana Sousa

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  2. Está lindo! E quero mesmo ver como vai correr este começar de novo,hum...
    Muito bom mesmo! :D
    Continua, beijo (:

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