sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

V


Saí da reunião às seis da tarde, depois de quase duas horas a discutir como seria a sessão fotográfica. Precisava de espairecer, de aproveitar aquela estadia e o tempo em que podia absorver tudo de bom que aquela cidade oferecia. Sabia que John tinha ficado na praça em frente ao edifício mas quando cheguei lá a baixo, não vi nem sinal dele. Perscrutei com o olhar todos os cantos da praça quase deserta, apenas com algumas pessoas na esplanada, mas ele não parecia estar ali. Foi então que ouvi a sua voz vinda de um corredor paralelo no interior do edifício e aproximei-me, conseguindo ouvir algumas coisas como “já comprei” ou “não se preocupe”, pois a sua voz estava tão baixa que quase parecia um sussurro. Dobrei a esquina, disposta a encara-lo, mas assim que ele me viu, a conversa mudou radicalmente e ele começou a falar num tom mais alto, mostrando-se atrapalhado.

- Sim mãe, eu estou bem, não se preocupe! Bem eu agora vou ter de desligar, sim? Tenho de voltar ao trabalho. Vá, um beijo grande – E desligou o telemóvel, tão rapidamente que até cheguei a sentir pena da sua mãe, do outro lado, que nem teve tempo de se despedir.

- Comprei dois bilhetes para o Louvre – Ele mostrou dois bilhetes na sua mão – Vir a Paris e não ver o Louvre é o mesmo que ir ao McDonalds e pedir uma salada, não achas?

Sorri, surpreendida com a sua generosidade.

- Ok, pode ser.
**

Visitámos o Louvre em toda a sua extensão, todos os compartimentos e vasculhamos tudo o que havia para ver. John estava bastante interessado e vi nele uma veia cultural que nem sequer imaginava mas que me surpreendeu pela positiva. Pela primeira vez, ele mostrou-se falador, sociável e percebi que talvez a cultura geral fosse uma boa forma de chegar até ele. Não que eu tivesse muita, mas considerava que tinha a essencial e, normalmente, o essencial não me deixava ficar mal.

- Não achaste aquele quadro o máximo? – Tomámos o caminho em direcção ao hotel, num táxi que apanhamos perto do museu – Achei uma obra-prima.

Ele não parava de falar sobre aquele quadro abstracto que tinha visto nas novas galerias do museu e por instantes tudo o que me apeteceu foi voltar atrás e pagar tudo o que fosse preciso para ele ficar com ele. Não que o pudesse fazer, pois não podia e a verdade é que também não me apetecia gastar tanto dinheiro naquele desenho que até o meu primo Rodrigo, de três anos, sabia fazer. Mas tudo o que queria era calá-lo.

- Olha – Ele parou de falar e olhou para mim – Gostas de futebol?

Tentei mudar o tema de conversa, para algo que me agradasse e que ambos pudéssemos discutir.

- Não… - Ele hesitou antes de responder e o sentido que tirei disso foi o facto de ele se sentir envergonhado por não gostar do melhor desporto à face da Terra – Nunca vi nenhum jogo sequer.

- Ok – Tentei não desanimar – Hás-de ir a Portugal um dia e eu levo-te a um jogo.

- Combinado! – Ele foi decisivo na sua afirmação e, não sei porquê, isso deixou-me radiante por dentro.

O táxi deixou-nos a uns 50 metros do hotel mas o mais curioso de tudo foi que, assim que saímos e ele arrancou, uma chuva intensa abateu-se sobre nós, que tivemos de correr para não ficarmos encharcados. Este tinha sido um dia de extremos… Se há bocado tínhamos corrido e ficado encalorados, agora tínhamos corrido para não congelarmos. E mais uma vez, John mostrou-se extremamente divertido com a situação, assim que chegamos à entrada do hotel e ele se agachou na ombreira da montra, rindo com gosto. As minhas collants estavam encharcadas e o seu toque nas minhas pernas fazia uma comichão incomodativa, que me deixava desconfortável, daí o facto de não ter correspondido com tanto gosto às gargalhadas de John. O mordomo do hotel abriu a porta ao ver-nos do lado de fora, ficando a observar-nos em sinal de hesitação, pois não sabia se queríamos entrar ou permanecer no exterior. Fiz sinal a John para entrarmos no hotel e ele seguiu as minhas passadas curtas e desconfortáveis, em direcção à suite do hotel.
**

“Atchim”!
Um espirro forte e inesperado saiu da minha boca durante o jantar, deixando John num misto de preocupação e surpresa. Uma das indicações da minha ficha pessoal que Hugh fez questão de distribuir pelas pessoas que trabalhavam comigo era a minha tendência para ter gripes e constipações – por sinal, tendência herdada da minha mãe – e que eu tinha quase todos os meses, umas mais fortes que outras, mas que, quase sempre demoravam algum tempo a ficar curadas. Pela cara de John, percebi que ele tinha lido essas indicações.

- Ah, não te preocupes! – Tentei desvalorizar a situação, de forma a não preocupá-lo – Foi só um espirro.

- Tu tens sessão fotográfica amanhã, Maria – Ele levantou-se da mesa, foi até à casa de banho, onde só ouvi o seu remexer em alguma coisa e voltou com uma caixa de antibióticos para prevenir gripes e constipações – Toma isto quando acabares o jantar. Não quero correr o risco de ficares constipada, senão o teu pai mata-me.

Limitei-me a anuir, apesar de me estar a regozijar por dentro com tanta atenção e amabilidade. Esta faceta de John eu não conhecia, mas sem dúvida que me estava a surpreender.

- Vou ter de me ausentar durante uns minutos, senão te importares…

Pousei os talheres e olhei-o, inquiridora. Claro que ele tinha todo o direito de se ausentar e fazer o que quisesse, pois isso para mim era irrelevante mas em termos de ética de trabalho, tal não lhe ficava nada bem. Mas como o assunto da sua ausência não era da minha conta, esbocei um sorriso afirmativo mas reticente.

- Acho que não demoro mais do que uma hora – Ele tentou desculpar-se mas a verdade é que não queria ouvir qualquer tipo de desculpa. Na minha cabeça começaram a formar-se teorias para a sua saída, como a ida a um bar de striptease ou a um bordel, apesar de no meu íntimo me recusar a acreditar que ele seria esse tipo de homem.

- Oh, John, não tens de te desculpar… Só não sabia que conhecias aqui pessoas – Tentei deslindar mais alguma informação sobre a sua saída.

- Uns amigos do exército, nada de especial.

Ele deixou de me encarar e isso despontou em mim uma pontinha de desconfiança em relação à sua saída misteriosa. Mas ainda havia muito para descobrir acerca dele e eu acreditava que ele poderia ser um poço de boas surpresas, como tal, decidi ignorar toda aquela situação.
Acabámos de jantar e ele dirigiu-se ao seu quarto, onde permaneceu durante uns bons minutos, minutos esses em que senti a minha temperatura corporal disparar em flecha e no calor da suite aquecida, as minhas bochechas pareciam arder. Já tinha tomado o remédio mas sentia-me cada vez pior, no entanto, não quis dizer-lhe nada para ele não pensar que tudo não passava de uma tentativa para o fazer ficar comigo – o que, por acaso, era tudo o que mais queria agora. Liguei a televisão e comecei a passar os canais da televisão, à procura de um canal internacional com o qual me pudesse entreter até ter sono suficiente para ir para a cama. John apareceu na sala uns minutos depois e sentou-se do meu lado, todo ele muito perfumado e exibindo uma camisola preta justa ao corpo que fazia denotar todas as suas formas musculadas, umas calças de ganga e umas botas estilo tropa em pele castanha, conjunto esse que foi rematado com um relógio que não consegui perceber qual seria a sua marca, mas muito vistoso e bonito, sem dúvida a sua cara. 
Olhei para ele, quase como que o admirando de alto a baixo, o que o fez desconfiar.

- O que foi? – Perguntou, começando também ele a olhar-se, à procura de alguma imperfeição que tivesse despertado aquela admiração minha. Mas a verdade é que não havia imperfeição nenhuma!

- Fica-te bem esse conjunto – Tentei disfarçar a “baba” que quase deixava transparecer, desviando o olhar do dele e colando-o na televisão.

Aquela atracção física que senti por ele naquele momento foi algo que nunca tinha experienciado na minha vida. Havia qualquer coisa nele que desafiava a minha estabilidade, os meus princípios e os meus valores e que me puxava como se fosse um íman. Eu sabia disso desde que o tinha conhecido, pela forma como algo se alterava em mim assim que o via, mas a evidência, a confirmação, só tinha chegado agora. Nos meus dezassete anos de existência, só tive um namorado a sério, uma relação que eu preservava com a minha vida e que eu achei que fosse para sempre mas nunca, nessa relação, eu senti a mesma atracção que senti naquele momento por uma pessoa que me era praticamente desconhecida e que parecia não dar nada por mim. Tentei manter o meu olhar fixo na televisão, concentrar-me no que se estava a passar e ignorar aquele cheiro inebriante mas ele pareceu não deixar. A sua mão macia pousou levemente na minha perna despida, encolhida em cima do sofá e embora soubesse que aquilo não tinha sido propositado, um arrepio gigante percorreu a minha espinha e as minhas bochechas coraram ainda mais do que aquilo que já estavam.

- Desculpa! – Ele prontificou-se a desculpar-se por aquele descuido – Foi sem querer.

Ele esboçou um sorriso atrapalhado, afastando-se um pouco da minha figura já por si só bastante encolhida. Um silêncio instalou-se entre nós, mas olhando-o de soslaio pude constatar que ele tinha ficado nervoso com aquela situação um pouco constrangedora. Parei a televisão na CNN, onde eram transmitidas as notícias diárias de todo o mundo. Não que aquilo me interessasse, mas sempre era bom para causar alguma distracção entre nós. John levantou-se uns minutos depois, quando alguém bateu à porta.

- Quem é? – Inquiri, pois não esperava ninguém.

Ele olhou para trás ao mesmo tempo que caminhava em direcção à porta.

- Um segurança do hotel que vai ficar aqui a olhar por ti.

- Ahn? – Levantei-me prontamente e tentei alcança-lo antes de ele abrir a porta, tentando a todo o custo interpela-lo – John! Eu não quero nada disso!

Ele parou com a mão na maçaneta da porta, pronto a rodá-la.

- Maria, tu tens de ficar vigiada!

- Então se tenho de ficar vigiada porque é que vais sair?

Ele abriu muito os olhos, pois foi completamente apanhado desprevenido com a minha pergunta, que eu tinha proferido num laivo de frustração e raiva que tentei conter dentro de mim mas que, inevitavelmente, acabaram por vir à superfície já que eu não era nada boa em conter as minhas emoções, apesar de bem tentar. Ele baixou a cabeça, como que interiorizando que não era eticamente profissional deixar-me no hotel sozinha, já que o seu trabalho era vigiar-me vinte e quatro sobre vinte e quatro horas.

- Ok, tens razão – Ele voltou a encarar-me, anuindo – Não estou a ser correcto.

O seu olhar arrependido fez-me vacilar e hesitar em relação àquilo que considerava ser correcto. Não deveria ter de prende-lo ali comigo tendo em conta que eu nunca quis ter um segurança e que se tivesse vindo sozinha nada daquilo estaria a acontecer.

- John, desculpa! Se já combinaste, devias ir. Eu fico bem com o segurança do hotel – Tentei deixar o meu orgulho de lado e ceder, talvez conseguindo ganhar alguma empatia da parte dele, por deixa-lo ir sem qualquer tipo de represálias.

Ele esboçou um sorriso sincero e agradecido, dando-me um beijo ao de leve na minha bochecha a arder, deixando-me tão atrapalhada com aquele gesto que quase achei que elas iam mesmo pegar fogo. O meu coração palpitou a um ritmo alucinante, quase como se quisesse sair do meu peito e senti dentro de mim um calafrio, que já não sentia há mesmo muito tempo. Esse foi o momento em que percebi que aquela atracção que sentia por ele poderia tornar-se bastante perigosa e, como se isso já não chegasse, poderia tornar-se algo mais do que isso. 

Antes de mais quero desejar a todos os meus leitores, em especial à Bianca e à Ana Sousa um feliz Natal! 
Depois quero pedir que tenham paciência, porque embora a história esteja um bocado parada garanto-vos que irá haver uma aproximação entre a Maria e o John nos próximos capítulos que já estão a ser escritos.
Queria também fazer uma pergunta a quem quiser responder: 
Inspirei-me em alguém para o papel de John, um actor muito conhecido de todos (acho eu!) e gostava de saber se têm algum palpite em relação a quem seja. Nos próximos capítulos, no entanto, ele será revelado.
Obrigado a todos *

2 comentários:

  1. Aii adorei completamente este capítulo, não sei, está algo de amoroso ou assim, epá não sei, mas está excelente :D

    Quanto á pergunta que fizeste, se deres mais uma pista talvez chegue lá xD

    Ohh, obrigada, um Feliz Natal para ti também, e continua a escrever, que o fazes muito bem! :D
    Beijo!

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  2. Ola Maria !
    Mais um capítulo lindoo! Escreves lindamente e fico sempre à espera de mais e mais :)
    Huum, ainda não cheguei lá, talvez mais umas pistinhas como disse a Bianca..

    Desculpa, já não cheguei a tempo de te desejar feliz natal mas obrigado, e espero que o teu tenha corrido bem !
    Bom Ano Novo :)

    Ana Sousa

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