terça-feira, 20 de dezembro de 2011

IV


- Paris, a sério?

Saí da sessão fotográfica escoltada por uma série de seguranças que trabalham para a revista, devido ao aparato que se fazia sentir lá fora, com dezenas de pessoas a tentarem interpelar-me. Entrei no carro, guiado por John, enquanto falava com o meu pai ao telemóvel, que tinha acabado de falar com Anne Wintour sobre o catálogo da Vogue. Tinha conseguido algumas fotos do catálogo, mas a melhor (ou pior) notícia foi que as fotos seriam tiradas na cidade do amor, Paris. E lá ia eu, voltar a Paris, onde já tinha ido algumas vezes, mas sempre sozinha. E acreditem, não há nada mais angustiante do que passear numa cidade onde se respira amor e tudo à nossa volta nos reporta a isso, quando nós não encontramos o amor há muito tempo! Mas como a esperança é a última a morrer, talvez fosse desta que o meu príncipe encantado iria aparecer. Quem sabe…

- Isso é óptimo, pai! – John arrancou o carro e distanciamo-nos da multidão e do aparato – Quando tenho de ir?

- Hoje à noite!

- Ahn? – John mostrou-se curioso com a minha conversa, olhando para mim assim que mostrei a minha surpresa – Já?? Tão cedo? E a Sasha?

- Tens muito tempo… - “Lá está ele com as suas facilidades”, pensei, tentando controlar a minha ansiedade – Olha, podes passar ao John?

Olhei para John, que olhava com atenção para o caminho.

- Pai… - Baixei a voz, de forma a tentar manter a discrição, falando quase num sussurro – Pai, você não vai pedir ao John para ele ir comigo, pois não? Não é necessário, acredite em mim.

- Passa-lhe o telemóvel, Maria.

Ele pareceu-me intransponível e acabei por passar o telemóvel a John, contrariada. Eles ainda falaram durante algum tempo – quer dizer, o meu pai falou pois John tudo o que dizia era “sim” – e depois John desligou, passando-me o telemóvel.

- Então? – Perguntei, curiosa e desejando no meu íntimo que o meu pai não lhe tivesse pedido o que eu achava que ele tinha pedido.

- Vou contigo para Paris.

Alardeei, frustrada. Lá estava o meu pai a fazer as coisas como ele queria sem me perguntar a minha opinião. E para além de isso me fazer sentir completamente impotente em relação ao meu futuro, também me deixava incomodada, pois iria viajar sozinha com o meu segurança, que, aparentemente, quase me detestava – tendo em conta que eu represento tudo o que ele mais odeia.

- Desculpa! – Tentei desculpar-me pelas preocupações sem sentido do meu pai – O meu pai é mesmo assim. E por enquanto, não posso fazer nada.

- Pois, ainda és menor, certo?

Anuí, desgostosa. Se ao menos Hugh continuasse no comando, poderia haver uma hipótese de fazê-lo reconsiderar. Com o meu pai, isso era quase impossível.

- Não te preocupes – Ele olhou para mim durante instantes, formando uma linha fina com os lábios que denotava um ténue sorriso – Sempre quis ir a Paris.
**

Olivia tinha-me deixado umas roupas novas em cima da cama, roupas que deveria promover durante a minha estadia em Paris. Paris é a cidade da moda, da alta-costura, do chic, da sofisticação… Como tal tinha de estar à altura.
Mas como queria estar o mais confortável possível durante o voo, acabei por optar por umas calças de ganga, uma camisa branca e um blazer rosa claro, conjugado com uma mala Chanel creme e umas chinelas estilo gladiador da mesma cor. Simples, mas também considerando o tempo que ia estar no aeroporto, era suficiente. 
 
   
Vesti-me à pressa, arrumei as coisas essenciais para dois dias de estadia na minha mala de viagem Louis Vuitton e preparei também as coisas de Sasha, que iria ficar em casa do meu pai durante o tempo em que estivesse fora. Ele considerava que a ida de Sasha iria prejudicar a minha concentração. E desde então perguntava-me: e a ida de John não? Enfim… O meu pai era sempre a mesma coisa. Desci com as malas prontas e coloquei-as à entrada, pegando depois em Sasha, aconchegando-a no meu colo e afagando-lhe o pêlo macio. Como me custava ficar longe da minha única companhia desde há muito tempo…
Um leve bater fez-me largar Sasha e dirigir-me à porta.

- Estás pronto?

Abri a porta e vi John, apenas com uma mala, mas o que me surpreendeu mais foi a forma como ele vinha reluzente. Tinha aparado a barba ligeiramente e o cabelo estava arranjado com gel, mas sem cair no exagero. Aquele charme todo, tinha-me deixado mais apta a viajar com ele, ainda mais porque o seu perfume intenso agradava-me de uma maneira que não sabia explicar. No entanto, a aparência dele em nada tinha a ver com a sua personalidade, ao menos não com aquela que ele tinha mostrado desde que trabalhava comigo. Aconcheguei Sasha na sua cama sedosa, macia e quente e o seu ar angelical tranquilizou-me pois sabia que onde quer que fosse e o que quer que fizesse, ela era a única que nunca me iria deixar. Passei a mão pelo seu pêlo e lancei-lhe um último olhar de despedida, antes de sair pela porta e a deixar sozinha na imensidão do apartamento.
**

Paris, Paris…
Tínhamos acabado de aterrar na maravilhosa capital francesa e nem tivemos de esperar pelas malas, pois o meu pai fazia sempre questão que tivesse o máximo de tratamento VIP possível. John seguia ao meu lado, também ele muito encantado, olhando para todos os lados daquela atmosfera parisiense, sem qualquer sombra de dúvidas. Paris melhorava a cada ano que passava. Tudo nesta cidade me agrada, desde as pessoas, ao clima, à moda… Tudo era pretexto para voltar a Paris um dia mais tarde.

- Excusez-moi, madame – Um homem de fato, cabelo grisalho e bigode, interpelou-nos, começando a falar francês, que devo confessar, era a minha maior fraqueza no meio de tudo, pois, por muito que me esforçasse, nunca ia conseguir falar francês, nem mesmo percebe-lo. Sorte a minha que John sabia alguma coisa - je vais être votre chauffeur lors de votre séjour.

Olhei para John, confusa. Sabia que o homem estava a falar para mim mas não tinha percebido mais nada para além do « Perdão, madame… ».

- Ele está a dizer que vai ser teu motorista enquanto estiveres cá.

- Ah! – Anuí para o senhor, que já tinha percebido que eu não sabia falar francês e que esboçava um sorriso divertido.

Seguimos atrás dele e tudo apontava para o máximo de serenidade. Mas quando chegamos à saída do aeroporto, do lado de fora das vitrinas de vidro, um grupo de pessoas estavam amontoadas, ostentando cartazes que colaram no vidro e gritando o meu nome, a alto e bom som. Detestava estas manifestações de carinho, devo confessar, mas também era algo a que já estava habituada. Levantei uma mão em sinal de aceno e esbocei um sorriso leve, tímido, quase imperceptível – foi o que Hugh me tinha ensinado. Do lado de fora também alguns jornalistas tentavam a sua sorte e tentaram captar uma fotografia minha, mas para minha grande surpresa, John pôs-se ao meu lado, deixando-lhes o ângulo de visão tapado durante todo o meu percurso pelo corredor do aeroporto até às garagens subterrâneas. Não lhe disse nada porque sabia que aquilo tinha sido obra do meu pai mas até estava com medo do que os jornais e as revistas pudessem dizer no dia seguinte, quando começariam a especular sobre um possível romance, como sempre faziam.
O caminho até ao hotel foi feito com calma, dando para observar a cidade, serena naquela manhã que acabava de nascer. Olhei para o relógio e percebi que teria de o acertar para a hora francesa, caso contrário, iria ser tudo uma confusão.
Ficámos alojados no hotel de Crillon, um dos mais luxuosos de Paris, mas que se situava num sítio discreto, longe dos olhares dos mais curiosos, mas ainda assim, dentro da cidade. Era um hotel antigo, que misturava o rústico com a elegância parisiense que apenas era frequentado por pessoas muito bem abastadas, pois o preço era algo quase exorbitante. O meu pai tinha marcado a suite superior, que contava com dois quartos, sala de jantar e sala de estar e isso significava que John não teria de ficar num quarto separado, pois aquela suite – que mais parecia uma casa – chegava perfeitamente para os dois.
Subimos até ao quarto andar e entrámos na suite, toda ela devidamente decorada e que achei que talvez fosse um pouco mais moderna que as restantes suites que tinha visto em fotografias no hall de entrada. O tecto não era ornamentado com fios de ouro ou de prata e não tinha qualquer tipo de ilustração, mas tirando isso, havia móveis que denotavam a antiguidade daquele hotel. Fiquei com o quarto amarelo, enquanto John foi colocar a roupa no quarto dele. Descalcei os sapatos e deitei-me na cama, tal era a minha exaustão. Fixei o olhar na janela entreaberta e fitei o céu que se tornava cada vez mais nublado… Olhei as nuvens a passar, uma por uma, empurradas por um vento tímido que se estava a descobrir e quase sem dar por isso, os meus olhos fecharam-se e acabei por cair num sono profundo.
**

- Maria! – Uma mão macia pousou-se no meu braço e apertou-o levemente – Maria, acorda!

Aos poucos fui ouvindo uma voz doce no meu ouvido, quase como um sussurro e acabei por despertar da minha sonolência crónica quando essa voz se tornou perfeitamente audível. Abri os olhos, olhando à minha volta e deparei-me com John, sentado à beira da cama, por cima do cobertor que cobria as minhas pernas e que ele tinha colocado.

- O que é? – Perguntei, tentando resistir ao sono.

- O teu pai ligou. Tens uma reunião com a Anne às quatro e meia no escritório dela. Deixei ali a morada.

- Que horas são? – Olhei para o meu relógio, que ainda não estava acertado – Adormeci.

- São duas da tarde – Ele apontou para uma mesinha com rodas que se encontrava encostada à janela – Está aqui o teu almoço.

Em cima da mesa, pude ver um copo alto com um líquido cor de laranja, que eu considerei ser o tão famoso sumo de laranja parisiense, um prato com um emaranhado de massas que me tornou impossível saber que refeição seria aquela e ao lado, encontrava-se um prato mais pequeno recheado de macarrons, o mais famoso bolo do país e um dos meus preferidos – era impossível não se gostar daquela doçaria.

- Quem mandou vir os macarrons? – Perguntei, frustrada, pois embora adorasse, aquilo não se podia comer em excesso, senão era um autêntico desastre para a silhueta.

- Ninguém. No meu almoço também vinham, mas já os comi todos.

Não consegui evitar o riso, que foi correspondido por ele, embora mais timidamente.
Levantei-me um pouco a custo. A minha cabeça andava à roda e sentia-me exausta, com uma fraqueza crescente a apoderar-se de mim. Calcei as chinelas que John tinha colocado à beira da cama e empurrei o carrinho com o almoço até à mesa de jantar.
**

Depois de almoçar e de dividir os macarrons com John, que pelos vistos, também adorava, tomei um duche de água morna de forma a ver se aquela enxaqueca que se começava a atenuar desaparecia e depois vesti uns calções de cabedal Chloé com umas collants de vidro pretas, combinadas com uns botins também eles pretos, um blazer da mesma cor e uma camisola básica azul para fazer o contraste. No que toca à sofisticação aliada à simplicidade, não há nada melhor do que o preto. Liguei para a recepção e dispensei os serviços do motorista, pois pretendia fazer uma visita a pé pela cidade depois da reunião e, tendo em conta, que o caminho até ao escritório era relativamente perto, não custava nada andar um pouco e fazer um pouco de exercício.
- Eu fico à tua espera cá fora, ok? – John seguia ao meu lado, também ele bem agasalhado, já que o frio de Outono tinha chegado mais cedo a França.

Anuí, baixando a cabeça sempre que passava alguma pessoa que me pudesse reconhecer. Seguimos em silêncio mais alguns instantes. John parecia contemplar a cidade com gosto, como se aquilo fosse algo de irreal para ele. Sorri para mim, pois fiz exactamente o mesmo da primeira vez que pisei solo parisiense.

- É a cidade perfeita, ahn? – Perguntei, tentando meter conversa, apesar de saber que era muito difícil, mas também não custa nada tentar.

- É – Ele pousou o seu olhar azul penetrante no meu – Gostava de viver aqui com a minha família, um dia.

Achei querido aquele seu pensamento, mas algo me deixou a pensar a que tipo de família ele se dirigia. Seria a família actual, que eu não sabia sequer se ele tinha, ou seria a família futura: mulher, filhos…?! Ou ele até já podia ter mulher e filhos! Não lhe ia perguntar uma coisa tão pessoal quanto essa, mas tal não foi preciso, pois ele acabou por me responder sem sequer lhe ter perguntado nada.

- Gostava que os meus filhos vivessem num ambiente tranquilo como este, sabes? Sem o reboliço todo de Nova Iorque… Não é o ideal de cidade para mim.

Sabia muito pouco sobre ele, mas uma coisa já tinha reparado: ele não podia ser pressionado a falar, ele só fala quando acha que deve falar. E isso faz dele uma pessoa bastante reservada, com o seu mistério, mas a verdade é que eu gostava disso.

- Por momentos pensei que já tivesses filhos… - Falei em tom de brincadeira, de forma a dar um outro ambiente ao nosso passeio.

- Não – Ele riu-se – Mas não deve faltar muito porque eu quero mesmo ser pai novo.

“Interessante”, pensei, surpreendida com aquela revelação.

- Então e posso saber que idade tens? – A pergunta saiu-me um bocado por instinto e só quando me apercebi do que tinha perguntado é que percebi que estava a entrar num campo demasiado pessoal e que talvez ele não quisesse partilhar.

- 21.

Ele não disse mais nada e eu remeti-me ao silêncio, mergulhada em pensamentos. Então ele não era muito mais velho do que eu!
Pretendia meter conversa de novo mas algo me fez reconsiderar. Um barulho de passos rápidos atrás de nós, fez-me olhar para trás e acelerar o passo pois já sabia o que aquilo era. Meia dúzia de jornalistas corriam pela rua recta, disparando as suas máquinas de flashes na tentativa de obter uma fotografia nossa. Apesar de eles saberem que John era meu segurança (o meu pai já tinha emitido um comunicado com essa informação para que não houvesse mal entendidos), nunca se podia confiar na sua imaginação fértil para inventarem romances e amores quase proibidos, daí o meu instinto de começar a correr assim que percebi que eles se estavam a aproximar. John estancou assim que me viu afastar mas rapidamente correu também atrás de mim, ao aperceber-se de que, se eles o interpelassem, as coisas seriam bem piores. Ele rapidamente apanhou a minha passada e quando me preparava para virar à direita, numa pequena ruela, ele puxou-me para seguirmos em frente, pois como a rua era irregular (mais alta nuns sítios do que noutros), eles que seguiam mais atrás ficavam impossibilitados de perceber para onde tínhamos ido. Ele pretendia virar na rua a seguir, que daria directamente à praça onde ficava o escritório de Anne, mas eu já estava a perder o fôlego e comecei a ficar para trás.

- Vá lá, Maria, não corremos isto tudo para parares agora! – Ele estava surpreendentemente divertido e puxou-me pelo pulso, incentivando-me a continuar. 

Corremos mais uns metros até virarmos a esquina e depois aí pudemos descansar. Ele não parava de rir, talvez porque achou ridículo o que tínhamos acabado de fazer ou talvez porque aquela adrenalina que me tinha contagiado, o tivesse contagiado também. Acabei por me juntar ao seu riso assim que percebi que estávamos a salvo dos flashes e que eles provavelmente tinham seguido pela ruela que eu queria ter seguido se não fosse John.

- Tu és maluca! – Ele sentou-se no pial de uma porta, tentando ganhar fôlego – Assim é que eles vão mesmo ficar a pensar coisas.

- O que é que queres? Foi um impulso – Continuei a andar rua fora, obrigando-o a levantar-se e a seguir ao meu lado – Assim eles não nos chateiam.

- Estou para ver as coisas que vão dizer amanhã… - Ele parecia preocupado com aquilo e eu até o percebia, pois, por enquanto, o seu trabalho ainda podia estar em risco porque o meu pai ainda não tinha mostrado nele total confiança. Talvez por isso ele fosse tão reservado e tão antipático comigo, pois considerava que a nossa relação tinha de ser estritamente profissional, sem margem para qualquer outra coisa. E eu não concordava com isso, pois sempre achei que para uma relação profissional ser boa é preciso haver uma boa relação entre as pessoas constituintes dessa relação. E embora estivéssemos a fazer progressos, ainda havia um longo caminho a percorrer, que eu esperava tornar-se mais fácil assim que ele percebesse que o seu trabalho não estava em risco.

- Não te preocupes. Se as coisas não são verdade, só tens de ignorar. O meu pai sabe de tudo, não vais ter problemas com ele – Ele não pareceu muito convencido – Qualquer coisa eu falo com ele.

2 comentários:

  1. Bem bem, estou a gostar :D
    Isto promete, hum hum!
    Continua! (:

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  2. Huum, sabe tão bem ler um capitulo teu!
    Que coisa boa, isto.
    Está lindo Maria..
    Quero o próximo, continua.
    Beijinho
    Ana Sousa :)

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